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"A educação antirracista é a que queremos", diz Nilma Lino Gomes

 

Estudante Giovanna, da EEMTI Padre Luís Filgueiras em oficina sobre grafismos indígenas. (FOTO | Prof. Nicolau Neto).

Antirracismo. Comunidade. Igualdade. Território. Coletivo. O que essas palavras têm em comum? A ex-ministra do então Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, explica: todas fazem parte do movimento negro educador. Professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e autora do livro “O movimento negro educador: Saberes construídos nas lutas por emancipação” (Editora Vozes), Nilma abriu os debates do 3º Encontro Diálogos Antirracistas: educação, democracia e equidade, nesta quarta-feira (25), em São Paulo.

Só metade das escolas públicas têm projetos antirracistas, aponta ONG

 

Professor Nicolau Neto durante palestra sobre educação antirracista da EEFTI 18 de Dezembro, em Altaneira_CE. (FOTO | Arquivo do blog).


Hoje universitária, a brasiliense Nathalia Maciel, de 19 anos, que se identifica como mulher negra, acostumou-se a ouvir em sala de aula sobre heróis e heroínas brancos e feitos de europeus que chegaram ao Brasil. Estudou o ensino fundamental e médio em escola pública na região administrativa de Santa Maria, a 40 km do centro da capital. “Sentia falta de saber sobre pessoas negras, que só eram citadas em 20 de novembro (dia da Consciência Negra). As pessoas só faziam para ganhar nota nas matérias”, lamenta.

A percepção da estudante sobre a falta de projetos que valorizem a diversidade e enfrentem problemas como o racismo pode ser constatada em números. Segundo levantamento da ONG Todos Pela Educação, apenas metade (50,1%) das escolas públicas do país tiveram ações contra o racismo em 2021, ano em que foi feita a última pesquisa do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb).

O fato é que, naquele ano, o total de escolas públicas com projetos para combater racismo, machismo e homofobia caiu ao menor patamar em 10 anos. Os dados utilizados foram extraídos dos questionários contextuais do Saeb destinados a diretores e diretoras escolares, entre 2011 a 2021.

Falhas

A pesquisadora Daniela Mendes, analista de políticas educacionais do Todos Pela Educação, contextualiza que quando questões raciais e de gênero não são trabalhadas dentro das escolas, o ensino falha tanto no processo de aprendizagem dos alunos quanto na construção de uma sociedade melhor, com menos violência e menos desigualdades.

O impacto que esses dados nos mostram não é apenas educacional. As violências sofridas nas escolas podem ser tanto físicas e verbais quanto simbólicas com insinuações e constrangimentos que tornam o ambiente escolar um espaço hostil para determinados grupos. Isso tem um impacto na evasão escolar”, afirmou Daniela Mendes.

Colonização

De acordo com o que analisa a pesquisadora Gina Vieira, professora da rede pública no Distrito Federal e com projetos premiados em relação à diversidade em sala de aula, a escola no Brasil não promove a diversidade.

A escola brasileira, assim como o projeto de colonização do país, trabalha na lógica da homogeneização. Então, nós temos um currículo racista e uma educação racista. Nós temos um currículo oficial que ainda conta a história oficial que é contada na perspectiva do homem branco europeu”, pontua.

Ela explica que são raros os materiais pedagógicos diversos que incorporem as vozes dos povos historicamente excluídos. “A gente está, por exemplo, comemorando 20 anos da Lei 10.639 [que inclui História e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar], que é resultado da luta histórica do movimento negro pelo direito da história da África e de pessoas negras em diáspora”. Ela cita que as leis não são o suficiente para mudança de perspectivas, mas sim uma mudança cultural e de políticas públicas. “Como diz o Drummond, os lírios não nascem por força da lei”.

Em queda

A quantidade de escolas com projetos atentos à diversidade começou a cair a partir do ano de 2015, quando o índice havia chegado ao maior patamar no período: 75,6%. Desde então, os números despencaram.

Além de racismo, a atuação contra homofobia e machismo está na menor parte das escolas brasileiras. Em 2011, por exemplo, 34,7% das escolas relataram ter ações. Em 2017, o índice chegou a 43,7%. Mas, também caiu nos anos seguintes. Em 2021, representava apenas 25,5%.

Para Daniela Mendes, analista de políticas educacionais do Todos Pela Educação, o avanço de uma pauta ultraconservadora nos últimos anos, os impactos da pandemia e a falta de coordenação nacional durante a última gestão do Ministério da Educação foram fatores que podem ter influenciado o cenário.

Para a professora Gina Vieira, cabe à sociedade estar mobilizada para cobrar uma escola antirracista e contra machismo e homofobia. “A gente precisa rechaçar com toda força essa perspectiva que a gente viveu nos últimos quatro anos entre o professor e a escola representados como inimigos da sociedade. Como alguém que devo fiscalizar, denunciar, gravar e achincalhar. Um país que não valoriza a educação, a escola e os educadores está fadado ao retrocesso”, afirma.

Providências

Em nota à reportagem, o Ministério da Educação garantiu que tem trabalhado para modificar esse cenário desde o início da atual gestão. A primeira ação foi a recriação da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão). “Uma pasta que já se configura como uma ação afirmativa, na qual tem em sua estrutura a Diretoria de Políticas de Educação Étnico-racial Educação Escolar Quilombola, um instrumento institucional para formular, articular e executar as políticas voltadas para a implementação da Lei 10.639/03”.

Além disso, segundo MEC, foi retomada a formação de professores a partir do apoio financeiro às universidades e relançado o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, que fomenta a pesquisa na graduação e pós-graduação. “Outra iniciativa resgatada foi a Cadara, a comissão de assessoramento do MEC formada por entes federais e sociedade civil. Ainda há um longo caminho pela frente, mas hoje a Secadi está empenhada em garantir recursos para que no próximo ano possa investir ainda mais em ações de combate ao racismo”.

Para Ingridy, que é uma adolescente negra, de 15 anos, também moradora de Brasília, e estudante de escola pública, uma escola preocupada com diversidade e disposta a não ser homogênea seria fundamental também para o dia a dia. E isso parece uma aula simples. “Ajudaria a combater o preconceito e promoveria o respeito e a aceitação na escola”, avalia.

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Com informações da Agência Brasil.

Cariri cearense e a educação das relações étnico-raciais

 

Imagem de divulgação do livro “Caderno Educação das Relações Étnico-Raciais no Cariri Cearense e Orientações Didáticos Pedagógicas”


Publicação apresenta estudos que pautam a educação das relações étnico-raciais da perspectiva negra e indígena no Cariri cearense

O projeto emociona na medida em que nos possibilitou, apesar do período mais complicado da pandemia, um reencontro com a história do povo negro e indígena, a partir da nossa própria história e do nosso lugar. Os materiais produzidos retratam esse encontro e essa reconexão.”

