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| Professor César Pereira durante fala no Novembro Negro 2025 da EEMTI Padre Luís Filgueiras. (FOTO | Professor Nicolau Neto). |
Por Nicolau Neto, editor
A Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Padre Luís Filgueiras, em Nova Olinda-CE, realizou nesta quarta-feira, 19 de novembro, a edição 2025 do Novembro Negro, parte integrante da prática pedagógica afrocentrada “Ensinafro”, desenvolvida nas disciplinas de História (1º a 3º ano) e Sociologia (3º ano) pelo professor Nicolau Neto.
O
evento foi realizado em dois momentos. Pela manhã, ocorreu na Fundação Casa
Grande - Memorial do Homem Kariri; a tarde, as ações se deram no pátio da
própria escola.
Abertura
Na
abertura do evento pela manhã, o professor Nicolau destacou que não há como
falar da História do Brasil sem mencionar os mais de três séculos de
escravização, em que o nosso país obteve cerca de 5 dos 12 milhões de africanos
na condição de dominados e explorados. “Isso significa dizer que não dá para
entender a formação do país sem que estudemos de maneira séria esse modelo
econômico que se fez a partir da exploração de mão de obra forçada e que tão
mal fez, tendo consequências desastrosas. Afinal, a principal consequência que
temos hoje é o racismo. O racismo é um projeto de poder muito difícil de
combater. É ele que mantém os privilégios, as desigualdades e que mantém a
população preta e indígena a margem, no desalento. E é por isso, por ele ser um
projeto de poder bem articulado que torna-se tão difícil combatê-lo”.
Parafraseando
o antropólogo congolês-brasileiro Kambegele Munanga, Nicolau afirmou que o
racismo é uma dupla morte, visto que ele é “um
crime perfeito. Não vemos o carrasco do racismo porque ele não se assume como
tal. Então é uma morte física e também da consciência do negro.”
Mas apesar
desse crime, a população negra e indígena existe e resiste. Ele apresentou dados
da população negra no Brasil, Estado, em Nova Olinda e na Escola. Fora do
continente africano, o Brasil é o país mais negro do mundo. Mais da metade da
população brasileira é negra. (55,5%). No Estado do Ceará, por exemplo, esse
número sobe para a casa dos 72,5%, conforme dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatísticas (IBGE). No nosso município, Nova Olinda, a população
negra também é maioria. Negros e negras aqui são 70,3%.
“E na nossa escola os números não são
diferentes dos nacional e estadual. Este ano 72,4,% dos estudantes da Escola
Padre Luís Filgueiras se autodeclararam negros. Sendo 58,6% pardos e 13,8%
pretos,” disse. Para Nicolau, esses números enterram a ideologia do
branqueamento que, como política de estado, diria que em pouco tempo dada a
mistura de povos, o pais não teria mais negros. O embranquecimento da população
foi uma teoria racista e que repercute ainda hoje, a qual o professor e
ativista negro Abdias Nascimento chamou de “política de genocídio”, em seu
livro “Genocídio do povo negro brasileiro. Processo de um racismo mascarado
(1978).”
Mas
se por um lado a gente não pode pensar o Brasil sem estudar a escravidão e as
consequências danosas dela originadas, é importante destacar que a compreensão
do Brasil, em particular da educação como instrumento de luta por justiça e
equidade, passa primordialmente pelas criações da população preta, especialmente
de mulheres preta. Citando Antonieta de Barros, ele destacou que ela foi
responsável por combater o analfabetismo de adultos carentes. Trouxe ainda
nomes como Aqualtune, fundadora do “Quilombo dos Palmares” e avó de Zumbi dos
Palmares; Tereza de Benguela; Tia Simoa, responsável por definir os rumos da
abolição da escravidão na província do Ceará; Lélia Gonzales e Beatriz Nascimento.
Esta última foi a homenageado deste ano. “Suas
pesquisas contribuíram para entender a identidade negra como instrumento de
autoafirmação racial, intelectual e existencial. As políticas de reparação que
temos hoje são frutos de sua luta incansável contra o racismo,” afirmou
ele.
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| Da esquerda para direita: Carlos Eduardo, Nicolau Neto, Alvany Batista, César Pereira e Cida Matos. (FOTO | Ana Larissa, do 3º B). |
Nicolau
mencionou também nomes como Abdias do Nascimento, Oliveira Silveira, Clóvis
Moura, Milton Barbosa e tantos outros. “É
dentro desse contexto que necessitamos construir uma educação voltada para a
diversidade, para a pluralidade e que esteja direcionada a combater diariamente
o racismo. A nossa educação precisa ser antirracista e um dos caminhos para
isso é o debate, a reflexão e a promoção de ações que perceba negros, negras e
povos indígenas como criadores do país e como produtores de conhecimentos e de
saberes. Este ano temos como temática Quando o silêncio é o principal obstáculo
para a construção da Educação Antirracista,” asseverou.
