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As dívidas das igrejas são resultado de multas (e encargos) aplicados pela Receita Federal. (FOTO/ Nelson Almeida/ Getty). |
O
Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que pode levar ao perdão de
enormes dívidas de igrejas com a União. O PL ainda precisa ser sancionado pelo
presidente da República — se isso acontecer, o valor perdoado poderia chegar a
R$ 1 bilhão, segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo. Mesmo que o perdão
das dívidas não aconteça, os tributos que os centros religiosos não precisam
pagar no Brasil já são vários.
Entenda
quais são eles e o que está em jogo nas mudanças tributárias que vêm pela
frente.
Perdão e isenção
O
perdão das dívidas que podem somar R$ 1 bilhão será resultado de um pequeno
trecho incluído como emenda em um projeto sobre renegociações de precatórios
(dívidas do governo cobradas pela Justiça) que tramitava em regime de urgência
na Câmara por causa do aumento das dívidas do governo durante a pandemia, o PL
1581 de 2020.
A
medida vinha sendo discutida na bancada evangélica desde o ano passado e foi
incluída no projeto de lei pelo deputado federal David Soares (DEM-SP), filho
do pastor R.R. Soares, líder da igreja evangélica Internacional da Graça de
Deus — que tem uma dívida tributária de pelo menos R$ 37 milhões.
O
trecho incluído pelo deputado tira as igrejas do rol de instituições obrigadas
a pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o imposto que
incide sobre o lucro líquido das instituições e serve para apoiar a seguridade
social no país. A emenda também anula autuações feitas pelo não pagamento desse
tributo até hoje.
As
dívidas das igrejas — que podem somar até R$ 1 bilhão — são resultado de multas
(e encargos) aplicadas pela Receita Federal após fiscalizações mostrarem que
algumas igrejas haviam feito pagamentos a pastores e líderes sem recolher os
tributos devidos, o que foi considerado como manobras para distribuir lucros,
tecnicamente chamada de distribuição disfarçada de lucros o que evitaria o
pagamento do tributo.
Não
há incidência de contribuição à Previdência sobre o pagamento de líderes
religiosos se eles receberem um valor sempre igual, mas a Receita Federal
identificou que algumas igrejas faziam uma distribuição de dinheiro variável,
que se assemelhavam à bonificações e participações nos lucros feitas por
empresas.
Impostos e contribuições
No
Brasil, as igrejas e centros religiosos de qualquer religião estão entre as
instituições às quais a Constituição Federal garante imunidade para impostos.
"Mas isso não quer dizer que elas estão
livres de qualquer tipo de tributo", explica Tathiane Piscitelli,
professora de direito tributário da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas).
Impostos
são apenas um dos tributos (pagamentos compulsórios ao Estado) existentes no
Brasil; e servem para custear em geral as atividades do poder público. Há
também taxas e contribuições, que são tributos com finalidades específicas.
As
igrejas não são imunes ao pagamento de taxas e contribuições, explica
Piscitelli, que também presidente da comissão de direito tributário da OAB-SP
(Ordem dos Advogados do Brasil).
A
tributarista explica também que imunidade é diferente de isenção.
"Enquanto a imunidade é garantida pela
Constituição e impede qualquer ente público de cobrar os impostos, as isenções
são escolhas políticas quanto ao pagamento de tributos específicos, e podem ser
alteradas de maneira mais fácil", explica ela.
E a
emenda do deputado David Soares visa justamente garantir uma isenção para
centros religiosos em uma dessas contribuições, a CSLL.
Mas
há pressão da bancada evangélica para que as instituições fiquem livres de
outros tributos, como a Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços (CBS)
— novo tributo previsto pela reforma tributária que vai substituir o PIS e a
Cofins.
No
texto atual da reforma tributária, a CBS terá isenção para empresas que não
exercem atividade econômica, como entidades de assistência social e educação —
incluindo igrejas.
Ou
seja, o texto pressupõe que nenhuma igreja exerce atividade econômica — mesmo
que a Receita Federal tenha encontrado indícios disso na fiscalização.
O que as igrejas não pagam
A
imunidade a impostos faz com que nem União, nem Estados e municípios, possam
cobrar de centros religiosos qualquer tributo que seja classificado como
imposto e que tenha incidência sobre o patrimônio, renda ou serviços dos
centros religiosos, explica Piscitelli.
Isso
significa que os templos das igrejas não pagam IPTU (Imposto Predial e
Territorial Urbano), por exemplo, que são pagos pela maioria dos cidadãos nas
cidades.
Também
não pagam impostos sobre dízimos, rendas e contribuições feitas por fieis.
Embora não seja uma garantia do texto constitucional, uma lei sancionada no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro garante que Estados possam prorrogar por até 15 anos a isenção das igrejas no pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em alguns serviços (como na conta de luz).
As
instituições também não precisam pagar IPVA (Imposto sobre a Propriedade de
Veículos Automotores) — na prática isso significa que se líderes religiosos
usam carros que estão em nome da igreja, não há pagamento de imposto sobre
eles.
A
imunidade, no entanto, não atinge o imposto de renda, que é pago pelos
indivíduos e não pelas instituições religiosas. O imposto precisa ser declarado
pelo próprio religioso — qualquer sacerdote que receba um pagamento mensal
maior do que R$ 1.903,98 deve fazer declaração anual de imposto de renda e pagar
ele mesmo o imposto devido.
Não
há um cálculo do Fisco de quanta arrecadação o Estado perde com a imunidade das
igrejas para impostos.
Mas
é um valor que deve ter crescido na última década, já que a receita das igrejas
praticamente dobrou no Brasil entre 2006 e 2013, segundo dados obtidos no ano
passado pela Folha de S. Paulo, via Lei de Acesso à Informação. A renda das
igrejas subiu de R$ 13,3 bilhões, em 2006, para R$ 24,2 bilhões, em 2013,
mostra o jornal.
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