É assim que a pesquisadora Cícera Nunes define como se sentiu após a realização do projeto “Currículo e os processos de formação docente no campo das relações étnico-raciais.”

Um dos frutos da experiência foi a publicação “Educação das Relações Étnico-Raciais no Cariri Cearense”, que pode ser acessada gratuitamente na Biblioteca Dinâmica do Observatório Anansi neste link.

O CEERT conversou com Cícera a respeito da publicação e do projeto. Cícera é doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e atualmente é Professora vinculada ao Departamento de Educação da Universidade Regional do Cariri (URCA). Confira os principais trechos da entrevista:

Como surgiu a ideia de elaborar o projeto e qual foi o objetivo dele?

Cícera: O projeto “O Currículo e os processos de formação docente no campo das relações étnico-raciais”, em uma perspectiva inter e transdisciplinar, surge de uma trajetória de trabalho junto ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais, que coordeno no Cariri cearense e tem buscado construir relações de parceria, em especial com escolas de educação básica, visando suprir a necessidade de suporte formativo e a produção de material bibliográfico e didático pedagógico na temática das relações étnico-raciais.

O projeto teve na sua centralidade a proposta de recontar e ressignificar a história do Cariri cearense a partir de perspectivas negras e indígenas. Fizemos uma inserção em um bairro negro, chamado Comunidade do Gesso, localizado na cidade do Catro (CE), procurando estabelecer parceria e aproximação com agentes escolares e moradores da comunidade, para que pudéssemos perceber influências, referências e presenças negras e indígenas na história desse lugar.

Depois disso, debatemos uma proposta de currículo e processos de formação dos profissionais da educação que caminhassem para uma educação de pertencimento a partir da relação com a história do lugar e do povo negro e indígena do Cariri cearense.

Quais são os destaques da publicação Educação das Relações Étnico-Raciais no Cariri Cearense, orientações didático pedagógica?

Cícera: O Caderno é uma inspiração das Diretrizes Curriculares Nacionais. É uma tentativa de levantamento dos estudos que pautam a educação das relações étnico-raciais, tanto a partir da perspectiva negra, como da perspectiva indígena no Cariri cearense.

São estudos que propõem a discussão a partir das escolas de educação básica e trazem uma contextualização sobre a política educacional antirracista e processos de formação de professores.

Trazem também indicações importantes de estudos e materiais pedagógicos que essa rede pode acessar para servir como suporte para implementação da política e também como suporte para a elaboração e fundamentação dessa política no contexto do Projeto Político Pedagógico das Escolas.

Quais são os demais produtos do projeto?

Cícera: Nós tivemos a produção de um vídeo-documentário chamado “Sankofa Gesso” e de três cadernos pedagógicos: “O Território Criativo do Gesso, Memórias e Narrativas Negro-Indígenas”; “A escola de Educação Básica e Educação para Relações Étnico-Raciais” e o “Caderno Educação das Relações Étnico-Raciais no Cariri Cearense e Orientações Didáticos Pedagógicas”.

Além disso, instalamos duas bibliotecas com a média de 200 títulos de autorias negras e indígenas, sendo uma biblioteca comunitária na escola parceira do projeto e uma biblioteca no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação, Gênero e Relações Étnico-raciais, que está localizado na universidade regional do Cariri.

Nós também desenvolvemos um aplicativo que mapeia os pontos de memória da Comunidade do Gesso e conta a história da comunidade a partir das informações postas no material didático.

Também realizamos, por mais de um ano, uma ação de formação que envolveu professores da educação básica da rede de ensino da região do Cariri cearense e também os estudantes da escola parceira do projeto.

Por fim, realizamos uma intervenção urbana com grafite, com a participação dos estudantes, professores e moradores do lugar, retratando nas paredes da comunidade um pouco de história e da trajetória da população negra no contexto brasileiro e local.

Como o projeto desenvolvido contribui para a Educação Antirracista?

Cícera: O projeto contribui para o fortalecimento de uma Educação Antirracista na medida em que proporcionou uma melhor identificação das referências negras e indígenas presentes na história e na cultura do lugar que possibilitam desdobramentos em várias ações pedagógicas nas variadas áreas do conhecimento. Essas informações foram materializadas nos cadernos pedagógicos e nas ações de formação que contaram com a colaboração de pesquisadores negros e indígenas.

A ação também contribuiu para aprofundar reflexões em torno da implementação da história e cultura indígena, discussão praticamente ausente nas ações de formação da região. A ação de formação proposta e o material pedagógico produzido são importantes suportes de ressignificação das propostas pedagógicas das escolas e das ações de formação dos profissionais da educação.

Como se sentiu com a experiência?

Cícera: O projeto emociona na medida em que nos possibilitou, apesar do período mais complicado da pandemia, um reencontro com a história do povo negro e indígena, a partir da nossa própria história e do nosso lugar. Os materiais produzidos retratam esse encontro e essa reconexão.

Considero que, ao fim dessa experiência, o que fica de mais marcante foi a possibilidade concreta que o projeto aponta para que a escola dê sentido a essas experiências que são vividas fora e dentro dela, com a possibilidade que a gente se reencontre com a história que nos foi negada historicamente e é nossa. Agora a gente precisa construir essa relação de pertencimento.

Projeto selecionado – O projeto “Currículo e os processos de formação docente no campo das relações étnico-raciais, numa perspectiva inter e transdisciplinar” é um dos projetos apoiados pelo Edital Equidade Racial na Educação Básica: pesquisa aplicada e artigos científicos, lançado em 2019, iniciativa do Itaú Social coordenada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), em parceria com o Instituto Unibanco, a Fundação Tide Setubal e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Outros/as pesquisadores/as sobre o tema mapearam exemplos de práticas pedagógicas antirracistas e também têm obras disponibilizadas para download gratuitamente no acervo digital Equidade Racial na Educação Básica: Pesquisas e Materiais, que pode ser acessado na Biblioteca Dinâmica do Observatório Anansi, pelo site: https://anansi.ceert.org.br/biblioteca

Até dezembro deste ano, o acervo digital vai abrigar mais de 50 produções, entre livros, teses acadêmicas, artigos, e-books, jogos didáticos e vídeos, que serão lançados periodicamente.

A iniciativa foi lançada oficialmente em 9 de janeiro deste ano, em comemoração aos 20 anos da Lei 10.639, que alterou a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), tornando obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras.