Para
Martin Luther King, “o que me preocupa
não é o grito dos maus, é o silêncio dos bons”. Então , disse Nicolau, “que possamos chamar os bons que estão em
silêncio para romper as barreiras do racismo e construirmos uma educação que
reconheça e valorize as diferenças”. E para contribuir nessa discussão tão
importante, ele convidou o professor Me. César Pereira.
As contribuições de César Pereira
Mestre
em Ensino de História pela Universidade Regional do Cariri; Especialista em
Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade de Juazeiro do Norte;
escritor e poeta, autor dos livros: Milagres, nossa terra Cariri, (história),
Malungo (poesia), Contos de Alumbramento (contos), pesquisador sobre as
relações étnico-raciais e professor da educação básica do Estado do Ceará desde
2012, ele trouxe para o centro da mesa um panorama acerca da luta histórica dos
movimentos sociais, sobretudo negro, para a construção das leis 10.639 de 2003
e 11.645 de 2008.
Para
César, essas legislações são primordiais para a construção de uma educação
antirracista. São importantes para a valorização da história e cultura negra e
indígena no currículo escolar que, mesmo passados mais de duas décadas, ainda é
carregado de eurocentrismo. Sobre o silenciamento das instituições,
principalmente das escolas, isso ocorre por vários motivos. Um deles, segundo
César, se dá por falta de formação para professores e professoras. A ausência de
formações adequadas acaba fazendo com que este profissional não saiba como
aplicar os conteúdos dentro do seu componente; No entanto, ele fez questão de mencionar
que o silêncio também é fruto de um pensamento racista ou da crença descabida
de que vivemos uma democracia racial.
Na
segunda parte da sua fala, o professor mencionou que a educação antirracista
deve começar da sala da direção escolar e elencou uma série de práticas
antirracistas que foram e estão sendo desenvolvidas na escola em que atua, a
EEMTI Antonia Lindalva de Morais, em Milagres. Dentre elas, destaque para a
modificação do currículo. Inicialmente, disse ele, começamos alterando o PPP e
o Regimento Interno da Escola. “Estando
nos documentos, tudo fica mais fácil. Porque as pessoas são passageiras. Os professores
e profesroras uma hora se aposentarão; a diretora ou diretor uma hora termina
seu mando. Se aparecer outro/a que queira desfazer as ações antirracistas,
temos os documentos pra mostrar, para ser cumprido,” disse.
A
professora de língua portuguesa e redação, Alvany Batista, foi muito elogiada por
César. “Se hoje estou aqui, um homem
preto e apresentando essas leituras devo a minha professora Alvany. Foi ela que
me apresentou a literatura quando eu estudava em Altaneira”, disse. “A gente vai semeando sementes. Que bom que
colhemos bons frutos”, destacou a professora.
Educação Antirracista: um dever fazer
coletivo
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| Professor Nicolau Neto apresentando relatos de experiência da prática pedagógica Ensinafro. (FOTO | Professora Hericka Santos). |
Para
além disse, Nicolau destacou que é preciso um comprometimento de todo o corpo
escolar para que as legislações mencionadas tanto pela manhã quanto a tarde
sejam cumpridas. É preciso formações para toda a comunidade escolar e estou
comprometido nessa causa. Mencionou ainda que o coração da escola, a biblioteca,
está defasada. Para que ela pulse mais forte é necessário que seja diversa,
tendo livros de autores e autoras negras e indígenas. E questionou: “como uma escola pode receber o selo
antirracista com uma biblioteca que não atende as demandas étnico-raciais”?
Por fim, Nicolau destacou que algumas mudanças pontuais já foram feitas e citou as alterações que fez entre 2023 e 2024 no Projeto Político Pedagógico (PPP) e no Regimento Interno para atender a Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER).
O evento
seguiu com Beatriz Rodrigues, sua filha de sete anos, cantando a capela a
música "Vieram Três pra Bater no
Negro", de Tonho Matéria (clique aqui e confira ela cantando) e com uma mesa intitulada "Educação Antirracista: um dever fazer
coletivo", desenvolvida por estudantes do 3º ano E: Cícera Jamilly, Daniel
Melo, Maria Edilaine e Vitor Feitosa, que destacaram a urgência do comprometimento
de todos os professores, professoras e gestão escolar na efetivação da educação
para as relações étnico-raciais e defenderam de forma unânime o letramento
racial na escola. "É urgente a
construção de um currículo que atenda às demandas das populações negras e
indígenas. É pra ontem uma educação para as relações étnico-raciais",
disseram.
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| Da esquerda para a direita: Jamilly, Daniel, Edilaine e Vitor, do 3º ano E. (FOTO | Professor Nicolau Neto). |
O Novembro Negro 2025 tinha como público-alvo toda a comunidade escolar. Nos dois momentos, o evento foi acompanhado pela diretora Cida Matos e pelo coordenador pedagógico Carlos Eduardo e por professores e professoras que tinham horário em sala. Os grêmios estudantis da EEMTI Santa Tereza, de Altaneira e da EEEP Wellingoton Belém de Figueiredo, de Nova Olinda. O professor de Geografia desta instituição, Wellio, também se fez presente.




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