“Nós somos geneticamente capacitados, como
qualquer pessoa branca. Se o Projeto Genoma já disse isso, se a Ciência já
legitimou isso, por que é que a gente está congelado naquele lugar do não saber?”,
pergunta Benilda Brito, pedagoga e mestre em Gestão Social, neste vídeo em que
explica como a discriminação influencia no processo de aprendizagem e resulta,
entre outras consequências, no baixo rendimento escolar de crianças e jovens
negros. “Rendimento escolar tem a ver com
afetividade. Não se discute Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]
sem discutir racismo. Não se discute avanço educacional sem trabalhar a
autoestima da criança negra”, afirma. Ou seja, não dá para pensar o sistema
educacional sem considerar o racismo estrutural refletido nele.
“A primeira coisa que temos de pensar quando
falamos do papel da escola [na luta antirracista] é que ela não é um disco
voador que baixa nos territórios. Ela tem uma função social importante e deve
articular saberes construídos ao longo da história” Este deve ser o
pensamento, segundo a coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa Ednéia
Gonçalves.
As
escolas desempenham um papel fundamental na construção e na garantia da
equidade racial. Além de lidar com o racismo institucional, as instituições de
ensino precisam construir e aplicar uma educação antirracista. Para isso, foi
alterada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 2003 com a Lei
10.639, que prevê a obrigatoriedade do ensino de história e cultura
afro-brasileira e africana — alterada, por sua vez, pela Lei 11.645 de 2008,
que fez o mesmo com os povos indígenas e sua cultura — dentro dos componentes
curriculares.
Para
os gestores e professores, isso implica implementar em toda sua dimensão e de
forma prática o que traz o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Estão ali a história
da África e dos povos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura e o
papel do negro na formação da sociedade nacional, assim como a história e a
cultura indígena e sua participação na construção da identidade brasileira.
Como a questão das relações étnico-raciais é transversal, ela atravessa todas
as áreas de conhecimento.
Para
isso acontecer no dia a dia, a professora e formadora de educadores Gina Vieira
afirma que é necessário superar o mito da democracia racial. “Ano passado, durante minhas palestras, eu
fiquei assustada com a quantidade de professores e professoras que falavam
frases do tipo: ‘Não estou entendendo o que você está falando. Você está
dizendo que somos diferentes? Mas somos um só povo. Isso que você está falando
vai provocar uma divisão’”, conta.
Um
levantamento do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da Uerj
(Gemaa), divulgado em maio, aponta que menos de um em cada dez alunos (9,75%)
se autodeclara preto ou pardo nas 20 escolas com as maiores notas no Enem 2019
no país. Dessas, apenas uma é pública. De acordo com dados do IBGE, só em 2019
as universidades tiveram mais alunos negros (50,3%) do que brancos. E as
carreiras mais concorridas e com maior remuneração têm percentual menor de
pretos e pardos, como Medicina (39,9%), Engenharia (40%), Odontologia (38,7%) e
Direito (43,8%).
Para
Edneia, as salas de aula não estão e nem devem estar descoladas da realidade do
Brasil. “Temos de considerar que existe a
escola que é racista, e isso acontece porque ela foi construída, assim como
todos os outros sistemas no país, para a manutenção de privilégios — e eles não
eram dos pretos e dos indígenas”, explica.
Apesar
de a legislação prever o ensino de história e cultura afro-brasileira, Gina
aponta que as escolas têm um currículo “que
privilegia os autores brancos e a história contada pela perspectiva do
colonizador”.
A
professora conta também que é comum ouvir histórias em que o docente responde “não liga para isso, você é linda”, após
uma criança negra relatar ter ouvido comentários racistas a respeito de seu
cabelo, por exemplo. “Essa é uma resposta
acrítica porque dizer para uma criança não ligar para o que ela está sentindo é
dizer que o que ela está sentindo não é importante”, explica Gina. “É ignorar que essa criança vive dentro de
uma estrutura que diz o tempo todo que ela é feia”.
Vale
pontuar que muitos gestores e professores podem encarar a questão apenas como
bullying, mas vai muito além disso. É de racismo que estamos falando, e adotar
uma postura silenciosa diante de acontecimentos é perpetuar a discriminação.
Situações
como essa, ressalta Gina, podem desestimular o aluno a denunciar casos de
racismo, além de prejudicar seu desenvolvimento socioemocional – essencial para
uma educação integral. E acabam, ainda que de maneira inconsciente, reforçando
o preconceito e a discriminação. “Ao
silenciar o sofrimento dessa criança, você transforma a escola em um ambiente
totalmente hostil para que ela consiga estudar e ter acesso a espaços onde ela
possa expressar seu modo de vida, sua cultura e sentimentos”, explica
Ednéia.