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Com informações do Observatório Anansi e do Ceert.

Mais de 70% das cidades nao cumprem lei do ensino afro-brasileiro

 

Estudantes do 3° Ano B da EEMTI Pe. Luis Filgueiras, em Nova Olinda -CE, durante oficina sobre saberes afro-indígenas. (FOTO | Prof. Nicolau Neto).

Sete em cada dez secretarias municipais de educação não realizaram nenhuma ação ou poucas ações para implementação do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas, conforme pesquisa divulgada nesta terça-feira (18), em Brasília, pelo Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra.  

O estudo ouviu, em 2022, gestores de 1.187 secretarias municipais de educação, o que corresponde a 21% das redes de ensino dos municípios, sobre o cumprimento da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino para o combate ao racismo nas escolas há 20 anos.

Os municípios alegam como principais desafios para implementação da lei a ausência de apoio de outros entes governamentais e a falta de conhecimento de como aplicar a legislação. Há indicação do baixo engajamento ou a resistência de profissionais a esse tema. Temos algumas frentes que a gente pode incidir para implementação da lei”, explica a analista de políticas públicas do Instituto Alana, Beatriz Benedito.  

Para os institutos, os dados mostram a necessidade de compromisso político para a norma ser efetivada, como ocorre nos municípios com ações estruturadas, em que há, por exemplo, regulamentos locais, recursos no orçamento, presença de equipe técnica dedicada ao tema e planejamento anual das atividades.  

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Com informações da Agência Brasil e Alma Preta.

Educação antirracista é tema da edição de 2023 do Escola Espaço de Reflexão

 

Professor Nicolau Neto durante "Colóquio 9 - Cosmopercepção dos Povos Originários", nesta quarta, 22 pelo Google Meet.

A Secretaria da Educação (Seduc) deu início, nesta terça-feira (21), a mais uma edição do “Escola Espaço de Reflexão”, iniciativa criada em 2017 com o objetivo de mobilizar as unidades de ensino da rede estadual em torno do debate sobre a formação crítica e reflexiva dos estudantes. Nesta ocasião, o tema escolhido foi “o letramento racial e os desafios para uma escola antirracista”. O evento está sendo realizado de maneira virtual, por meio do canal no Youtube da Coordenadoria Estadual de Formação Docente e Educação a Distância (Coded/CED), e segue até esta quarta-feira (22).

A webinar de abertura contou com a participação da secretária da Educação, Eliana Estrela; da procuradora de Justiça Elizabeth Almeida, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação do Ministério Público do Estado (Caoeduc/MPCE); e da coordenadora executiva do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-racial do Estado do Ceará, Glória Bernardino.

Eliana Estrela aponta que o Seminário é uma oportunidade para refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem, levando em conta a realidade vivenciada nas unidades de ensino. A partir disso, segundo a gestora, pode-se criar estratégias com o intuito de fazer da escola uma instituição mais equânime e plural.

Temos desafios e sabemos que precisamos avançar. Seguimos na defesa de uma educação de qualidade e, por isso, criamos a Secretaria Executiva da Equidade, Direitos Humanos, Educação Complementar e Protagonismo Estudantil. Queremos fortalecer a pauta da diversidade e do respeito mútuo. Já tínhamos uma caminhada nesta direção, com formações de professores, compartilhamento de boas práticas nas escolas e disponibilização de material didático. Mas, buscamos meios para estar mais próximos das temáticas que precisam de um olhar sensível”, enfatiza a secretária.

Consciência de todos

Elizabeth Almeida considera o seminário como de grande relevância, por propiciar debates sobre temas essenciais para o desenvolvimento da educação, reconhecendo o ambiente escolar como local de promoção da cidadania.

O momento de hoje reflete os esforços para a realização de uma educação antirracista e de uma sociedade que consiga, efetivamente, promover o bem de todos, conforme previsto na nossa constituição federal. A luta pela superação do racismo é tarefa de todos e de qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política”, ressalta a procuradora.

Glória Bernardino defende a necessidade de que o currículo se aproxime da realidade dos estudantes. “Queremos construir uma educação que leve o estudante em conta como ele realmente é. A educação do Ceará é feita por negros, brancos, surdos, cegos, autistas, entre muitos outros. E todos nós queremos ter o prazer de nos ver na escola, de forma inclusiva, cultivando valores. É possível educar para a prática da liberdade. O racismo afeta a cada um de nós. A cor da pele, muitas vezes, ainda determina o nosso destino nesse país. Temos que acabar com esse processo. Racismo é opressão”, aponta.

Após a abertura, foi apresentada a conferência “20 anos da Lei 10.639: por uma educação antirracista e equânime”, ministrada pela pesquisadora Zuleide Fernandes, membro do Fórum Permanente de Educação das Relações Étnico-raciais do Ceará, que atua na área de educação, gênero, negritude e violência. O debate também contou com a exposição da professora Lorena Francisco de Souza, coordenadora do Núcleo de Estudos Africanos e Afrodiaspóricos na Universidade Estadual de Goiás (UEG). O diálogo foi mediado pelo secretário executivo da Equidade, Direitos Humanos, Educação Complementar e Protagonismo Estudantil da Seduc, Helder Nogueira.

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Com informações da Seduc Ce.

20 anos da Lei 10.639/03: Acervo digital que incentiva educação antirracista é lançado

 

20 anos da Lei 10.639/03. (FOTO/ Reprodução/ Porvir).

Em novembro de 1996, a Lei 9.394 entrou em vigor para estabelecer as diretrizes e bases da educação no Brasil. Composta por 92 artigos, o objetivo era estabelecer os princípios e finalidades da educação nas instituições de ensino. No entanto, a norma pouco abordava tópicos relacionados à questão etnico-racial no combate a uma aprendizagem antirracista nas escolas.

Assim, em 9 de janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promulgou a Lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade de inclusão da história e cultura afro-brasileira no currículo das escolas brasileiras. Em seu aniversário de 20 anos, o regimento ganhou mais um reforço: um acervo digital com mais de 50 experiências positivas para a redução das desigualdades étnico-raciais em sala de aula.

Intitulado “Equidade Racial na Educação Básica: Pesquisas e Materiais”, os conteúdos reúnem diversos materiais como teses acadêmicas, artigos, livros, atividades lúdicas, jogos didáticos e outros formatos. Tudo fruto de um edital realizado em 2020 pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), que procura garantir os direitos da população negra apoiando a luta antirracista.

