Imagine
o seguinte cenário: você está com 16 anos, iniciando sua carreira como jogador
profissional (com todos os anseios e dúvidas que essa escolha acarretará para a
sua vida), joga muita bola e é convocado de primeira para representar o seu
país numa Copa do Mundo. Se trataria com certeza de um fenômeno no meio do
futebol, não? Haveria milhares de times grandes e empresários interessados em
saber quem seria esse “raio”.
Publicado
originalmente no Cenas Lamentáveis
No
mercado atual, tal atleta valeria milhões, talvez seria uma daquelas
transferências de deixar todos boquiabertos por envolver tanto dinheiro. E se
eu te dissesse que tal atleta ajudou um país sem expressão na modalidade a
chegar na quarta colocação de uma Olimpíada, depois foi medalha de prata duas
vezes nas Olimpíadas seguintes, alcançou vários títulos com a seleção, foi
Campeão Mundial Interclubes, Tricampeão de Libertadores… Cracaço, não? Exaltado
pela mídia, com espaço garantido em toda e qualquer memória de um torcedor.
E
tem mais: esse jogador disputou seis Copas do Mundo, e o mesmo número de
Olimpíadas. Também é o atleta que mais vezes vestiu a camisa da Seleção (151
vezes) e está a 21 anos como titular do time. E se você soubesse que existe uma
pessoa com todas essas credenciais, e que mesmo assim não é tão reconhecida
quanto deveria ser, o que você diria? Talvez que é impossível. O que
justificaria a invisibilidade diante do público de um currículo tão vitorioso,
de tanto destaque?
Mas
ela é real. Essa atleta é brasileira, mulher, negra e enfrentou desde sempre o
preconceito de querer jogar e fazer crescer esse esporte “que é de homem” em
nosso país: Miraildes Maciel Mota. Mas talvez você a conheça mais por Formiga,
seu apelido que veio pela baixa estatura. Formiga nasceu em Salvador no ano de
1978, cresceu no subúrbio de Lobato se enfiando no meio dos meninos pra jogar,
apanhava dos irmãos por isso e ganha apenas R$ 9.000 por fazer parte da seleção
feminina permanente de futebol do nosso país. Em comparação às cifras do
mercado masculino da modalidade, ela ganha muito pouco mas não se incomoda com
isso. Luta para que o futebol feminino vire profissional no Brasil, para que
outras meninas possam ter a oportunidade e a comodidade de não passar por todas
as dificuldades que passou para chegar ao imenso currículo.
Formiga
representa o futebol que nos recusamos a ainda enxergar, que o brasileiro só
exalta quando chegam às Olimpíadas ou à Copa do Mundo da modalidade, mas vira
as costas para essas mulheres que buscam o seu lugar ao sol através da
bola. Ela é também a imagem da atleta
que venceu, mas que alerta para olharmos a tantas outras garotas que seguem
buscando condições mínimas para realizarem o seu sonho: serem jogadoras de
futebol. Por isso, o Cenas Lamentáveis publicamente agradece: Formiga, obrigado
por tudo que você representa e já conquistou para o nosso esporte.
O
futebol feminino precisa ser visto. Precisa ser profissionalizado.
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Uma das maiores representantes do nosso futebol. Foto: reprodução/Daniel Kfouri/Istoé2016 |