O
Anuário Brasileiro de Educação Básica 2021, divulgado em agosto, aponta que
apenas 48% das instituições de ensino brasileiras afirmaram ter projetos para
tratar relações étnico-raciais. E esse espaço está diminuindo. O levantamento
indica, que apesar de o debate avançar na sociedade, nas salas de aula acontece
o inverso. Entre 2013 e 2017, mais de 70% das escolas tinham projetos sobre a
temática.
A
falta de exemplos africanos ligados à inovação é outro motivo citado por Ednéia
para ampliar a desigualdade entre alunos pretos e brancos. “As grandes inovações que o Brasil
experimentou vieram do continente africano. Precisamos pensar o quanto os
conhecimentos de engenharia, arquitetura e filosofia são importantes para a
identidade e para o desenvolvimento do brasileiro”, diz ela.
O
professor de Artes Edmar Galiza, da rede pública do Distrito Federal, alerta
que muitas escolas, “para cumprirem
tabela”, discutem o tema apenas na semana da Consciência Negra, em
novembro. “Não se aprofunda em nada. E eu
sempre digo: não somos negros apenas em novembro, mas 24 horas por dia”,
ressalta.
Ednéia
conta também que a visão e o posicionamento dos professores nesse processo é
essencial. Por isso, o educador ou gestor escolar precisa se atentar aos
preconceitos que tem ao avaliar que crianças negras são mais violentas ou mais
indisciplinadas. “Falamos o tempo
inteiro, por exemplo, de dados de evasão, mas não os discutimos como um fator
necessário para ampliar a qualidade da escola em cumprir a sua função social”,
completa.
É
importante ter em mente, segundo os professores ouvidos por NOVA ESCOLA, que
educadores, gestores e alunos brancos são responsáveis por desconstruir e
colaborar para uma educação antirracista.
Como agir para uma educação
antirracista?
Depois
de entender o impacto do racismo na desigualdade educacional, é importante
saber como colocar em prática a educação antirracista na sala de aula e na
formação de professores.
O
professor Edmar Galiza recomenda, em primeiro lugar, que os projetos e as aulas
sejam “estudados, debatidos e pesquisados”.
Para ele, é importante que professores brancos, negros e de diferentes raças
trabalhem coletivamente e com uma periodicidade grande, evitando que o tema seja
abordado apenas em novembro.
Aliado
a isso, a formadora Gina Vieira orienta também que as escolas ofereçam
qualificação a seus funcionários. “Não se
promove uma educação antirracista sem uma qualificação técnico-profissional. As
pessoas precisam ler e se capacitar para entender por que as culturas
silenciadas no currículo são trabalhadas de maneira estereotipada”,
explica.
Realizar
um diagnóstico entre os professores, antes das reuniões de formação, pode
ajudar o gestor a entender também o perfil de cada educador e o nível de
entendimento do tema. “Quando Paulo Freire
fala de uma educação emancipadora, em resumo é disto que ele está falando: de
uma Educação que nos traga consciência de como os sistemas de opressão operam
nos planos simbólico, discursivo e material”, complementa Gina.
Já
Ednéia recomenda um acervo bibliográfico diverso e que o espaço da escola fique
aberto, acolhendo também alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos), que
acabam sendo predominantemente negros. O documento “Indicadores da Qualidade na
Educação ? Relações Raciais na Escola” pode ajudar muito, pois visa contribuir
com a superação do racismo nas escolas abordando desde atitudes e
relacionamentos, currículo e proposta político-pedagógica, atuação dos
profissionais de Educação e gestão democrática, entre outros pontos. Esse
material faz parte da coleção “Educação e Relações Raciais: Apostando na
Participação da Comunidade Escolar”, elaborada com apoio da Comissão Europeia
no Brasil, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Instituto
C&A e do Save the Children UK.
Para
trabalhar a educação antirracista, a coordenadora da Ação Educativa sugere
também que a escola seja um espaço de proteção para jovens negros. De acordo
com o Atlas da Violência, 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil eram negras
em 2018. No contexto histórico, de 2008 a 2018, o número de homicídios de
pessoas negras no país aumentou 11,5%; já entre pessoas não negras, caiu 12,9%.
“Precisamos discutir o genocídio dessa
população, analisar as estatísticas e trazer o tema para dentro do PPP (projeto
político-pedagógico)”, explica.
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Com informações do Nova Escola.