O CEERT tem se dedicado à formação de pesquisadores/as negros/as na área da educação antirracista. Para isso, temos uma linha de ação que é o edital de pesquisas e artigos científicos sobre o cuidado racial na educação básica. Nesta primeira edição, selecionamos 15 projetos de pesquisas de profissionais da educação que ensinam na Educação Básica e Superior em todas as regiões do Brasil”, explica Graça Gonçalves, consultora da área de educação com equidade racial do CEERT.

Cada pesquisa selecionada pelo edital recebeu um financiamento para que fosse colocado em prática. Com isso, o resultado terminou virando livros, levantamentos, mapeamentos, manuais, aplicativos, jogos, brincadeiras que passam a compor, a partir deste ano, o acervo inédito lançado pela ONG. Segundo Graça, a ideia é que a plataforma seja não apenas um ambiente de aprendizagem, mas também um espaço de interação onde os profissionais da educação e toda a sociedade possam trocar vivências.

Ao acessar o acervo, o internauta tem contato com produtos das diferentes pesquisas realizadas. Jogos e brincadeiras para as crianças, feminismo negro, representatividade na literatura infantil e diversas pesquisas sobre como o racismo está enraizado nas salas de aula são alguns dos temas abordados. Além do CEERT, a iniciativa é do Itaú Social, realizada em parceria com a Fundação Tide Setubal, Instituto Unibanco e Unicef.

Professora da Universidade Regional do Cariri (URCA), Cícera é uma das pesquisadoras que teve seu projeto selecionado pelo edital. Intitulado “O Currículo e os Processos de Formação Docente no Campo das Relações Etnico-Racais na Educação Básica numa Perspectiva Inter e Transdisciplinar”, seu estudo tem como foco no processo de implementação do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira no Ensino Fundamental 2 da educação básica. O trabalho também aborda a formação de professores.

Olhamos para as infâncias negras, potencializando a relação que esses adolescentes constroem com as africanidades que fazem parte da sua vida, da comunidade, de suas experiências vividas. [...] Estamos trabalhando a relação com a África e com as trajetórias das populações negras no contexto brasileiro a partir da relação com lugar, que começa a partir da minha história de vida”, detalha a pesquisadora.

Importância de uma educação antirracista

Além do edital que proporcionou aos estudos financiados um olhar mais atento à implantação do ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo das escolas brasileiras, o CEERT também investe na formação continuada de professores, especialmente dos profissionais que atuam na aprendizagem de estudantes de 0 a 11 anos de idade.

A formação é desenvolvida através de propostas e metodologias pedagógicas que ajudem os professores a tratarem o assunto durante todo o ano letivo e não apenas em dias de datas comemorativas.

Temos um grande percentual de escolas que só investem no ensino da Lei em datas específicas, como, por exemplo, no mês de novembro [mês da Consciência Negra]. Temos que tornar isso um trabalho cotidiano e não pontual. A luta antirracista no ensino em que ser transversal, dentro de todos os campos do conhecimento que a escola trabalha. Gostaríamos que a lei 10.639/03 fosse menos efemérides. Só assim poderemos erradicar o racismo de todos os setores da vida brasileira”, analisa Graça Gonçalves.

Essa é uma realidade sentida pelo pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alan Alves-Brito. Também coordenador do Núcleo de Estudos Africanos, Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI), ele explica que muitos professores sentem dificuldade para pensar formas didáticas de abordar o ensino da história e cultura afro-brasileira, especialmente no que tange a educação escolar quilombola, seu objeto de estudo.

Para nós, professores universitários, um dos grandes desafios ainda é levar a Lei 10.639/03 para a formação inicial. Como é que a gente articula a formação de professores em todas as áreas do conhecimento, na Pedagogia, no direcionamento das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Quilombola, de 2012, mas também a de 2004, que é a Educação para Relações Étnicos-Raciais?”, questiona o acadêmico.

A universidade é muito importante para desarticular o racismo institucional porque é a instituição que forma professores e outros profissionais. Se essas pessoas são formadas sem a perspectiva da lei 10.639, não teremos uma educação antirracista. Vamos ter médicos que não vão saber lidar com os corpos negros nos hospitais, por exemplo. Por isso, a importância das universidades de aplicar a lei. A formação continuada de professores que estão já trabalhando e não tiveram essa formação também é importante”, completa Alan Alves-Brito.

Ele também teve seu projeto selecionado pelo edital realizado pela CEERT. Os resultados que mais se destacaram no projeto proposto sobre a educação quilombola foram o Mapa dos Quilombos de Porto Alegre, um Curso de Formação de Professores na temática da ancestralidade e um artigo com críticas às mudanças no Ensino Médio estabelecidas pelo governo do Rio Grande do Sul.

O projeto que eu coordenei se chama Zumbi Dandara dos Palmares. Reuni diferentes pesquisadores porque sou astrofísico, mas convidei colegas historiadores, geógrafos, pedagogos para que o projeto ficasse mais amplo. Nos dividimos em vários grupos de trabalhos para olhar para o banco de dados e analisar pedagogicamente quais eram os planos políticos. Nosso objetivo é desestimular o racismo na estrutura, pensando sobretudo nas questões institucionais”, finaliza.

Anansi Observatório

Além da formação continuada de professores, do apoio aos projetos de pesquisas que serviram de base para o desenvolvimento do acervo digital, o CEERT também conta com o “Anansi Observatório da Equidade Racial na Educação Básica”. A iniciativa nada mais é do que um fruto colhido a partir dos resultados obtidos com as experiências e conclusões obtidas com os projetos desenvolvidos a partir do edital de 2020.

O Anansi Observatório é um ambiente virtual que se pretende monitorar a aplicação da lei nas escolas através de alguns eixos. Este é um projeto que ainda está em construção, mas a ideia é que ele seja o coração do CEERT através dessa biblioteca dinâmica, que vai criar um repositório gigantesco de todos esses materiais que já falamos”, pontua a consultora do CEERT.

Além disso, esse acervo também deve ser um espaço de interação com outros lugares e professores. Assim, teremos materiais de qualquer professor ou pesquisador que queira receber, deixar disponível ou divulgar seu material”, complementa Graça Gonçalves, fazendo menção também a outros eixos prioritários do Observatório, como o “advoga-se”, que acompanha e denuncia a aplicação da lei nas escolas.

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Com informações do Alma Preta.

Apologia ao nazismo em escolas reforça a urgência de uma educação antirracista

 

(FOTO | Reprodução).


Se ele (Hitler) fez com judeus, eu faço com petistas também.” “Pela reescravização dos nordestinos.” “Quero sua mãe aquela negrinha (sic)“. Junto a emojis e figurinhas de ódio, essas e outras frases abjetas circularam nos últimos dias em um grupo de WhatsApp de alunos de um colégio particular de Valinhos, interior de São Paulo.

