Manifestantes em protesto contra o presidente em São Paulo no dia 13 de agosto. (FOTO/Amanda Perobelli/Reuters). |
O
Brasil está vivendo, segundo analistas nacionais e internacionais, um clima
político de pré-nazismo, enquanto a oposição progressista e democrática
brasileira parece muda. Somente nos últimos 30 dias, de acordo com reportagem
do jornal O Globo, o presidente Jair Bolsonaro proferiu 58 insultos dirigidos a
55 alvos diferentes da sociedade, dos políticos e partidos, das instituições,
da imprensa e da cultura.
E à
oposição ensimesmada, que pensa que o melhor é deixar que o presidente
extremista se desgaste por si mesmo, ele acaba de lhes responder que “quem
manda no Brasil” é ele e, mais do que se desfazer, cresce cada dia mais e nem
os militares parecem capazes de parar seus desacatos às instituições.
Há
quem acredite que o Brasil vive um clima de pré-fascismo, mas os historiadores
dos movimentos autoritários preferem analisá-lo à luz do nazismo de Hitler.
Lembram que o fascismo se apresentou no começo como um movimento para
modernizar uma Itália empobrecida e fechada ao mundo. De modo que uma figura
como Marinetti, autor do movimento futurista, acabou se transformando em um
fervoroso seguidor de Mussolini que terminou por arrastar seu país à guerra.
O
nazismo foi outra coisa. Foi um movimento de purga para tornar a Alemanha uma
raça pura. Assim sobraram todos os diferentes, estrangeiros e indesejados,
começando pelos judeus e os portadores de defeitos físicos que prejudicavam a
raça. De modo que o nazismo se associa ao lúgubre vocábulo “deportação”, que
evoca os trens do horror de homens, mulheres e crianças amontoados como animais
a caminho dos campos de extermínio.
Talvez
a lúgubre recordação de minha visita em junho de 1979 ao campo de concentração
de Auschwitz com o papa João Paulo II tenha me feito ler com terror a palavra
“deportação” usada em um decreto do ministro da Justiça de Bolsonaro, o ex-juiz
Sérgio Moro, em que ele defenda que sejam “deportados” do Brasil os
estrangeiros considerados perigosos.
Bolsonaro,
em seus poucos meses de Governo, já deixou claro que em sua política de extrema
direita, autoritária e com contornos nazistas, cabem somente os que se submetem
às suas ordens. Todos os outros atrapalham. Para ele, por exemplo, todos os
tachados de esquerda seriam os novos judeus que deveriam ser exterminados,
começando por retirá-los dos postos que ocupam na administração pública. Seu
guru intelectual, Olavo de Carvalho, chegou a dizer que durante a ditadura
30.000 comunistas deveriam ter sido mortos e o presidente não teve uma palavra
de repulsa. Ele mesmo já disse durante a campanha eleitoral que com ele as
pessoas de esquerda deveriam se exilar ou acabariam na cadeia.
Inimigo
dos defensores dos direitos humanos, dos quais o governador do Rio, Witzel, no
mais puro espírito bolsonarista, chegou a afirmar que são os culpados pelas
mortes violentas nas favelas, Bolsonaro mal suporta os diferentes como os
indígenas, os homossexuais, os pacíficos que ousam lhe criticar. Odeia todos
aqueles que não pensam como ele e, ao estilo dos melhores ditadores, é inimigo
declarado da imprensa e da informação livre.
Sem
dúvida, o Presidente tem o direito de dizer que foi escolhido nas urnas com 53%
dos votos, que significaram 57 milhões de eleitores. Nesse sentido o problema
não é seu. Os que votaram nele sabiam o que pensava, ainda que talvez
considerassem seus desatinos de campanha como inócuos e puramente eleitoreiros.
O problema, agora que se sabe a que ele veio, e que se permite insultar
impunemente gregos e troianos começando pelas instituições bases da democracia,
mais do que seu, é da oposição.
Essa
oposição, que está muda e parece impotente e distraída, demonstra esquecer a
lição da história. Em todos os movimentos autoritários do passado moderno, os
grandes sacerdotes da violência começaram sendo vistos como algo inócuo. Como
simples fanfarrões que ficariam somente nas palavras. Não foi assim e diante da
indiferença, quando não da cumplicidade da oposição, acabaram criando
holocaustos e milhões de mortos, de uma e outra vertente ideológica.
Somente
os valores democráticos, a liberdade de expressão, o respeito às minorias e aos
diferentes, principalmente dos mais frágeis, sempre salvaram o mundo das novas
barbáries. De modo que o silêncio dos que deveriam defender a democracia pode
acabar deixando o caminho aberto aos autoritários, que se sentem ainda mais
fortes diante de tais silêncios.
Nunca
existiram democracias sólidas, capazes de fazer frente aos arroubos
autoritários, sem uma oposição igualmente séria e forte, que detenha na raiz as
tentações autoritárias. Há países nos quais assim que se cria um governo
oficial, imediatamente a oposição cria um governo fictício paralelo, com os
mesmos ministros, encarregados de vigiar e controlar que os novos governantes
sejam fieis ao que prometeram em suas campanhas e, principalmente, que não se
desviem dos valores democráticos. Sem oposição, até os melhores governos
acabarão prevaricando. E o grande erro das oposições, como vimos outras vezes
também no Brasil, foi esperar que um presidente que começa a prevaricar e se
corromper se enfraqueça sozinho. Ocorrerá o contrário. Crescerá em seu
autoritarismo e quando a oposição adormecida perceber, estará derrotada e
encurralada.
Nunca
em muitos anos a imagem do Brasil no mundo esteve tão deteriorada e causando
tantas preocupações como com essa presidência de extrema direita que parece um
vendaval que está levando pelos ares as melhores essências de um povo que
sempre foi amado e respeitado fora de suas fronteiras. Hoje no exterior não
existe somente apreensão sobre o destino desse continente brasileiro, há também
um medo real de que possa entrar em um túnel antidemocrático e de caça às
bruxas que pode condicionar gravemente seu futuro. E já se fala de possíveis
sanções ao Brasil por parte da Europa, em relação ao anunciado ataque ao
santuário da Amazônia.
O
Brasil foi forjado e misturado com o sangue de meio mundo que o fizeram mais
rico e livre. Querer ressuscitar das tumbas as essências de morte do nazismo e
fascismo, com a vã tentativa da busca da essência e pureza da brasilidade é uma
tarefa inútil. Seria a busca de uma pureza que jamais poderá existir em um país
tão rico em sua multiplicidade étnica, cultural e religiosa. Seria, além de uma
quimera, um crime.
Urge
que a oposição democrática e progressista brasileira desperte para colocar um
freio nessa loucura que estamos vivendo e que os psicanalistas confirmam que
está criando tantas vítimas de depressão ao sentirem-se esmagadas por um clima
de medo e de quebra de valores que a nova força política realiza impunemente.
Que a oposição se enrole em suas pequenezas partidárias e lute para ver quem
vai liderar a oposição em um momento tão grave, além de mesquinho e perigoso é
pueril e provinciano.
Há
momentos na história de um país em que se os que deveriam defender os
princípios da liberdade e da igualdade cruzam os braços diante da chegada da
tirania, incapazes até de denunciá-la, amanhã pode ser tarde demais. E então de
nada servirá chorar diante dos túmulos dos inocentes.
__________________________
Por
Juan Arias, no El País.
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