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que fazer o Ensino Médio em uma escola particular? Se a resposta for obter
aprendizagem suficiente para passar em vestibulares, grande parte das famílias
pagantes desperdiçou o alto investimento
financeiro. A conclusão é de um estudo das notas médias das instituições no
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2012, feito pelo pesquisador Ocimar
Alavarse, da Faculdade de Educação da USP. A análise revela que metade dos
alunos da rede privada têm desempenho equivalente àqueles que vêm da rede
estadual de ensino.
Segundo
o levantamento, 98% dos alunos da rede pública de todo o Brasil alcançaram até
560 pontos – a média foi de 479,4. Já entre as instituições particulares, 52%
dos alunos atingiram até 560 pontos, e a média foi um pouco maior, de 558,1
pontos. “Famílias que fazem sacrifícios e pagam mensalidades com o propósito de
ver os filhos na faculdade estão sendo enganadas, ao menos nesse ponto”,
afirma o autor da pesquisa. A constatação fica mais alarmante quando comparada
ao movimento de saída da classe média do ensino público para o privado. Nos
últimos cinco anos, com a melhora geral no nível de renda das classes mais
baixas, o total de matrículas na Educação Básica da rede pública caiu 3,8
milhões, enquanto cresceu 1,3 milhão na particular. “Muitos vão em busca de base para o Ensino Superior, mas é uma
ingenuidade”, conclui Alavarse.
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Professor Paulo Robson e alunos da EEM Santa Tereza da rede estadual de ensino, em Altaneira. Foto: Blog do Prof. Paulo. |
O
próprio recorte feito para chegar às notas médias é um claro indicativo de como
o propósito dos estudantes de instituições privadas é a faculdade. Foram
contabilizadas as escolas brasileiras que tinham mais de 50 alunos no último
ano do Ensino Médio e, entre esses, mais da metade tenha prestado o exame.
Instituições federais e municipais foram desconsideradas pela participação
reduzida. Das 18,5 mil escolas estaduais do Brasil, sobraram apenas 5,9 mil que
preenchiam as características buscadas, ou seja, em mais de dois terços a
maioria dos alunos sequer faz o Enem. Já entre as 7,8 mil particulares do País,
5 mil tinham o perfil, mostrando que o Ensino Superior – a que o exame é
principal canal de acesso – constitui alvo de seus alunos.
Não
se trata de igualdade entre as médias das unidades nos dois sistemas. As
tabelas construídas pelo pesquisador mostram que há diferenças entre escolas
públicas e particulares. Os pontos a mais das instituições pagas, no entanto,
não são suficientes para levar seus estudantes à aprovação direta, por exemplo,
pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que distribui vagas nas universidades
federais por meio das notas do Enem. Equivale a dizer que, embora com notas
diferentes, 98% das estaduais e 52% das privadas ficariam com vermelho na avaliação
e seriam reprovadas.
“O caso das públicas é dramático, mas não é
novidade”, afirma Alavarse. Na curva de distribuição das médias das
escolas, o que chama mais a atenção é que 16% teriam 449 pontos, se a média de
seus alunos fosse a nota da escola. Com isso, não conseguiriam sequer uma
certificação de conclusão do Ensino Médio, documento dado a quem não cursou a
etapa de ensino, mas faz a prova e obtém acima de 450 pontos. “Se o exame fosse aplicado à escola, esse
porcentual não teria direito a diploma”, lamenta.
As
escolas estaduais que ultrapassam essa pontuação não vão longe. Se for
considerado o estágio de 460 pontos, o total acumulado de escolas vai a 27,9%.
“Com uma margem de erro mínima, cerca de
um quarto oferece ensino abaixo do que o País estabelece como exigência para se
considerar que a pessoa tem o Ensino Médio”, afirma Alavarse. Raras
particulares têm essa média. As instituições privadas com notas de até 460 pontos
são apenas 0,8% do total.
Chance no vestibular
O
patamar em que as duas redes se veem juntas é o que seria exigido nos processos
seletivos para curso superior. No Sisu, os cursos mais concorridos exigem acima
de 700 pontos no Enem. O pesquisador usou como pontuação mínima para ter
chances em carreiras menos disputadas o recorte de 560 pontos. É esse o recorte
que deixa de fora 98% das públicas e 52% das particulares pesquisadas. “Estamos falando de uma média para tentar
vagas menos concorridas. Se formos falar em carreiras e universidades muito
seletivas, apenas aqueles colégios top, inacessíveis para a classe média, dão
chance”, avalia.
O
estudo de Alavarse foi elaborado para uma apresentação no Conselho Municipal de
Educação de São Paulo e ainda não está disponível para consulta na internet.
