Movimentos
ultraconservadores querem tirar de Paulo Freire o título de Patrono da Educação
Brasileira. Proposta legislativa de autoria do Escola sem Partido obteve as 20
mil assinaturas necessárias para que o Senado discuta a 'desomenagem'.
Especialistas ouvidos pelo DIA condenam a iniciativa. O jornal também enviou,
terça-feira, perguntas a 182 nomes escolhidos aleatoriamente da lista remetida
ao Senado. Veja o resultado da sondagem ao lado.

Segundo
o pedido, proposto por Stefanny Papaiano e cheio de erros de português (em
destaque), "Paulo Freire é considerado filosofo de esquerda e seu metodo
de educação se baseia na luta de classes, o socio construtivismo é a
materialização do marxismo cultural, os resultados são catastroficos e tal
metódo ja demonstrou em todas as avaliações internacionais que é um fracasso
retumbante. O professor Pierluigi Piazzi ja alertava para o fracasso do metodo
e vemos na pratica o declinio da eduacação brasileira, não é possivel manter
como patrono da nossa educação o responsavel pelo metodo que levou a educação
brasileira para o buraco". Não foi dito quais seriam essas avaliações.
A
meta era atingir 20 mil assinaturas em quatro meses, número exigido para que a
proposta se tornasse sugestão legislativa. Mas em apenas um mês parou na
Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado.
A
lei que condecorou o pedagogo foi apresentada pela deputada federal Luiza
Erundina (Psol-SP) e sancionada pela presidente Dilma em 2012. Erundina
conversou com O DIA. "Esse fato inusitado é incompreensível", resume.
"Freire recebeu dezenas de títulos de doutor honoris causa em diversos países,
mas o Brasil não reconhece o nosso patrimônio humano", emenda. "Não
me surpreende que esse retrocesso dos direitos e das conquistas do povo esteja
acontecendo, mas me entristece e nos envergonha diante do exterior." O
patrono foi secretário da Educação de São Paulo, durante a gestão de Erundina
como prefeita (1989-1992).
Ideal iluminista
Daniel
Medeiros, doutor em Educação Histórica pela UFPR, considera a iniciativa uma
agressão. "Quem quer tirar esse título do Paulo Freire não o ofende nem
agride, pois que já está morto e enterrado há tempos. Agride a ideia de uma
Brasil livre para todos", destaca. "Esse título não lembra apenas a
pessoa que ele foi, mas a causa que ele representou: a buscar, incessantemente,
efetivar a máxima iluminista de liberdade, igualdade e fraternidade",
completa.
Secretário
estadual de Educação, Wagner Victer afirma que a ação do Escola sem Partido é
descabida. "Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro foram grandes
ícones referenciais para a formação do sistema educacional do país",
assinala. "As homenagens aos brasileiros devem ser feitas em função das
suas contribuições ao país. Desqualificar contribuições históricas acaba
alimentando conflitos de maneira desnecessária", pontua.
O
ministro da Educação, Mendonça Filho, foi diplomático. "A discussão sobre
o projeto que propõe mudança no título de patrono da Educação concedido ao
educador Paulo Freire está no âmbito do Legislativo. O ministro afirma que
respeita o debate democrático e que, a despeito de quaisquer visão ideológica,
Freire teve um papel histórico na Educação brasileira", diz nota.
Frente tenta barrar a iniciativa
Respeitado
educador, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) também acha o movimento "um
absurdo completo". "As pessoas que fazem isso querem partidarizar a
nação. Freire é um patrimônio do Brasil, e não da esquerda, como esse pessoal
pensa." E promete: "Eu vou estar na linha de frente dos que vão lutar
para que essa vergonhosa partidarização do simbolo nacional não progrida".
Educadores
e entidades de todo o país já se movimentam para manter o nome de Paulo Freire
como Patrono da Educação Brasileira. O manifesto de defesa, organizado pelo
Instituto Paulo Freire, também angariou mais de 20 mil assinaturas na internet.
Comissão tem como arquivar
Ainda
sem data prevista, os 19 senadores da Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa vão debater e emitir um parecer sobre a ideia. Caso a comissão a
aprove, o que demanda maioria simples, a sugestão vira proposição legislativa e
é encaminhada à Mesa para tramitar como projeto de lei.
A
relatoria está a cargo da senadora Fátima Bezerra (PT-RN). "Lamento
profundamente que chaguemos a esse ponto de alguém tomar a iniciativa de propor
um projeto de lei para desomenagear a envergadura e a trajetória de Paulo
Freire. Isso tudo é um reflexo dos tempos de intolerância em que vivemos. Tenho
certeza de que meu parecer vai ser aprovado, essa insensatez não passará. Essas
propostas são um desserviço ao povo."
Quem é Paulo Freire e o que ele
representa
Morto
em 1997, Paulo Freire é um dos mais famosos pedagogos brasileiros e ficou
conhecido por defender uma educação voltada à "formação da consciência
política". Em sua obra máxima, 'Pedagogia do Oprimido', o intelectual
reforça que a Educação tem um papel fundamental para a superação da dicotomia
social entre "opressores" e "oprimidos".
