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20 anos da Lei 10.639/03. (FOTO/ Reprodução/ Porvir). |
Em
novembro de 1996, a Lei 9.394 entrou em vigor para estabelecer as diretrizes e
bases da educação no Brasil. Composta por 92 artigos, o objetivo era
estabelecer os princípios e finalidades da educação nas instituições de ensino.
No entanto, a norma pouco abordava tópicos relacionados à questão etnico-racial
no combate a uma aprendizagem antirracista nas escolas.
Assim,
em 9 de janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promulgou
a Lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade de inclusão da história e
cultura afro-brasileira no currículo das escolas brasileiras. Em seu
aniversário de 20 anos, o regimento ganhou mais um reforço: um acervo digital com mais de 50 experiências positivas para a redução das desigualdades
étnico-raciais em sala de aula.
Intitulado
“Equidade
Racial na Educação Básica: Pesquisas e Materiais”, os conteúdos reúnem
diversos materiais como teses acadêmicas, artigos, livros, atividades lúdicas,
jogos didáticos e outros formatos. Tudo fruto de um edital realizado em 2020
pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), que
procura garantir os direitos da população negra apoiando a luta antirracista.
“O CEERT tem se dedicado à formação de
pesquisadores/as negros/as na área da educação antirracista. Para isso, temos
uma linha de ação que é o edital de pesquisas e artigos científicos sobre o
cuidado racial na educação básica. Nesta primeira edição, selecionamos 15
projetos de pesquisas de profissionais da educação que ensinam na Educação
Básica e Superior em todas as regiões do Brasil”, explica Graça Gonçalves,
consultora da área de educação com equidade racial do CEERT.
Cada
pesquisa selecionada pelo edital recebeu um financiamento para que fosse
colocado em prática. Com isso, o resultado terminou virando livros,
levantamentos, mapeamentos, manuais, aplicativos, jogos, brincadeiras que
passam a compor, a partir deste ano, o acervo inédito lançado pela ONG. Segundo
Graça, a ideia é que a plataforma seja não apenas um ambiente de aprendizagem,
mas também um espaço de interação onde os profissionais da educação e toda a
sociedade possam trocar vivências.
Ao
acessar o acervo, o internauta tem contato com produtos das diferentes
pesquisas realizadas. Jogos e brincadeiras para as crianças, feminismo negro,
representatividade na literatura infantil e diversas pesquisas sobre como o
racismo está enraizado nas salas de aula são alguns dos temas abordados. Além
do CEERT, a iniciativa é do Itaú Social, realizada em parceria com a Fundação
Tide Setubal, Instituto Unibanco e Unicef.
Professora
da Universidade Regional do Cariri (URCA), Cícera é uma das pesquisadoras que
teve seu projeto selecionado pelo edital. Intitulado “O Currículo e os Processos de Formação Docente no Campo das Relações
Etnico-Racais na Educação Básica numa Perspectiva Inter e Transdisciplinar”,
seu estudo tem como foco no processo de implementação do ensino da história e
cultura africana e afro-brasileira no Ensino Fundamental 2 da educação básica.
O trabalho também aborda a formação de professores.
“Olhamos para as infâncias negras,
potencializando a relação que esses adolescentes constroem com as africanidades
que fazem parte da sua vida, da comunidade, de suas experiências vividas. [...]
Estamos trabalhando a relação com a África e com as trajetórias das populações
negras no contexto brasileiro a partir da relação com lugar, que começa a
partir da minha história de vida”, detalha a pesquisadora.
Importância de uma educação antirracista
Além
do edital que proporcionou aos estudos financiados um olhar mais atento à
implantação do ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo das
escolas brasileiras, o CEERT também investe na formação continuada de
professores, especialmente dos profissionais que atuam na aprendizagem de
estudantes de 0 a 11 anos de idade.
A
formação é desenvolvida através de propostas e metodologias pedagógicas que
ajudem os professores a tratarem o assunto durante todo o ano letivo e não
apenas em dias de datas comemorativas.
