Do
Aline Xavier
Novembro:
o mês em que muita gente mal informada, com preguiça de pensar e ausente de
empatia vai compartilhar uma enxurrada de conteúdo questionável sobre a
consciência negra, ou melhor, humana. Porque somos todos iguais, só que não.
Imagem: Brasil 247 |
É
fato que as pessoas negras, nos últimos anos, estão mais conscientes dos seus
direitos. Quem é militante se sente cada vez mais empoderado. E vem, mesmo que
não tão rápido quanto deveria, conquistando voz e espaço. E por esse motivo, é
inaceitável aceitar a mentira propagada na sociedade de que não existe mais
preconceito racial. Como brilhantemente disse Gabriel, o Pensador: o racismo é
burrice, mas o mais burro não é o racista. É o que pensa que o racismo não
existe.
O
dia 20 está próximo. Nada mais apropriado então, do que elencar onze motivos
pelos quais sim, é necessário não somente um dia, mas muita conscientização e
reflexão a respeito do tema. Pois a escravidão acabou, mas o estigma permanece.
1 - A disparidade no mercado de
trabalho: quase não vemos negros trabalhando em eventos e
lojas de grife. Em contrapartida, em funções de baixa instrução eles são
maioria. Por trás de requisitos como boa aparência (no qual os recrutadores
estabelecem um tipo de corpo, cabelo e cor dos olhos, por exemplo) existe um
preconceito mascarado;
2 - As mulheres negras estão mais
propícias ao celibato involuntário (vulgo solteirice).
Nossa cultura machista as coloca como frutas exóticas para mera apreciação. São
objetificadas e animalizadas. Elas são as mulheres pra comer, mas as pra casar
são as que possuem traços eurocêntricos. E pra piorar, muitos homens negros, ao
ascenderem socialmente, optam por parceiras de pele mais clara. A quantidade de
jogadores de futebol casados com mulheres loiras é um bom exemplo disso. É como
se a mulher fosse um troféu e uma forma de se afirmar socialmente,
principalmente no meio elitizado;
3 - A falta de representação na mídia:
quase não se vê personagens negros na TV (jornais, novelas, séries e afins). E
quando há, geralmente ocupam papéis de empregadas, trabalhadores braçais ou
personagens caricatos. Crianças crescem sem nenhum modelo de representatividade
que possam admirar, o que afeta diretamente a autoestima delas;
4 - Somos minoria nos espaços
públicos, principalmente os “elitizados”: a não ser em
cargos em que estamos pura e simplesmente servindo os outros, é perceptível a
quase ausência de negros em shoppings, restaurantes mais caros e baladas em
geral. E as pessoas estão acostumadas com essa invisibilidade. Quase ninguém
olha em volta e se questiona: aqui não tem preto, pô! Apesar de sermos mais de
50% da população do país, a maioria de nós não tem condições financeiras e
acesso a lazer e entretenimento;
5 - Humor opressor e babaca:
com a onda do “politicamente incorreto”, todas as minorias passaram a ser alvo
de piadas discriminatórias. E claro, os negros não poderiam ficar de fora
dessa. Mais de uma vez houve casos de humoristas humilharem e constrangerem
negros na Internet. Pior que isso: alguns deles se submetem a um papel ridículo
e contam piadas que ofendem seus semelhantes, reforçando estereótipos;
6 - As ações afirmativas são motivo
de chacota por grande parte da população: algumas dessas
ações, como por exemplo, as cotas raciais e sociais em universidades, têm como
objetivo reduzir o abismo existente entre o negro pobre e a instituição. O que
muita gente não entende é que isso não é privilégio, mas sim uma forma de
ampliar o acesso a quem sequer tinha perspectiva de melhoria social. A educação
superior ainda é elitista e tem muito a melhorar. Menos de 3% dos formandos em
Medicina são negros, e ainda há pessoas que acham que queremos roubar a vaga de
alguém;
7 - Somos desrespeitados como
consumidores: quem aqui é negro e nunca foi
maltratado, seguido num shopping ou deixou de ser atendido por vendedores em
lojas levante a mão. O negro, lamentavelmente, é associado à pobreza, ao roubo,
à falta de condições. Certa vez, fui a uma loja de sapatos mais cara e fui
totalmente ignorada pelas vendedoras, enquanto as outras pessoas que chegavam
eram prontamente atendidas. Precisei chamar o gerente para que ele pedisse a
uma das vendedoras que cumprisse o seu ofício. Nem preciso dizer o quão péssimo
foi esse atendimento;
8 - Somos as maiores vítimas de
violência policial: é perceptível que pessoas negras são
abordadas com muito mais freqüência do que as brancas em revistas policiais, e
morta duas vezes mais que elas. São os primeiros suspeitos, julgados por suas
roupas e por sua cor. A população carcerária negra no Brasil é em torno de 66%,
e a maioria dos presos não concluiu o ensino fundamental.
9 - Temos inúmeros problemas de
autoimagem: desde cedo somos condicionados a achar que existe
algo errado conosco, e que temos que corrigir através da automutilação. Nossos
cabelos (apelidados de ruins, duros) são submetidos a químicas degradantes e algumas
até cancerígenas, nossa pele é “clareada”, as mulheres se maquiam de modo a
disfarçar seus traços naturais e torná-los mais “finos” (leia-se: como os de
uma pessoa branca), dentre outros muitos exemplos de violência à nossa
naturalidade. Tudo para se equiparar a um modelo eurocêntrico de beleza. E
muitas vezes essa busca pela perfeição semelhante à da beleza branca traz
inúmeros prejuízos emocionais aos negros;
10 - Somos 71,6% do número de
analfabetos do país: além desse dado, a evasão escolar é
muito maior entre crianças e jovens pretos. Por causa da pobreza, grande parte
deles precisa trabalhar para ajudar no sustento da casa. Quando o trabalho é
excessivamente extenuante, ininterrupto, com carga horária abusiva (normalmente
em funções operacionais, como limpeza, jardinagem ou outros serviços pesados),
muitos não resistem e abandonam a escola;
11 - Religiões de matriz africana são
grandes alvos de intolerância religiosa: Esse problema, a meu
ver, seria amenizado se houvesse uma melhoria na educação. A lei 10.639/03
estabelece que deve ser ensinada nas escolas temas ligados à cultura
Afro-Brasileira, incluindo as religiões. Como não prática isso não acontece e a
ignorância das pessoas não têm limites, praticantes são demonizados e vistos
como perigosos, o que resulta em muitas ações violentas;
Existem
inúmeros outros motivos que comprovam o quão presente é o racismo é na nossa
sociedade, mas citar todos tornaria o texto muito longo, ou até mesmo um livro.
É inconcebível que mesmo sendo a segunda população negra do mundo – o que prova
que de “minoria” não temos nada – ainda sejamos tão subjugados como se fôssemos
inferiores aos demais.
Enquanto
formos estereotipados e associados unicamente a samba, pagode, sexo fácil,
bandidagem, ignorância e falta de instrução o cenário não mudará. A luta é
longa. E a representatividade e o respeito são imprescindíveis.
Pra
encerrar, cito uma frase que li na Internet, de autoria desconhecida, porém
muito válida para esse momento: “TODA
CONSCIÊNCIA SERÁ NECESSÁRIA, ENQUANTO A CONSCIÊNCIA HUMANA FOR PRECONCEITUOSA E
RACISTA”.
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