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Silvio Almeida no Roda Viva. (FOTO/ Reprodução). |
Silvio
de Almeida, que para muitas ativistas negras nesse país dispensa apresentações,
é advogado, filósofo, doutor e pós-doutor em Filosofia e Teoria Geral do
Direito pela Faculdade de Direito da
USP. Atua como professor da Escola de administração da Fundação Getúlio Vargas,
da Universidade Mackenzie e professor visitante da Universidade de Duke, na
Carolina do Norte, EUA. É presidente do Instituto Luiz Gama.
Na
noite desta segunda-feira (22) fomos brindados com sua excelente exposição no
programa Roda Viva da TV Cultura, um programa com mais de três décadas de
existência e que tradicionalmente realiza entrevistas com personalidades
importantes de cada momento do país.
Silvio
de Almeida é de fato uma dessas personalidades. Ele é responsável por cunhar o
conceito de RACISMO ESTRUTURAL, em livro com o mesmo título, lançado em 2018 na
Coleção Feminismos Plurais, reeditado pela editora Pólen, em 2019. A primeira
edição do livro esgotou rapidamente, e isto tem uma justificativa óbvia, a
compreensão da atual situação de desigualdade racial/social e violência que
vivemos no Brasil parte necessariamente da ideia de que o racismo não está
apenas no campo moral, da cultura, das instituições, ele é algo estrutural na
sociedade em que vivemos.
Todos
interessados em intervir nessa realidade tão complexa como a que vivemos
deveriam ler o livro de Silvio de Almeida. Ele constrói uma síntese sobre a
visão marxista da sociedade sob a ótica do peso da raça para a constituição do
mundo tal como conhecemos. Suas referências partem das contribuições da Crítica
a economia política de Marx com intelectuais como Abdias do Nascimento, Clóvis
Moura, Lélia Gonzáles, Guerreiro Ramos entre outros para pensar a partir do
pensamento negro brasileiro. Porém, Silvio também utiliza outros instrumentos
de análise vinculados a Foucault, em especial quando dialoga com Achille
Mbembe. E este último, para além do conceito de necropolítica, tão disseminado
nos dias de hoje, Silvio realiza uma reflexão densa sobre o sair da grande
noite e o peso da colonização para constituição
dos atuais Estados.
Sem
dúvida este livro é uma obra que já consta como imprescindível para entender a
formação social brasileira e suas consequências até os dias atuais.
Neste
sentido, na entrevista dada ao Roda Viva (22), ele foi categórico na
demonstração de como todas as mazelas dessa crise sem precedentes que a
humanidade enfrenta reforçam ainda mais as desigualdade construídas a partir da
ideia de raça. Exemplificação de como o capitalismo em seu processo de
exploração não pode prescindir das ferramentas de dominação para sua
organização social. Mas Silvio falou sobre uma totalidade, e isso inclusive
pode ter causado espanto em uma parcela que acredita que o tema de
enfretamentamento ao racismo ainda é algo lateral, ou secundário.
Intelectualidade negra
Em
diálogo com o livro A armadilha da Identidade do paquistanês Asad Haider (2019,
ed. Veneta), o qual Silvio escreveu o prefácio e mencionou ontem em um momento
do debate, é possível problematizar o lugar da intelectualidade negra na
produção de conhecimento.
Neste
prefácio, ao trabalhar o conceito de identidade
a partir de sua experiência pessoal Silvio afirma que “ …independentemente das minhas escolhas,
sempre esteve além da minha vontade ser reconhecido, medido e avaliado como
homem negro” (p. 8). Ele afirma isto num contexto em que explica como o ser
negro é algo objetivo e vinculado a materialidade do mundo, ou seja, a
identidade negra é algo, que num patamar, independente da sua consciência
individual sobre se enxergar como negro ou não. A identidade negra, assim como
a identidade branca são construções sociais carregadas de intencionalidade
econômica e política para estratificação da sociedade, portanto, independem da
ação do sujeito, e sim dos mecanismo sociais.
Pois
bem, coloco esta discussão aqui para fazer referência a fala do professor
Silvio de Almeida ontem quando ele diz que
os principais intelectuais negros brasileiros só elaboraram sobre
racismo porque entendiam de outras coisas.
Me
parece que ainda hoje, em 2020, essa afirmação precisa ser reforçada. A visão
de que intelectuais, políticos e ativistas dos movimentos sociais negros sejam
limitados pela fala sobre o tema racial não pode ser tratada como uma premissa
a priori. Por óbvio, dentre os intelectuais existem uma gama de vertentes
teóricas distintas, e é preciso analisá-las com atenção. Porém, o que está em
jogo aqui, é compreender que falar sobre o todo, deve partir de entender as
partes. A luta racial, a identidade negra não é o todo da sociedade que
vivemos, porém ela é parte estrutural, e qualquer análise realizada que não
parta dessa compreensão deve ter seu status de ciência questionado.
Portanto,
retomando a experiência citada no prefácio por Silvio de Almeida, ainda que
intelectuais negros não falem sobre o tema racial, suas vidas estão
determinadas pela sua identidade. E só é assim, porque a identidade não é algo
externo às relações sociais, ou um conjunto de experiências individuais em
somatórias. Pelo contrário, pensando a necessária superação do racismo devemos
encarar a identidade como um dado analítico concreto para organização de estratégias
e táticas políticas.
Por
fim, ser um intelectual negro é encarar a totalidade a partir das
especificidades sociais. Ser uma ou um intelectual negra ou negro é estar
comprometido com a superação das piores mazelas desse sistema. Para isso,
Silvio de Almeida é hoje um intelectual negro marxista que a todo momento nos
lembra que a análise das estruturas sociais precisam ser racializadas para que
possam ser transformadas.
Por fim: a história não transita em
julgado!
Ao
final no Roda Viva, quando questionado sobre a superação do racismo, ele não
teve dúvida mais um vez em afirmar a necessidade de findar um sistema
exploração de lógica racial e misógina para a construção de uma outra
sociedade.
Exemplar
na teoria e na prática que defendeu, ainda nos lembrou que o futuro não virá de
algo espontâneo, senão de muita luta política pela construção do novo.Com certa
serenidade demonstrou que sabe que viemos de longe e somos continuidade de
muitas histórias de resistência. Portanto, devemos estar dispostos a construir
o futuro e entregar uma sociedade de fato mais humana para as gerações que
virão.
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Com informações do Esquerda Online.
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