É
o terceiro pensador mais citado em trabalhos acadêmicos no mundo, segundo
levantamento feito pela London School of Economics em 2016. 'Pedagogia do
Oprimido' é o único título brasileiro a aparecer na lista dos 100 livros mais
requisitados nas listas de leituras exigidas pelas universidades de língua
inglesa.
Freire
condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das escolas (isto é, as
"escolas burguesas"), que ele qualificou de "educação
bancária". Nela, segundo Freire, o professor age como quem deposita
conhecimento num aluno apenas receptivo, dócil. Em outras palavras, o saber é
visto como uma doação dos que se julgam seus detentores.
Freire
criticava a ideia de que ensinar é transmitir saber porque, para ele, a missão
do professor era possibilitar a criação ou a produção de conhecimentos. Mas ele
não comungava da concepção de que o aluno precisa apenas de que lhe sejam
facilitadas as condições para o autoaprendizado. "Os homens se educam
entre si mediados pelo mundo", escreveu.
O que dizem alguns dos apoiadores do
abaixo-assinado
Darcy
Ribeiro, Anísio Teixeira, o marechal Roberto Trompowski e Olavo de Carvalho,
além de Pierluigi Piazzi, citado na proposta, foram algumas 'alternativas de
patronos' dadas pelos apoiadores que responderam ao DIA por e-mail. A
reportagem perguntou, também: "Você assinou petição sobre o patrono da
Educação brasileira?" e "Qual sua opinião sobre os rumos do segmento
no país?". Veja respostas:
"Paulo
Freire contribuiu sobremaneira para o atual estágio de falência da educação no
Brasil. Hoje, o que mais necessitamos é de foco e disciplina", escreveu
Tales Villela.
"Formei-me
no Ensino Médio público faz nove anos. Percebo uma queda na qualidade da
Educação, falta de interesse dos alunos, insuficiência profissional dos
professores, e o principal, aumento do viés ideológico de esquerda nas escolas,
fruto da pedagogia do oprimido. Perceba nossos níveis educacionais comparados a
outros países, os números falam por si só. De que adianta um país que goza de
ensino público, aumento da população com nível superior, sendo que a maioria
destes são analfabetos funcionais?", pondera Blademir Andrade de Lima.
Williamn
Bull faz coro. "Infelizmente o rumo tem sido ruim nos últimos anos, com o
abandono do ensino dando lugar à doutrinação ideológica. Em quase todas as
disciplinas pode-se notar o viés ideológico quando aplicadas, seja por meio dos
livros didáticos, seja pela prática de muitos professores", explica
Willian, que sugere Anísio Teixeira no lugar de Freire.
"Paulo
Freire não tem qualidade para ser o patrono da Educação brasileira, temos nomes
que verdadeiramente contribuíram para essa causa de forma real, e não de forma
política e perversa que só visava a tornar a Educação ineficaz e manter o povo
como massa inculta", sublinha o funcionário público Arthur Gustavo Brito
de Faria, 41 anos. "Por culpa de Paulo Freire, as escolas se tornaram
fabricas de pessoas inaptas, onde o conhecimento não é fundamental e sim a
assistência social", emenda. "Eu admiro Rui Barbosa, não só um
educador, mas também um homem que entendia que a formação do cidadão depende da
educação formal, ampla, e voltada para ciência", cita.
"Gente
como o Paulo Freire, num país sério, seria considerado um terrorista",
ataca Gilberto 'O Rabugento'. "Tenho 65 anos, e nesse tempo só vi um
Brasileiro com "B", o e saudoso Darcy Ribeiro, que infelizmente ficou
reduzido como pai dos Brizolões", assinala.
MBL de novo no centro do debate
O
Escola sem Partido pulsa na mesma batida do Movimento Brasil livre,
protagonista de recentes atos conservadores que dividiram opiniões. "O MBL
está combatendo a pseudo unanimidade da esquerda", afirma Edson Nunes,
ex-presidente do Conselho Nacional de Educação e sub-reitor da Candido Mendes.
"O governo do PT usou o Paulo Freire como símbolo. Uma batalha por quem
controla a cultura é o que está acontecendo atualmente", resume.
Henrique
Sobreira, doutor em Educação pela Uerj, discorda. "O MBL se tornou uma
instituição que resolveu perseguir pessoas ou instituições que se identificam
com um discurso de esquerda. O caminho é esse de terrorismo de intimidação. A
invasão a uma palestra sobre os 100 anos da Revolução Russa foi um absurdo",
afirma.
Grupo mexeu até no Enem
O
Escola sem Partido conseguiu alterar até as regras do Enem, cuja primeira prova
será realizada hoje. A Justiça Federal suspendeu o item do edital que prevê
nota zero para quem desrespeitar os direitos humanos na redação. A decisão é
provisória e, até o fechamento desta edição, na sexta-feira, estava mantida. A
redação do Enem será aplicada hoje. No pedido em tramitação no TRF1, a
Associação Escola Sem Partido, autora, sustenta que a regra não apresenta
critério objetivo e tem "caráter de policiamento ideológico". (Com Informações de O Dia).