Diante das conclusões, ele e outros colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Avaliações Educacionais, do qual é coordenador na USP, estão debruçados sobre
os dados por alunos, para refinar a média por escola. “Isso aprofunda a análise, mas posso adiantar que os resultados seguem
na mesma direção.”
Rodrigo
Travitzki, integrante do grupo, desenvolveu tese de doutorado sobre os limites
do Enem como indicador de qualidade escolar. Uma das constatações é de que pelo
menos 75% da média da escola explica-se pela renda familiar e escolaridade dos
pais. De acordo com ele, sem levar em consideração o contexto socioeconômico,
há uma diferença relativamente grande entre as médias das notas de instituições
estaduais e privadas no exame, de 91 pontos. Porém, quando se retira a
influência do fator socioeconômico, apenas 26 pontos as separam. “Isso significa que a diferença entre os dois
tipos de escola é pelo menos três vezes menor do que se imagina”, afirma.
Para
Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a
consciência de que boa parte da rede particular não garante ensino de qualidade
poderia fazer com que mais pais participassem da busca por melhor educação. “O nosso problema é estrutural, muitos
professores são os mesmos nos dois sistemas. Mostrar as carências só na escola
pública reduz o debate e fortalece a privatização”, afirma.
O
professor Alavarse reconhece, no entanto, que o vestibular não é o único motivo
pelo qual famílias escolhem comprar um serviço que está disponível a todos por
financiamento público. “Muitos o fazem
pelas relações que seus filhos vão ter para a vida ou em busca de segurança e,
provavelmente, eles têm alguma razão”, diz.
Uma
pesquisa do Ibope Inteligência realizada com pais que tinham filhos em
instituições particulares em São Paulo, Distrito Federal, Aracaju, Salvador,
Curitiba e Porto Alegre, em 2010, apontou quais são as principais preocupações
das famílias com crianças e adolescentes em instituições particulares. Quando
perguntados sobre o que levavam em conta, o item mais lembrado, por 84% dos
entrevistados, foi “segurança”. “Qualidade de ensino” veio depois, com 81%. Na
sequência do que mais importa apareceram “disciplina”, com 74%, e “amizades”,
citadas por 56% dos pesquisados.
A
advogada Tatiana Panno Lombardi, moradora de Cajamar, na Grande São Paulo, tem
um filho de 15 anos matriculado no Ensino Médio em escola particular do
município. O resultado do estudo não a
surpreendeu. “Sei que não vai dar para
entrar em uma boa universidade só com o Ensino Médio que ele faz, e a gente já
imagina que vai pagar cursinho. Mesmo assim, jamais colocaria meus filhos em
escola pública”, afirma.
Ela
admite que não conhece as instituições da cidade, mas julga que “são péssimas”
pelo o que acompanha na mídia. “É um preconceito, sim, mas, pelo que
observamos em termos de notas baixas, greve, falta de professores, violência e
drogas, eu não arriscaria.” Atualmente, Tatiana gasta cerca de 750 reais
por mês entre mensalidade e lanche com o filho adolescente. A caçula, de 2
anos, também estuda em instituição particular. “Parte importante do nosso orçamento vai para Educação.”
Pais
que investem na educação dos filhos fazem falta no ensino público – não só
porque poderiam contribuir financeiramente com as escolas. Um estudo do
cientista político norte-americano Robert Dahl, morto este ano, mostrou que a
saída de famílias mais educadas da rede pública piora as perspectivas das
crianças que ficam. A partir de um exemplo de New Haven, em Connecticut, ele
explica que essas pessoas teriam mais condições de exigir padrões de qualidade,
mas se preocupam menos com a educação pública e mais com as unidades que
frequentam. Pior: podem se opor a maiores investimentos em Educação já que são
taxadas duplamente pelo serviço.
Alavarse
é contrário a campanhas contra a saída da classe média da escola pública: “Não tem de ser boa porque é frequentada por
um dado segmento, tem de ser boa e pronto”. Ainda assim, diz, poderia haver
equilíbrio entre os resultados, se o contexto socioeconômico fosse equivalente.
“A particular se sai melhor porque recebe
alunos melhores.”
Para
Travitzki, um dos pontos importantes do estudo é mostrar essa proximidade. “Apesar das dificuldades conhecidas na escola
pública, bons trabalhos são feitos. Se não reconhecermos isso, podemos entrar
num caminho perigoso, promovendo o sucateamento da rede e estimulando a
privatização gradual da educação, travestida de busca por qualidade”,
afirma. Ilusão que, em 52% dos casos, não resiste ao Enem.
A
análise é fruto da pesquisa feita por Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação
da USP e foi publicada originalmente no Carta na Escola