Mostrando postagens com marcador PEC do Trabalho Escravo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador PEC do Trabalho Escravo. Mostrar todas as postagens

15 de julho de 2013

Que tal revogar a Lei Áurea?



A PEC do trabalho escravo prevê que os donos ou adminis
tradores de terras onde tenham pessoas trabalhando em con
dições de escravidão poderão ser punidos e suas terras
confiscadas
Sob qualquer ponto de vista, trabalho escravo contemporâneo é algo tão absurdo que ninguém, em sã consciência, é capaz de defendê-lo publicamente. Não é apenas um crime contra os direitos humanos. Também configura concorrência desleal e contribui para manchar o nome dos produtos brasileiros no exterior, dando de mão beijada razão para o erguimento de barreiras comerciais não tarifárias sob justificativa social.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, são elementos que determinam trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (aquelas que excluem o trabalhador de sua dignidade), jornada exaustiva (que impede o trabalhador de se recuperar fisicamente e ter uma vida social), cerceamento de liberdade/trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).

Varas, tribunais e cortes superiores utilizam a definição desse artigo. Em decisões da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal fica clara a compreensão de que eles entendem o que é esse crime. A Organização Internacional do Trabalho apoia a aplicação do conceito brasileiro. Gulnara Shahinian, relatora para formas contemporâneas de escravidão das Nações Unidas, afirmou que o mundo precisa copiar o exemplo do Brasil.

Mesmo assim, vira e mexe há políticos que reclamam que fiscais do trabalho consideram como escravidão a pequena distância entre beliches, a espessura de colchões, a falta de copos descartáveis. Isso não é verdade. Afinal de contas, qualquer fiscalização do governo é obrigada a aplicar multas por todos os problemas encontrados. Mas não são essas as autuações que configuram trabalho escravo. Quando ouço esse blablablá, faço uma rápida pesquisa no Ministério do Trabalho e Emprego e descubro dezenas de outras autuações que o empregador em questão recebeu. Sempre me surpreendo com as fotos da “espessura do colchão” e os depoimentos dos trabalhadores “sem copos plásticos”.

Ao afirmar que não há clareza sobre o conceito de trabalho escravo – simplesmente porque não concordam com ele –, essas pessoas querem desestabilizar um dos raros processos em que o governo federal aprendeu a caminhar. Cerca de 46 mil pessoas foram libertadas desde 1995, o que faz do combate à escravidão uma política de Estado e não de partido, muito menos de governo.

A “PEC do Trabalho Escravo”, proposta de emenda constitucional que prevê o confisco de propriedades flagradas com esse crime e sua destinação à reforma agrária e ao uso social urbano, está para ser votada no plenário do Senado. Se aprovada em dois turnos, passa a vigorar em todo o país, pois já foi aprovada na Câmara. Ela é considerada uma espécie de “segunda Lei Áurea”, dado o impacto que sua aprovação causaria.

A bancada ruralista quer atrelar a sua aprovação ao afrouxamento do conceito. Praticamente condenar só quem usa pelourinho, chicote e grilhões, sendo que os tempos mudaram e os mecanismos modernos de escravização adotados são sutis. Promovem, dessa forma, a “insegurança jurídica” no campo e na cidade. O governo federal disse que isso não está em discussão. A ver.

Mas, se ficar decidido que o crescimento econômico é mais importante que a dignidade das pessoas, podemos – em um esforço da nação – revogar também a primeira Lei Áurea. Que tal?

O Blog INFORMAÇÕES EM FOCO extraiu excelente texto de Leonardo Sakamoto, jornalista, doutor em Ciência Política, professor de Jornalismo da PUC-SP e coordenador da ONG Repórter Brasil. O texto foi publicado originalmente no Jornal Gazeta do Povo. O texto pode ser encontrado também no site Reporter Brasil.