“Temos um grande percentual de escolas que só
investem no ensino da Lei em datas específicas, como, por exemplo, no mês de
novembro [mês da Consciência Negra]. Temos que tornar isso um trabalho
cotidiano e não pontual. A luta antirracista no ensino em que ser transversal,
dentro de todos os campos do conhecimento que a escola trabalha. Gostaríamos
que a lei 10.639/03 fosse menos efemérides. Só assim poderemos erradicar o
racismo de todos os setores da vida brasileira”, analisa Graça Gonçalves.
Essa
é uma realidade sentida pelo pesquisador e professor da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) Alan Alves-Brito. Também coordenador do Núcleo de
Estudos Africanos, Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI), ele explica que muitos
professores sentem dificuldade para pensar formas didáticas de abordar o ensino
da história e cultura afro-brasileira, especialmente no que tange a educação
escolar quilombola, seu objeto de estudo.
“Para nós, professores universitários, um dos
grandes desafios ainda é levar a Lei 10.639/03 para a formação inicial. Como é
que a gente articula a formação de professores em todas as áreas do
conhecimento, na Pedagogia, no direcionamento das Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Escolar Quilombola, de 2012, mas também a de 2004, que é
a Educação para Relações Étnicos-Raciais?”, questiona o acadêmico.
“A universidade é muito importante para
desarticular o racismo institucional porque é a instituição que forma
professores e outros profissionais. Se essas pessoas são formadas sem a
perspectiva da lei 10.639, não teremos uma educação antirracista. Vamos ter
médicos que não vão saber lidar com os corpos negros nos hospitais, por
exemplo. Por isso, a importância das universidades de aplicar a lei. A formação
continuada de professores que estão já trabalhando e não tiveram essa formação
também é importante”, completa Alan Alves-Brito.
Ele
também teve seu projeto selecionado pelo edital realizado pela CEERT. Os
resultados que mais se destacaram no projeto proposto sobre a educação
quilombola foram o Mapa dos Quilombos de Porto Alegre, um Curso de Formação de
Professores na temática da ancestralidade e um artigo com críticas às mudanças
no Ensino Médio estabelecidas pelo governo do Rio Grande do Sul.
“O projeto que eu coordenei se chama Zumbi
Dandara dos Palmares. Reuni diferentes pesquisadores porque sou astrofísico,
mas convidei colegas historiadores, geógrafos, pedagogos para que o projeto
ficasse mais amplo. Nos dividimos em vários grupos de trabalhos para olhar para
o banco de dados e analisar pedagogicamente quais eram os planos políticos.
Nosso objetivo é desestimular o racismo na estrutura, pensando sobretudo nas
questões institucionais”, finaliza.
Anansi Observatório
Além
da formação continuada de professores, do apoio aos projetos de pesquisas que
serviram de base para o desenvolvimento do acervo digital, o CEERT também conta
com o “Anansi Observatório da Equidade
Racial na Educação Básica”. A iniciativa nada mais é do que um fruto
colhido a partir dos resultados obtidos com as experiências e conclusões
obtidas com os projetos desenvolvidos a partir do edital de 2020.
“O Anansi Observatório é um ambiente virtual
que se pretende monitorar a aplicação da lei nas escolas através de alguns
eixos. Este é um projeto que ainda está em construção, mas a ideia é que ele
seja o coração do CEERT através dessa biblioteca dinâmica, que vai criar um
repositório gigantesco de todos esses materiais que já falamos”, pontua a
consultora do CEERT.
“Além disso, esse acervo também deve ser um
espaço de interação com outros lugares e professores. Assim, teremos materiais
de qualquer professor ou pesquisador que queira receber, deixar disponível ou
divulgar seu material”, complementa Graça Gonçalves, fazendo menção também
a outros eixos prioritários do Observatório, como o “advoga-se”, que acompanha e denuncia a aplicação da lei nas
escolas.
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Com informações do Alma Preta.