Não foi o único caso recente do tipo: em Brasília (DF), algo semelhante aconteceu entre estudantes de um colégio privado no dia 31 de outubro. Em Porto Alegre (RS), o Ministério Público está investigando falas discriminatórias de alunos de duas escolas particulares em aplicativos de mensagem e durante transmissões ao vivo no TikTok.

Além de ofensas e da apologia a regimes de extrema direita por adolescentes, essas denúncias têm em comum o período em que ocorreram: logo após o fim do segundo turno das eleições presidenciais. Se o clima de ódio que se acirrou nos últimos meses no país por conta do contexto político corrói famílias e outros ambientes de sociabilidade, não seria diferente com crianças e jovens em ambiente escolar.

O público infantojuvenil também é suscetível a discursos extremistas. Portanto, não estão imunes a um cenário que vem se radicalizando e envenenando a democracia brasileira por meio de narrativas revisionistas, conteúdos desinformativos e teorias conspiratórias. Somente no que se refere ao neonazismo, dados da Safernet mostram que o número de denúncias anônimas de conteúdos do tipo na internet cresceu 60,7% somente entre 2020 e 2021.

Como os casos recentes em colégios mostram, o que ocorre nas mídias sociais, refletindo a tensão política atual, não está dissociado do clima de sala de aula. Portanto, a escola não pode se eximir de debater situações de racismo e xenofobia que envolvem seus estudantes e professores. Fingir que o preconceito não existe ou tentar minimizar as ocorrências só contribui para a potencialização do problema, desperdiçando a chance de atuar no momento de formação de cidadãos e cidadãs mais empáticos e responsáveis.

Declarações xenofóbicas, racistas e elitistas não podem ser tratadas como brincadeira de adolescentes. Da mesma forma, a discussão em torno do nazismo e do fascismo não pode se referir apenas a períodos históricos do século XX: deve ser atualizada para que alunos e alunas compreendam o potencial genocida dessas ideologias que, infelizmente, seguem vivas.

Sendo assim, abordar as relações étnico-raciais é fundamental para que educadores e instituições revejam sua postura e comecem a atuar de forma pedagógica para combater o ódio. A legislação brasileira garante isso desde janeiro de 2003 por meio da Lei 10.639, que obriga as escolas de ensino fundamental e médio a discutirem em sala de aula a história e cultura afro-brasileira.

Mas esse debate deve caminhar junto à reflexão sobre as relações sociais e culturais que as novas gerações têm construído com as tecnologias. Fazer uma leitura crítica daquilo que chega até as nossas mãos e desenvolver uma postura ética nas mídias sociais são habilidades que a escola deve incentivar, para que crianças e jovens compreendam que o uso das ferramentas digitais para propagar racismo fere direitos humanos, promove violência e reforça estruturas excludentes – e, claro, é crime.

Para isso, educadores e educadoras devem contar com formações iniciais e continuadas que deem conta dos desafios contemporâneos que o cenário de desinformação e pós-verdade nos trouxe, em que direitos constitucionais como a liberdade de expressão são distorcidos para disseminar elogios a políticas de aniquilamento de minorias étnicas e raciais. As redes de ensino públicas e privadas devem investir em ações de letramento racial e educação midiática de suas equipes pedagógicas, sem confundir essas práticas com “doutrinação ideológica”.

Como apontou Pap Ndiaye, doutor em História e ministro da educação da França: “Não nascemos racistas, nos tornamos racistas.” Portanto, se é na escola que formamos pessoas para o exercício da cidadania e da democracia, não deve haver em seu ambiente espaço para o cultivo de valores higienistas e xenofóbicos. Educação e antirracismo são indissociáveis.

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Texto de Elisa Tobias e Mariana Mandelli, originalmente na Folha de São Paulo e reproduzido no Geledés.


No Roda Viva, Cida Bento fala sobre como construir uma educação antirracista

 

Cida Bento em entrevista no Roda Viva. (FOTO | Reprodução |Canal do Roda Viva).

Por José Nicolau, editor

A escritora, psicóloga e consultora do CEERT Cida Bento foi a entrevistada na última segunda-feira (2) do Roda Viva, da TV Cultura.

Cida Bento, uma das intelectuais e ativista mais importantes do país falou sobre diversas temáticas relacionadas a negritude, como cotas raciais no ensino superior, o assassinato de Marielle Franco, ideias para punir casos de racismo e injúria racial, a luta dos movimentos negros e, também, fez comentários a respeito da relevância do seu último livro "O Pacto da Branquitude" para o debate sobre a igualdade racial no Brasil.

Outra temática levantada por ela foi sobre como contruir uma educação antirracista no Brasil, principalmente na educação básica. "É fundamental assegurar acolhimento das crianças indígenas e negras, na medida em que a gente possa mexer com professores, gestores e pais", disse.

Clique aqui e confira a íntegra da entrevista.

“Falta de temática étnico-racial nas escolas causa desinteresse pela educação”, alerta pesquisadora

 

(FOTO/ Pixels).

As atitudes racistas geralmente se iniciam no ensino infantil, quando as crianças reproduzem falas e comportamentos aprendidos no meio familiar, ou ao serem vítimas de diferenciação no tratamento docente. Uma pesquisa recente feita em uma creche pública em Minas Gerais mostrou que bebês negros são vítimas dos próprios professores em atos simples como não terem direito a tomar banho.

Uma escola e um professor que não valorizam o pertencimento étnico-racial dos estudantes criam um desinteresse pela educação. A criança e o jovem passam a querer faltar, a não ligar para as tarefas, muitos ficam agressivos. A internalização de estereótipos também é um fator que leva à não aceitação de si mesmo, da sua origem”, explicou a pesquisadora e professora de História da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Ana Cristina Juvenal da Cruz, em entrevista ao jornal O Globo.

Ainda na reportagem sobre educação antirracista, Jaqueline Santos, consultora de equidade racial do Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), pontua que é preciso planejar uma gestão educacional entre governos e profissionais da educação. Ela também ressalta que é preciso reconstruir materiais didáticos e implementar atividades que tragam o debate para o ambiente escolar. “Secretarias de Educação e Ministério da Educação devem assumir essa agenda em todas as suas necessidades: fortalecimento do marco legal, formação de profissionais da educação, financiamento de pesquisa e produção de materiais didáticos e paradidáticos, gestão democrática com foco em equidade racial e comunidade escolar sensibilizada, comprometida e engajada na temática, condições institucionais com recursos financeiros, materiais e humanos e monitoramento e avaliação. Tudo isso dá base para a implementação efetiva da temática.”, explica a consultora.

