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(FOTO/ TSE). |
O assunto foi discutido em reuniões de dirigentes partidários e advogados eleitorais ao longo da penúltima semana de setembro. Ainda não se sabe se a decisão será tomada por meio de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) ou por meio do Congresso Nacional.
De
acordo com fontes ouvidas pela BBC News Brasil sob condição de anonimato, mais
de uma dúzia de partidos está disposta a participar da iniciativa — da direita
à esquerda.
A
regra da distribuição igualitária dos recursos foi criada pelos ministros do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no fim de agosto, em resposta a uma consulta
formulada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e pelo Instituto
Educafro.
Na
decisão original do TSE, os partidos deveriam garantir a divisão proporcional
dos recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário, e também do tempo de TV,
entre candidatos negros (pretos e pardos) e brancos — mas a regra só valeria
para as eleições 2022.
Não
se trata de cotas de candidatos, como já acontece com o percentual mínimo de
30% de mulheres, mas apenas de garantir a divisão proporcional dos recursos.
No
entanto, no dia 10 de setembro, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu de forma
monocrática (individual) que a regra deverá valer já nas eleições municipais
deste ano, o que gerou descontentamento entre os partidos.
Uma das propostas em discussão entre os partidos é aprovar no Congresso um projeto de decreto legislativo (PDL) para sustar a decisão de Lewandowski.
Os
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) começarão a decidir nesta
sexta-feira (25/9) se mantém ou não a decisão do ministro. A votação será em
plenário virtual. Neste caso, não há discussão verbal do assunto e os ministros
têm até sete dias para votar, sem necessidade de fazê-lo no mesmo dia.
Presidentes
de vários partidos reclamaram da antecipação da regra para 2020 durante uma
reunião com o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, no dia 22 de
setembro. Alguns dos dirigentes cobraram mais informações sobre como deveria
ser feita a divisão de recursos.
Em
resposta aos partidos, Ricardo Lewandowski apresentou esclarecimentos sobre
como deve ser feita a divisão de recursos. Candidatos negros e brancos devem
ser beneficiados igualmente dentro de cada gênero (homens e mulheres), e não de
forma global. A medida visa a proteger as candidaturas femininas, evitando a
concentração de recursos nos candidatos homens.
Tema divide chefes de partidos
A
decisão de aplicar a reserva de recursos a candidatos negros já em 2020 divide
os presidentes de partidos políticos consultados pela BBC News Brasil.
Presidente
do Republicanos, o deputado federal Marcos Pereira (SP) diz que a legenda foi
pega de surpresa pela decisão de Lewandowski. “Não dá tempo para organizar para
essa (eleição)”, disse ele à BBC News Brasil, por mensagem de texto. “Vai ser
uma confusão se for para (aplicar) este ano”, disse ele, que é também vice-presidente
da Câmara dos Deputados.
Pereira diz que há também uma preocupação com fraudes — candidatos que se autodeclarem negros, mesmo sem ser. “Como controlar a eleição em mais 5,5 mil municípios?”, questionou ele.
Carlos
Siqueira é presidente nacional do PSB. Ele diz que o partido já vai distribuir
os recursos de forma proporcional entre candidatos negros e brancos — mas diz
que, idealmente, a decisão teria sido tomada com mais antecedência.
“No
mérito, a decisão é perfeita. E, no caso do PSB, nós já tratamos as
candidaturas de negros como candidaturas que devem ser prestigiadas. Então, não
há nenhum problema. A única coisa que eu acho é que o TSE devia ter tomado essa
decisão com a antecedência necessária para permitir uma organização melhor dos
partidos”, diz ele.
“O
Parlamento só pode mudar a lei eleitoral obedecendo o princípio da anualidade,
de mudar um ano antes. E o próprio Supremo tem acórdãos em que manda que as
decisões judiciais (sobre matéria eleitoral) obedeçam também ao princípio da
anualidade”, diz Siqueira à BBC News Brasil.
Outros chefes de partidos defendem a
decisão de Lewandowski.
“Nós
do PDT não entraremos no Supremo (contra a reserva de recursos em 2020). Nós
achamos a medida justa. Isso é o pagamento de uma dívida histórica da
sociedade. Em segundo lugar, não há reserva de valor, há igualdade na
distribuição de valor, por autodefinição. É como numa universidade, você se
autodeclara negro ou pardo, e aí tem direito”, diz Carlos Lupi, presidente
nacional do PDT.
Segundo
ele, um levantamento preliminar do partido indica que 45% dos candidatos do PDT
são negros ou pardos.
O MDB é o partido com o maior número de prefeitos do país. Segundo o presidente da sigla, o deputado federal Baleia Rossi (SP), o partido não deve ter dificuldade para cumprir a decisão do TSE já nestas eleições.
“Nós
estamos preparados já, por meio do MDB Afro, para valorizar as candidaturas de
negros no MDB”, diz ele à BBC News Brasil. O núcleo, ligado ao movimento negro,
foi reativado no partido recentemente.
“Você
tem, claro, a dificuldade de vir de última hora uma decisão, mas nós estamos
aqui nos preparando, inclusive aguardando o MDB Afro fazer as indicações dos
candidatos que representam o movimento”, disse Baleia Rossi.
