Unidade da esquerda: um debate necessário para Fortaleza, por Adelita Monteiro


Adelita Monteiro. (FOTO/ Divulgação).

Mais de uma década atrás Gilvan Rocha, um dos maiores pensadores que conheci na vida, repetia incansavelmente: Política não se faz apenas como se quer, certas vezes é preciso fazê-la como se pode. Essa constatação não é das mais fáceis, afinal, segui-la significa sair da zona de conforto e lutar por algo maior que os próprios anseios. Fazer política para si mesmo, para galgar espaço e poder individual leva a não enxergar nada além das fronteiras do próprio umbigo. Isso sempre foi terrível mas nos dias em que vivemos agir assim beira o inaceitável para nós da esquerda.

É urgente derrotar Bolsonaro, tirá-lo da presidência e nisso a unidade nas lutas tem sido fundamental nos quase dois anos de enfrentamento a esse desgoverno. Partidos, movimentos sociais e setores da sociedade civil deram as mãos para combater a retirada de direitos, a agudização da desigualdade, a exaltação dos preconceitos, a destruição ambiental, educacional e cultural promovidas todos os dias por Bolsonaro e seus Ministros.

Porém, quando Bolsonaro deixar de ser presidente uma luta ainda maior se impõe: Derrotar o bolsonarismo. O debate em campo aberto está em cada esquina, em cada grupo de Zap do país. Combater os pilares ideológicos do atraso personificado em Bolsonaro é uma tarefa impossível de se restringir a setores acadêmicos. Estamos falando de disputar base social.

Somos milhões de precarizados, a maioria esmagadora sem nenhum vínculo orgânico com a esquerda. Diante do total abandono institucional muitos são facilmente levados por discursos antiestado e antissistema. Já vimos esse filme quando uma parcela de desavisados acreditou em Jair como Messias ao vê-lo conduzido por certos pastores inescrupulosos propagadores do discurso preconceituoso, machista e elitista que floresce num solo de desesperança. O resultado foi a eleição de um governo fascista ainda pior do que imaginávamos.

Essa frente política não pode se isentar da tentativa sincera de se estender a uma frente eleitoral de esquerda, baseada num debate programático onde nossas diferenças não serão diluídas mas nossas afinidades serão ressaltadas construindo uma chapa potente para derrotar candidaturas da direita. Componho a direção nacional do PSOL e reitero ser esse um esforço do partido nacionalmente não sendo razoável a resistência de setores do PSOL no Ceará em iniciar um diálogo em nosso município.

A proposta não é de adesão ou de diluição das diferenças e sim de negociação programática respeitando as tradições e princípios partidários e das organizações. Não será fácil nem confortável, mas sem dúvidas será o passo mais acertado para nosso povo.

Nesta aliança não cabem os Ferreira Gomes. O Cirismo impossibilita isso ao adotar uma postura divisionista de desqualificação constante de partidos como PT e PSOL, além da política hegemonista e dos ataques aos trabalhadores orquestrados por eles há décadas no estado do Ceará. Apesar do discurso progressista, Ciro flerta constantemente com o DEM de Rodrigo Maia e recentemente Cid Gomes votou com a base do governo Bolsonaro a favor da PL 4162/19 que privatiza a água no Brasil transformando-a em mercadoria e não mais em um direito de todas as famílias do país.

Em Fortaleza o cenário é preocupante. Enquanto Carla Zambelli e Bolsonaro atuam unindo a direita pra disputar a prefeitura de Fortaleza e Capitão Wagner lidera as pesquisas, setores da esquerda se recusam a dialogar, insistem em candidaturas próprias alegando ser o melhor para a cidade e para a democracia.

Ver a esquerda separada no processo eleitoral é um sonho para bolsonaristas e para os Ferreira Gomes, mas trata-se de um pesadelo pra quem compreende o momento delicado pelo qual passamos.

Como fundadora do PSOL, relembro que ao longo de quase duas décadas de atuação sempre decidimos unanimemente lançar candidaturas próprias com nossas propostas e programa para o Ceará e seus municípios. Porém, não vivemos o mesmo cenário político da nossa fundação e analisar equivocadamente a conjuntura nos conduzirá a erros com consequências terríveis para o nosso povo, em especial os mais pobres.

Isso não vale apenas para nós, mas para todos os demais partidos de esquerda, movimentos sociais e indivíduos preocupados com o cenário de avaço da extrema direita. Mesmo após todos os escândalos de corrupção, Bolsonaro mantém uma base de apoio de 30% da população e não resta dúvidas de que Capitão Wagner conta com isso para chegar ao segundo turno das eleições. Ter quatro ou cinco candidaturas próprias dos partidos de esquerda é entregar a cidade de bandeja pra pros FG ou pior, pra bolsomáfia.

Temos travado este debate no interior do PSOL e mesmo compreendendo as valorosas pré-candidaturas já existentes no partido, apelamos para que nossa função seja compor uma mesa de diálogo com movimentos sociais, partidos e sociedade civil com o objetivo de construirmos um programa norteador para uma frente eleitoral de esquerda potente!

Partidos de esquerda, mesmo diante de tantas ameaças à democracia e ao genocídio do nosso povo, colocando a autoconstrução acima do combate ao fascismo nos tempos que vivemos é mais que miopia, é irresponsabilidade!

Construir uma unidade pautada em programa, potência e capaz de reencantar a cidade vencendo a extrema direita e os Ferreira Gomes na eleição municipal de Fortaleza pode e deve ser nosso objetivo, é nossa obrigação!

Adelita Monteiro é mãe, feminista, artesã, comunicadora popular, da Executiva Estadual e Direção Nacional do PSOL.

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Artigo publicado originalmente na Coluna do Eliomar de Lima, no O Povo.


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