Vale destacar que racismo é crime previsto na Lei 7.716/89 e sempre deve ser denunciado. A legislação define como crime a discriminação pela raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, prevendo punição de 1 a 5 anos de prisão e multa aos infratores. A denúncia pode ser feita tanto pela internet, quanto em delegacias comuns e nas que prestam serviços direcionados a crimes raciais, como as Delegacias de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), que funcionam em São Paulo e no Rio de Janeiro.

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Com informações do Notícia Preta.

Especial Dia do/a Professor/a: o papel fundamental do/a professor/a na luta antirracista

 

Especial Dia do/a Professor/a: o papel fundamental do/a professor/a na luta antirracista. Na foto, o professor Nicolau Neto durante conversa com estudantes da Escola 18 de Dezembro, em Altaneira, sobre a falsa abolição da escravatura.  

Quais são as principais alegrias e os principais desafios da carreira das professoras e dos professores brasileiros? E qual é a importância da promoção da educação antirracista? Fizemos essas perguntas a quatro educadores participantes do Edital Equidade Racial na Educação Básica, que tem como propósito fortalecer coletivos de pesquisa nessa temática e mapear oportunidades estratégicas de atuação.

O Edital é uma iniciativa  do Itaú Social com realização do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), em parceria com o Instituto Unibanco, a Fundação Tide Setubal e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

Conheça abaixo um pouco mais sobre os projetos e professores representantes de cada etapa de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio:

Professora Neli Edite dos Santos - Educação Infantil

          

“Ingressei no magistério com 18 anos de idade. Hoje, passados 38 anos, posso dizer que tenho marcas inscritas em mim por engajamentos, curiosidades, inquietações, estudos, parcerias, comprometimentos políticos, indignações, descobertas, somas, sonhos e transgressões poéticas. Em cada escola onde trabalhei, transpus muros, arrisquei. Semeei desobediências inventivas entre estudantes, famílias, comunidade e com colegas que toparam riscos.

Desde os primeiros anos de atuação como alfabetizadora, passando pelas redes públicas estadual e municipal, até ingressar no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Uberlândia, em 2010, tenho sido inquieta, afetada por aquilo que tem me constituído e atravessado. Cada escola tem seu jeito, seu ritmo, suas riquezas, suas dificuldades, suas mazelas e potencialidades. Em cada uma delas, afetei e fui afetada pelos coletivos: colegas, estudantes, famílias e vizinhança. Em cada uma delas, busquei parcerias e encontrei conflitos produtivos e improdutivos. Muitas geraram bons afetos e frutos. Algumas deram em nada. Outras, dissabores e amarguras. Por isso, talvez, minha principal alegria em continuar sendo professora é a disposição para arriscar, principalmente quando o risco se confunde com travessura, travessias e atravessamentos.

O papel de professores e professoras no enfrentamento ao racismo depende de vários elementos. Posso citar, por exemplo, seu reconhecimento étnico-racial, de gênero e classe. Para enfrentar o racismo e contribuir para uma educação antirracista, professores brancos precisam enfrentar o espelho, a historicidade da branquitude em suas relações desumanizadas e desumanizantes com povos não brancos: negros, indígenas, indianos, ciganos – entre outros.

Se for uma pessoa negra e se for uma pessoa que pretende contribuir com a justiça, com a igualdade de fato, com a democracia, ela poderá ser atravessada pelo reconhecimento da sua condição de negritude e somará, assim, no enfrentamento ao racismo. Uso o termo poderá, e não deverá.  Isso porque, ao reconhecer-se e, mais ainda, assumir-se negra, a pessoa é arremetida ao confronto com uma sociedade forjada e mantida pelo racismo estrutural. Conhecer-se nessa arquitetura pode ser vivido como algo extremamente pesado, sufocante e, a depender das circunstâncias, fatal.

É comum a expectativa de que pessoas negras se posicionem em relação ao racismo, denunciando-o, falando sobre ele, tendo-o como objeto de estudo. É comum também que pessoas não negras, não indígenas, não indianas, não ciganas (entre outros povos não brancos) considerem exageradas as denúncias de racismo, sobretudo quando são praticantes dele (em geral, sem intenção de ofender).

Com essa breve reflexão, quero dizer que o papel do(a) professor(a) no enfrentamento ao racismo depende de vários elementos. A começar pela relação que ele/a tenha com sua imagem nos espelhos da sua história, da história de seu país e da história da humanidade”.

A professora Neli Edite dos Santos é coordenadora geral do projeto ‘Construindo uma escola antirracista: ingresso e permanência de cotistas na educação básica’, realizado na Escola de Educação Básica, um colégio de aplicação da Universidade Federal de Uberlândia, que oferece Educação Infantil, Ensino Fundamental Regular e na Modalidade Educação de Jovens e Adultos.

Givânia Maria da Silva - Ensino Fundamental I


          

“A lista dos desafios de ser professor é grande, principalmente em uma sociedade marcada pelo racismo e por um ensino que deixa tantas lacunas na nossa formação inicial. A formação continuada também não dá conta de nos ajudar a superar determinados déficits. No caso das comunidades quilombolas, as novas tecnologias também se tornaram desafios, pois são desconhecidas por muitas pessoas.

Precisamos lidar com estruturas tão hierarquizadas dos estados e municípios, onde os gestores não pautam a questão racial como fundamental e a gente sabe o quanto isso é importante. Muitos quilombos não têm acesso à internet. Falta investimento na compra de equipamentos, na formação dos profissionais e nas escolas quilombolas. Tudo isso prejudica o trabalho do professor e a aprendizagem dos alunos.

Mas temos também as nossas alegrias. Sabemos que nada será feito sem nós. Somos peças fundamentais no processo educacional. Mesmo com a tecnologia,  o professor ainda é uma peça muito importante e nunca vai deixar de ser. Precisamos avançar e construir comunidades de aprendizados.

Também sentimos profunda alegria quando vemos que inspiramos outras pessoas. Somos um instrumento da luta e da resistência para uma educação antirracista. Por isso seremos sempre um instrumento de transformação e emancipação, apesar do modelo social. Devemos ocupar o lugar de instrumento e ferramenta da luta antirracista, seja na sala de aula ou no cotidiano.”

A professora Givânia é coordenadora do projeto Quilimbos e Educação: Políticas Públicas e Práticas Pedagógicas, com foco na análise dos dados do Censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira para identificar os desafios da educação quilombola enfrenta e em estudos de casos em duas comunidades quilombolas: Povoado de Mesquita, em Cidade Ocidental (GO) e Quilombo de Conceição das Crioulas, em Salgueiro (PE).

