Líderes nacionais e internacionais da luta antirracista serviram de inspiração para nomes de brasileiros, segundo lista divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O levantamento feito mostrou quais são os nomes mais populares e inusitados entre os brasileiros. A lista de nomes do IBGE é liderada por Maria, com 12 milhões de registros, e José, com cinco milhões de pessoas no país.
Líder do quilombo dos Palmares, Dandara é um dos nomes mais populares, com 17.892 registros. O nome ocupa a 1.144ª posição na lista dos mais utilizados no país. O estado com mais Dandaras no Brasil, em números absolutos, é o Rio de Janeiro, com 2.593 pessoas, seguido pela Bahia, com 1.944 pessoas.
Dandara é uma das lideranças do Quilombo dos Palmares, um dos mais importantes marcos de resistência negra do país. Entre os séculos XVI e XVII, 30 mil pessoas chegaram a habitar a região, polo de resistência contra a escravidão no Brasil, localizado na Serra da Barriga, no atual estado de Alagoas.
Para o pesquisador e cientista social Lucas Obalerá, autor da pesquisa de mestrado “Orúkọ: o sentido político-filosófico dos nomes próprios de origem africana na diáspora brasileira”, publicada em 2023 na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a figura de Dandara assume um papel importante para o fortalecimento da memória negra.
“Todo o investimento do movimento negro e de mulheres negras no processo de visibilidade da figura feminina na luta e isso me leva a pensar sobre a importância que a construção de imaginários positivos em relação aos heróis e às heroínas do Brasil, porque os nomes estão ligados às referências culturais. Dandara é uma referência que foi construída”, explica
Obalerá acredita que esses nomes são uma forma de conectar pessoas negras à sua ancestralidade.
“O resgate dos ‘nomes ancestrais’ está ligado à valorização positiva da identidade, da história, da cultura e da ancestralidade negra. Trata-se de um caminho para romper com o referencial branco-ocidental que insiste em desumanizar e inferiorizar nossos modos de vida”.
Algumas referências internacionais da luta contra o racismo também podem estar entre os nomes mais populares entre os brasileiros. Malcolm, uma possível referência ao líder dos direitos civis norte-americanos Malcolm X, é o nome de 214 pessoas, sendo 110 em São Paulo e 20 no Rio de Janeiro. Obalerá acredita que a referência é uma leitura possível, mas exigiria estudos adicionais para confirmar a influência do líder entre os brasileiros.
Líderes africanos também são nomes de brasileiros
Assim como nos EUA de Malcolm X, a segregação espacial também foi um problema na África do Sul, que de 1948 a 1994 viveu sob o regime do Apartheid. Naquele período, pessoas negras não tinham a possibilidade de votar e ainda precisavam de um documento de autorização para frequentar regiões centrais de Joanesburgo e a Cidade do Cabo.
Nelson Mandela e Winnie Mandela foram dois importantes nomes na luta contra o Apartheid e reconhecidos internacionalmente. No Brasil, o sobrenome Mandela é usado por 142 pessoas, sendo 31 no estado de Minas Gerais.
Os processos de independência no continente africano começaram a partir de 1950 e influenciaram o universo dos negros brasileiros. Samora Machel liderou Moçambique na luta contra o colonialismo português, liberdade conquistada em 1975, e se tornou o primeiro presidente eleito democraticamente da nação africana.
No Brasil, 63 pessoas se chamam Samora, enquanto 3.009 pessoas têm o sobrenome de Samora, a maior parte no Espírito Santo, que tem 905 registros.
Apesar da documentação do IBGE, para o pesquisador Obalerá, nomes de origem africana não são algo recente da história brasileira.
“A retomada de nomes próprios de origem africana tem se afirmado como um movimento crescente no Brasil. Observam-se dois processos simultâneos: a nomeação de crianças negras com nomes africanos e o aumento de pessoas negras que se renomeiam, compreendendo a dimensão política, cultural e espiritual do nome”, afirma.
Ele conta que isso está ligado com a retomada das organizações de movimento negro, na segunda metade do século XX, que ganhou corpo com a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978.
“Embora atual, esse movimento não é inédito. Desde a década de 1980, o movimento negro brasileiro já destacava a importância de nomear as novas gerações com nomes africanos e de lideranças negras da luta antirracista, como parte da reconexão política e cultural com o continente africano”, explica.
Para Obelará, a manutenção dessa tendência na atualidade é uma forma de exaltar e fortalecer a memória da luta antirracista.
“No presente, essa prática representa um processo de ressignificação e ampliação do próprio sentido da luta política do movimento negro e de suas conquistas. Nomear crianças negras com palavras que exaltam nossa história e memória coletiva vitoriosa tem profundo valor simbólico e impacta diretamente a vida desse novo sujeito, que já nasce carregando um nome que dignifica sua existência negra”, conclui.
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Por Pedro Borges, na Alma Preta Jornalismo.

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