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| Estudantes da Escola Padre Luís Filgueiras defendem letramento racial na escola. (FOTO | Professor Nicolau Neto). |
Por Nicolau Neto, editor
Não há possibilidade de construir uma educação antirracista sem a participação ativa de estudantes. Foi essa uma das bases da prática pedagógica afrocentrada Ensinafro, idealizada pelo professor Nicolau Neto, da EEMTI Padre Luís Filgueiras, e desenvolvida nas aulas de História (1º ao 3º ano) e de Sociologia (3º ano).
O Ensinafro
O Ensinafro dentro da EEMTI Padre Luís Filgueiras, única escola de ensino médio em tempo integral em Nova Olinda, no cariri cearense, nasceu em 2023 e consiste em trabalhar os conteúdos de História e Sociologia tendo como eixo central a perspectiva africana. Não se trata de abandonar as temáticas que já aparecem no livro, mas problematizá-la. Afinal, o currículo ainda é pautado pelo viés eurocêntrico. É, pois, questionar, por exemplo, porque nos livros de História destinados ao 1º ano não aparece civilizações africanas antigas como Cartago e os reinos núbios entre 980 a.c ao século VIII d.c, com destaque para o Reino de Cuxe e o Reino de Axum. Ambos importantíssimos no desenvolvimento da agricultura, do comércio, da metalurgia e da criação da escrita (a meroítica). Cuxe, inclusive chegou a dominar outra importante civilização africana, o Egito, dando início a 25ª Dinastia dos Faraós Negros.
Por falar em Egito, ainda há o mito de que essa civilização não era africana dada a sua grande importância em diversas áreas, como a medicina, a tecnologia, arquitetura, o desenvolvimento do calendário solar, a escrita e berço de muitas disciplinas que temos nas escolas, como a matemática e a filosofia, por exemplo. No segundo ano, o grande debate ocorre quando se introduz a História do Brasil, que não era Brasil. Esse não foi o nome dados pelos diversos originários que já ocupava essa grande terra. Foi preciso alimentar as discussões em torno da ideia de que já existiam povos organizados nessa grande extensão de terra que eles chamavam de Pindorama, termo que na língua tupi significa "Terra das Palmeiras". O povo nativo não nasceu escravizado; foi transformado em escravizado pelos colonizadores portugueses e lutaram o tempo todo para não ser.
Foi preciso, de igual modo, fazer um percurso que os livros não fazem. Ir ao continente africano (que hoje é formado por mais de 50 países) e destacar que em períodos de grandes transformações históricas que ocorreram na Europa (e isso os livros trazem), como por exemplo, Revolução Inglesa, Revolução Industrial, Iluminismo e Revolução Francesa, lá se desenvolveu um dos maiores reinos, o Reino do Congo (do século XIV e XIX) e que desenvolveu uma moeda local, além de grandes construções usando pedra e planejamento de cidades; Foi mencionado ainda o Reino do Ndongo, que se desenvolveu ao sul do Reino do Congo e, de onde saiu as grandes resistências ao domínio e os traficantes portugueses na região, tendo na rainha Nzinga Mbandi Ngola Kiluanji, ou simplesmente Rainha Nzinga.
Nos terceiros anos, foi preciso discutir que o país que nasceu com a república não acabou com a escravidão; e quando essa abolição veio no formato de lei (ocorrendo porque o território não tinha mais condições de mantê-la, pois o mundo vivia sob as bases do trabalho livre e por isso foi pressionado, sobretudo pelos ingleses que queria vender seus produtos) não foi acompanhada de uma política de reparação por mais de 300 anos de escravidão. Não foi feita a reforma agrária. Aliás, aos negros foram negados acesso à terra; a eles e elas foram negados acesso a educação e proibidos de exercerem suas manifestações culturais. De igual modo foi levado para estudo e debate o fato de que o país que conhecemos hoje não teve a contribuição de negros e negras, mas foi construído por eles. Nomes como Zumbi, Dandara, Luiza Mahin, Luiz Gama, Tereza de Benguela, Tia Simoa, Cruz e Souza, Machado de Assis, Mestre Bimba, Mestre Pastinha, Oliveira Silveira, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Lélia Gonzales, Beatriz Nascimento, além de destacar coletivos como a Frente Negra Brasileira e o Movimento Negro Unificado.
O protagonismo estudantil
Foi nesse contexto que os estudantes iam se posicionando em sala, ao ponto de perceberem que essa prática pedagógica afrocentrada tinha como finalidade conhecer a história silenciada e apagada dos livros. Uma ação educativa, sobretudo, que valoriza a história e a cultura africana e afrobrasileira. Uma prática que não só questiona o currículo, mas o transforma por meio do processo de ensino-aprendizagem diário e antirracista.
Uma das consequências dessas vivências afrocentradas foi a mesa de diálogo construída somente por estudantes no Novembro Negro 2025 da EEMTI Padre Luís Filgueiras. Cícera Jamilly, Daniel Melo, Maria Edilaine e Vitor Feitosa, todos do 3º ano E, em uma troca permanente de saberes, discutiram para toda a comunidade escolar o tema “Educação Antirracista – um dever fazer coletivo” e defenderam veementemente a necessidade urgente do cumprimento das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 em todas as áreas do conhecimento. Para tanto, afirmaram que o caminho mais acertado e talvez o único seja o do letramento racial e citaram o livro trabalhado em sala de aula pelo professor Nicolau, o “Pacto da Branquitude”,da psicóloga Cida Bento. Nele, Cida afirma que há, no Brasil, entre pessoas brancas uma pactos narcísico da branquitude que, na verdade, uma cumplicidade não verbalizada entre essas pessoas para manterem seus privilégios e isso se mantêm ao longo da História. “Esse pacto estruturou toda a nossa sociedade que passa a se espelhar no padrão não negro, disseram os estudantes.” Para elas/es, somente o letramento racial nas escolas é capaz de modificar isso. “Somente o letramento racial pode construir uma escola que destrua o racismo e isso passa por novas práticas pedagógicas em todas áreas de conhecimento”, destacaram.

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