Erisvaldo Pereira dos Santos - Ensino Fundamental II

         
          

“O principal desafio de ser professor está relacionado com o lugar social da profissão docente em nossa sociedade. Embora todos as outras profissões dependam do trabalho docente, há uma falta de compromisso político com a valorização desse profissional em nossa sociedade em termos de remuneração. A principal alegria de ser professor é a de saber que sem o seu trabalho as transformações no mundo em prol da justiça social e do bem-estar não acontecerão. Mesmo porque, todo(a) professor(a) está investido de uma autoridade comprometida com o curso do mundo na ordem do bem viver social. Por isso Paulo Freire afirma que educar é uma prática política.

O desafio principal do (a) professor (a) diante do enfrentamento ao racismo é o de não naturalizar esse fenômeno que estrutura nossas relações sociais. Ao naturalizar o racismo, o(a) professor(a) contribui para que não haja mudanças nas relações sociais e raciais. Para não cair na armadilha da naturalização, seu trabalho docente carece, portanto, de uma sólida formação teórica e de uma postura ética de acolhimento e valorização da alteridade.

A partir daí, ele(a) não enfrentará apenas o racismo, sendo uma pessoa antirracista, mas também enfrentará todas as mazelas que envolvem os sujeitos subalternizados e discriminados. A interseccionalidade entre raça, gênero e classe é a base que organiza essa prática. Dessa maneira, o (a) docente contribuirá para a formação de um sujeito autônomo, crítico e ético.”

Erisvaldo é coordenador do projeto Epistemologias Antirracistas e Projeto Político Pedagógico: Uma Pesquisa Aplicada no Âmbito da Secretaria de Educação de Contagem (MG). O objetivo do projeto foi oferecer aportes epistemológicos do feminismo negro e antirracista, afim de contribuir para a reflexão sobre a fundamentação de Projetos Políticos Pedagógicos (PPP’s), na perspectiva das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Gerson Alves dos Santos - Ensino Médio


           

“O grande desafio de ser professor é atuar em um ambiente cada vez mais precarizado e deixado de lado pelas políticas públicas. O tempo todo enfrentamos uma realidade desestimuladora e que acaba por consumir nossas esperanças e anseios quanto ao desejo de construir uma educação de fato transformadora.

Gestores e colegas professores, em grande medida não se preocupam ou desconhecem a importância da autonomia no processo de ensino. Algo que cria um ambiente pouco politizado e pouco aberto a pautas que vão além de um conjunto de ações e entendimento, preso a institucionalização burocratizada.

Já a grande alegria é ouvir os alunos e suas experiências transformadoras no ambiente escolar. É saber que alguns transformam sua realidade a partir do que discutimos em sala. Isso reforça a esperança e refloresta a crença na educação como um espaço de transformação de uma realidade tão adversa.

Penso que o professor tem que ser protagonista, principalmente nesse contexto político em que estamos vivendo. As políticas que garantem o ensino da história, cultura afro-brasileira e indígena é uma realidade do ponto de vista institucional, mas, ainda está longe do ideal quando se pensa o ambiente escolar e um conjunto de práticas cotidianas que viabilizem um ensino antirracista.

Temos de sair do plano institucional, isto é, da data enquanto momento folclórico e por vezes romantizado. Algo muito comum entre nós brasileiros, sociedade em que a lei por vezes acaba em si mesmo e não se transforma em realidade cotidiana. No caso, o professor, sabedor dessa realidade, precisa se colocar enquanto agente transformador, alguém capaz de questionar e instigar no ambiente escolar a discussão sobre o racismo brasileiro e seu caráter estrutural. Alguém capaz de ser protagonista nesse processo de questionamento das subjetividades reprodutoras desse racismo estrutural que tende a desumanizar a população negra.”

Gerson é coordenador do projeto “O quilombo na escola: práticas pedagógicas, identidade étnica e ancestralidade”, que tem como objetivo atuar na formação de professores das escolas estaduais (Ensino Fundamental e Médio) de uma comunidade quilombola na cidade de Moreilândia, Estado do Tocantins.

A ideia é que a história da comunidade possa fazer parte do currículo de modo a ser incorporada na realidade dessas escolas, fazendo com que a realidades dos quilombolas e dos moradores da cidade possam fazer parte do cotidiano escolar, potencializando, assim, uma educação inclusiva e antirracista.

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Com Informações do CEERT


Educação antirracista: como a escola pode combater as desigualdades educacionais entre negros e brancos?

 

Educação antirracista: como a escola pode combater as desigualdades educacionais entre negros e brancos?/(FOTO/ Reprodução/NOVA ESCOLA).

Nós somos geneticamente capacitados, como qualquer pessoa branca. Se o Projeto Genoma já disse isso, se a Ciência já legitimou isso, por que é que a gente está congelado naquele lugar do não saber?”, pergunta Benilda Brito, pedagoga e mestre em Gestão Social, neste vídeo em que explica como a discriminação influencia no processo de aprendizagem e resulta, entre outras consequências, no baixo rendimento escolar de crianças e jovens negros. “Rendimento escolar tem a ver com afetividade. Não se discute Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] sem discutir racismo. Não se discute avanço educacional sem trabalhar a autoestima da criança negra”, afirma. Ou seja, não dá para pensar o sistema educacional sem considerar o racismo estrutural refletido nele.

A primeira coisa que temos de pensar quando falamos do papel da escola [na luta antirracista] é que ela não é um disco voador que baixa nos territórios. Ela tem uma função social importante e deve articular saberes construídos ao longo da história” Este deve ser o pensamento, segundo a coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa Ednéia Gonçalves.

As escolas desempenham um papel fundamental na construção e na garantia da equidade racial. Além de lidar com o racismo institucional, as instituições de ensino precisam construir e aplicar uma educação antirracista. Para isso, foi alterada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 2003 com a Lei 10.639, que prevê a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana — alterada, por sua vez, pela Lei 11.645 de 2008, que fez o mesmo com os povos indígenas e sua cultura — dentro dos componentes curriculares.

Para os gestores e professores, isso implica implementar em toda sua dimensão e de forma prática o que traz o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Estão ali a história da África e dos povos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura e o papel do negro na formação da sociedade nacional, assim como a história e a cultura indígena e sua participação na construção da identidade brasileira. Como a questão das relações étnico-raciais é transversal, ela atravessa todas as áreas de conhecimento.

Para isso acontecer no dia a dia, a professora e formadora de educadores Gina Vieira afirma que é necessário superar o mito da democracia racial. “Ano passado, durante minhas palestras, eu fiquei assustada com a quantidade de professores e professoras que falavam frases do tipo: ‘Não estou entendendo o que você está falando. Você está dizendo que somos diferentes? Mas somos um só povo. Isso que você está falando vai provocar uma divisão’”, conta.

