Abrindo
o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439, impetrada
pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que questiona a constitucionalidade
do ensino religioso confessional nas escolas públicas de todo o país, o
ministro e relator da matéria no Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto
Barroso defendeu a laicidade do Estado e votou pela procedência do pedido. Para
ele, o ensino religioso deve ser unicamente não-confessional, optativo e
ministrado por professores sem vínculo com qualquer religião, pois tal conteúdo
já constitui uma exceção à laicidade do Estado. “Por isso mesmo, a exceção não
pode receber uma interpretação ampliativa para permitir que o ensino religioso
seja vinculado a uma específica religião”, afirmou na manhã de ontem (31).
Da
RBA - Barroso defendeu a proibição da
contratação de professores na qualidade de representantes das confissões
religiosas, como ocorre hoje no estado do Rio de Janeiro. O ministro argumentou
que um padre católico, um rabino ou uma yalorixá, se fizer concurso público,
pode ser professor, mas não na qualidade de ministro religioso.
Ele
também determinou algumas garantias que devem ser impostas para garantir que a
presença em tais aulas sejam unicamente por opção do estudante e não um
conteúdo obrigatório: não se deve permitir a matrícula automática na disciplina
de ensino religioso; os alunos que optarem por não terem a aula devem ter
assegurada uma atividade acadêmica no mesmo horário; o ensino religioso deve
ser ministrado em disciplina específica e não transversalmente ao longo de
outras matérias; os alunos devem poder se desligar da disciplina quando
quiserem.
Barroso
afirmou ainda que não é possível garantir a igualdade de condições entre as
religiões brasileiras para sua atuação no espaço escolar. O mapa das religiões
elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com base no censo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou 140 denominações
religiosas no país.
“É materialmente impossível que a escola
pública, respeitando a igualdade das religiões, ofereça condições para que 140
religiões diferentes e alternativas sejam ministradas dentro das salas de aula,
logo, algumas religiões terão que ser favorecidas, o que acontecerá será o
favorecimento das religiões majoritárias”, destacou o ministro.
Julgamento
O
julgamento da ação deve seguir por todo o dia de hoje. Os outros dez ministros
ainda têm de apresentar seus votos, podendo concordar ou não com o relator.
Para a PGR, apoiada por organizações que atuam no direito à educação, o ensino confessional
na rede pública fere a laicidade do Estado brasileiro e pode abrir brechas para
a doutrinação e o proselitismo religioso nas escolas. Isso porque a definição
confessional pretende a promoção de determinada religião. A Constituição
Federal, no artigo 210, reconhece que "o ensino religioso, de matrícula
facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas
de ensino fundamental", mas não o caráter confessional.
Para
as organizações que figuram como amicus curiae – pessoa ou entidade que
apresenta apoio a determinado entendimento de uma causa judicial –, o ensino
religioso deve ser reservado à família, aos templos e às próprias escolas
confessionais. Segundo a coordenadora executiva da ONG Ação Educativa e doutora
em educação pela USP, Denise Carreira, o objetivo não é acabar com o ensino
religioso, mas sim que o STF determine limites legais.
“Queremos
que o Supremo detalhe os limites negativos, ou seja, o que não pode ser feito.
Não pode ter matrícula automática, por exemplo, já que a Constituição Federal
delimita o ensino religioso como facultativo. Muitas redes matriculam
automaticamente os alunos. Há uma ‘forçação de barra’. E também que não sejam
contratados professores ligados às religiões, para evitar proselitismo ou
doutrinação. Hoje, no Rio de Janeiro, quem escolhe os docentes são instituições
religiosas”, explicou.
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Barroso defendeu que os estudantes devem ter opção de outras aulas se não quiserem frequentar o ensino religioso. Foto: Carlos Moura/ SCo/ STF. |