Benedita: projetos para regulamentar
tema já estão prontos
Autora
da consulta ao TSE, Benedita da Silva responde às críticas dos presidentes de
partidos dizendo que há projetos parados no Congresso regulamentando a
distribuição igualitária dos recursos — bastaria dar urgência e aprovar um dos
projetos.
“Eu
tenho uma solução para eles, que acham que tem que regulamentar. Nós temos
projetos lá na Casa (Câmara), que não entraram na reforma política que foi
feita. É só pedir urgência no projeto, que a gente pode ter ele aprovado,
regulamentado. E aí pode funcionar, atendendo à decisão do Supremo”, disse ela
à BBC News Brasil.
Benedita
da Silva assevera que fazer ou não a distribuição proporcional dos recursos é
uma decisão política dos partidos.
“Isso (divisão proporcional) dará muito fôlego para as candidaturas negras que são colocadas e ficam no meio do caminho. Você não tem recursos suficientes, acaba não tendo apoio suficiente. Não aparecem no programa de TV (das legendas). (…) A gente acompanha isso há anos, né? A dificuldade que tem para a comunidade negra sair candidata, porque a maioria é pobre, não tem recursos próprios e nem defende causas que pudessem interessar ao poder econômico”, diz ela.
“A
gente não pode compactuar com o que está errado, né? O que foi estabelecido no
TSE foi justamente que essa distribuição de recursos e de tempo de rádio e TV
(que privilegia candidatos brancos) é inconstitucional. E se dá muito por conta
do racismo institucional dos próprios partidos. Isso tem de ser remediado desde
logo”, diz Irapuã Santana, doutor em direito pela UERJ e um dos autores da
consulta ao TSE.
“Então,
esse tipo de argumento é querer continuar no erro. E diz muito sobre de que
lado estão esses partidos na luta contra o racismo”, acrescenta.
“Se
a população negra não participa ativamente do processo eleitoral, existe um
déficit democrático aí, que precisa ser corrigido. Não estamos pedindo nada
demais, apenas que haja um financiamento proporcional ao número de candidatos,
e que essa corrida seja mais justa. Que todos partam do mesmo ponto de partida,
não com uns sendo mais privilegiados que outros”, diz Irapuã Santana.
Nas
eleições de 2018, onegros (pretos e pardos) continuaram subrepresentados em
relação aos brancos em número de candidatos.
Cerca
de 53% das pessoas que disputaram algum cargo eram brancas, embora este grupo
represente apenas 44% da população brasileira. Enquanto isso, os negros, que
são 55% dos brasileiros, somaram 46% dos candidatos.
Um
estudo do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) também mostrou
que os partidos políticos privilegiaram os candidatos brancos na hora de
dividir os recursos.
Medida
pode acabar sendo inócua, alerta cientista político
Apesar
da gravidade da questão, especialistas consultados pela BBC News Brasil veem
problemas na decisão de Ricardo Lewandowski de aplicar a reserva de recursos já
em 2020 — a medida pode acabar se mostrando ineficaz.
Flávio
Britto é advogado especializado em direito eleitoral. Segundo ele, há a
possibilidade de que a aplicação da reserva de recursos já em 2020 resulte em
fraudes eleitorais — a exemplo das candidaturas laranjas de mulheres em 2018,
criadas pelos partidos apenas para atingir a cota de 30%.
Além
disso, diz Britto, é preciso que os partidos tenham algum tempo para decidir
como farão para cumprir a decisão da Justiça Eleitoral. Ele faz uma analogia
com o artigo 16 da Constituição de 1988, segundo o qual as leis que mudem as
regras do jogo eleitoral devem ser aprovadas pelo menos um ano antes de entrar
em vigor.
“É
difícil estimar qual vai ser o impacto dessa medida”, diz o cientista político
Bruno Carazza, autor de um livro sobre a influência do dinheiro nas eleições.
“Teoricamente,
essa medida (destinar recursos para mulheres e negros) equilibra o jogo, porque
tira poder dos partidos, dos dirigentes, em favor dessas maiorias minorizadas”,
diz ele.
“Qual
é o problema? Nas últimas eleições, os partidos cumpriram a regra (sobre
candidatas mulheres) concentrando recursos nas mulheres que eram próximas aos
líderes dos partidos. Houve concentração muito grande. O MDB, por exemplo,
destinou recursos para a ex-mulher do (senador pelo Pará) Jader Barbalho; para
a filha do (ex-deputado pelo Rio) Eduardo Cunha; para a esposa do (ex-senador
por Rondônia) Valdir Raupp”, exemplifica ele.
“Então,
na verdade não democratizou nada. O risco de isso se perpetuar com a reserva de
recursos para negros existe também”, pontua Carazza. “Eu fico imaginando que o
partido de Bolsonaro em 2022 possa gastar boa parte da cota dos negros na
campanha do (deputado federal pelo Rio) Hélio Bolsonaro”, diz Carazza, que é
professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral.
“Criar
a regra, por si só, não garante que você vá aumentar as chances de mulheres,
pretos e pardos. Porque não há nenhuma regra de governança sobre a distribuição
do dinheiro”, diz.
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