Um levantamento do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da Uerj (Gemaa), divulgado em maio, aponta que menos de um em cada dez alunos (9,75%) se autodeclara preto ou pardo nas 20 escolas com as maiores notas no Enem 2019 no país. Dessas, apenas uma é pública. De acordo com dados do IBGE, só em 2019 as universidades tiveram mais alunos negros (50,3%) do que brancos. E as carreiras mais concorridas e com maior remuneração têm percentual menor de pretos e pardos, como Medicina (39,9%), Engenharia (40%), Odontologia (38,7%) e Direito (43,8%).

Para Edneia, as salas de aula não estão e nem devem estar descoladas da realidade do Brasil. “Temos de considerar que existe a escola que é racista, e isso acontece porque ela foi construída, assim como todos os outros sistemas no país, para a manutenção de privilégios — e eles não eram dos pretos e dos indígenas”, explica.

Apesar de a legislação prever o ensino de história e cultura afro-brasileira, Gina aponta que as escolas têm um currículo “que privilegia os autores brancos e a história contada pela perspectiva do colonizador”.

A professora conta também que é comum ouvir histórias em que o docente responde “não liga para isso, você é linda”, após uma criança negra relatar ter ouvido comentários racistas a respeito de seu cabelo, por exemplo. “Essa é uma resposta acrítica porque dizer para uma criança não ligar para o que ela está sentindo é dizer que o que ela está sentindo não é importante”, explica Gina. “É ignorar que essa criança vive dentro de uma estrutura que diz o tempo todo que ela é feia”.

Vale pontuar que muitos gestores e professores podem encarar a questão apenas como bullying, mas vai muito além disso. É de racismo que estamos falando, e adotar uma postura silenciosa diante de acontecimentos é perpetuar a discriminação.

Situações como essa, ressalta Gina, podem desestimular o aluno a denunciar casos de racismo, além de prejudicar seu desenvolvimento socioemocional – essencial para uma educação integral. E acabam, ainda que de maneira inconsciente, reforçando o preconceito e a discriminação. “Ao silenciar o sofrimento dessa criança, você transforma a escola em um ambiente totalmente hostil para que ela consiga estudar e ter acesso a espaços onde ela possa expressar seu modo de vida, sua cultura e sentimentos”, explica Ednéia.

O Anuário Brasileiro de Educação Básica 2021, divulgado em agosto, aponta que apenas 48% das instituições de ensino brasileiras afirmaram ter projetos para tratar relações étnico-raciais. E esse espaço está diminuindo. O levantamento indica, que apesar de o debate avançar na sociedade, nas salas de aula acontece o inverso. Entre 2013 e 2017, mais de 70% das escolas tinham projetos sobre a temática.

A falta de exemplos africanos ligados à inovação é outro motivo citado por Ednéia para ampliar a desigualdade entre alunos pretos e brancos. “As grandes inovações que o Brasil experimentou vieram do continente africano. Precisamos pensar o quanto os conhecimentos de engenharia, arquitetura e filosofia são importantes para a identidade e para o desenvolvimento do brasileiro”, diz ela. 

O professor de Artes Edmar Galiza, da rede pública do Distrito Federal, alerta que muitas escolas, “para cumprirem tabela”, discutem o tema apenas na semana da Consciência Negra, em novembro. “Não se aprofunda em nada. E eu sempre digo: não somos negros apenas em novembro, mas 24 horas por dia”, ressalta.

Ednéia conta também que a visão e o posicionamento dos professores nesse processo é essencial. Por isso, o educador ou gestor escolar precisa se atentar aos preconceitos que tem ao avaliar que crianças negras são mais violentas ou mais indisciplinadas. “Falamos o tempo inteiro, por exemplo, de dados de evasão, mas não os discutimos como um fator necessário para ampliar a qualidade da escola em cumprir a sua função social”, completa.

É importante ter em mente, segundo os professores ouvidos por NOVA ESCOLA, que educadores, gestores e alunos brancos são responsáveis por desconstruir e colaborar para uma educação antirracista.

Como agir para uma educação antirracista?

Depois de entender o impacto do racismo na desigualdade educacional, é importante saber como colocar em prática a educação antirracista na sala de aula e na formação de professores.

O professor Edmar Galiza recomenda, em primeiro lugar, que os projetos e as aulas sejam “estudados, debatidos e pesquisados”. Para ele, é importante que professores brancos, negros e de diferentes raças trabalhem coletivamente e com uma periodicidade grande, evitando que o tema seja abordado apenas em novembro.

Aliado a isso, a formadora Gina Vieira orienta também que as escolas ofereçam qualificação a seus funcionários. “Não se promove uma educação antirracista sem uma qualificação técnico-profissional. As pessoas precisam ler e se capacitar para entender por que as culturas silenciadas no currículo são trabalhadas de maneira estereotipada”, explica.

Realizar um diagnóstico entre os professores, antes das reuniões de formação, pode ajudar o gestor a entender também o perfil de cada educador e o nível de entendimento do tema. “Quando Paulo Freire fala de uma educação emancipadora, em resumo é disto que ele está falando: de uma Educação que nos traga consciência de como os sistemas de opressão operam nos planos simbólico, discursivo e material”, complementa Gina.

Já Ednéia recomenda um acervo bibliográfico diverso e que o espaço da escola fique aberto, acolhendo também alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos), que acabam sendo predominantemente negros. O documento “Indicadores da Qualidade na Educação ? Relações Raciais na Escola” pode ajudar muito, pois visa contribuir com a superação do racismo nas escolas abordando desde atitudes e relacionamentos, currículo e proposta político-pedagógica, atuação dos profissionais de Educação e gestão democrática, entre outros pontos. Esse material faz parte da coleção “Educação e Relações Raciais: Apostando na Participação da Comunidade Escolar”, elaborada com apoio da Comissão Europeia no Brasil, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Instituto C&A e do Save the Children UK.

Para trabalhar a educação antirracista, a coordenadora da Ação Educativa sugere também que a escola seja um espaço de proteção para jovens negros. De acordo com o Atlas da Violência, 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil eram negras em 2018. No contexto histórico, de 2008 a 2018, o número de homicídios de pessoas negras no país aumentou 11,5%; já entre pessoas não negras, caiu 12,9%.

Precisamos discutir o genocídio dessa população, analisar as estatísticas e trazer o tema para dentro do PPP (projeto político-pedagógico)”, explica.

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Com informações do Nova Escola.