4 de dezembro de 2025

Educar para Curar Silêncios: A Importância de Ensinar Cultura Afro nas Escolas

 

(FOTO | Reprodução).

Mais de duas décadas após a criação da lei que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, São Paulo segue descobrindo que essa não é apenas uma pauta curricular — é um exercício de consciência coletiva. Em meio a avanços e ruídos, a iniciativa mostra que ensinar essa história vai muito além de cumprir uma norma: é sobre olhar para o Brasil com honestidade, reconhecer suas raízes e enfrentar os fantasmas que insistem em sobreviver no cotidiano.

Um episódio recente, em que uma escola pública recebeu policiais armados após a queixa de um pai por causa do desenho de um orixá feito por uma criança, simboliza bem o tamanho desse desafio. O fato expôs como o desconhecimento ainda produz medo — e como o preconceito, sustentado por séculos de racismo, aparece justamente quando a escola tenta fazer o oposto: educar, abrir diálogo, ampliar repertórios. E talvez esteja aí a maior importância dessa iniciativa: ela não é sobre conflito, mas sobre desfazer equívocos históricos com conhecimento.

Na capital paulista, esse movimento tem acontecido de várias formas, como a ampliação dos acervos literários. Em 2022, cerca de 700 mil livros com temática étnico-racial chegaram às escolas, criando novas portas de entrada para histórias que, por muito tempo, ficaram de fora. Documentos orientadores e formações de professores — como as conducentes pelo Núcleo de Educação para as Relações Étnico-Raciais e pelo Programa Multiplica Educação Antirracista — reforçam a ideia de que a escola precisa ser um espaço capaz de formar cidadãos conscientes, e não apenas repetidores de conteúdo.

Mas essa transformação acontece, sobretudo, no cotidiano da sala de aula, nos gestos de professores que insistem em tratar o tema com sensibilidade e coragem. A professora Núbia Esteves, há mais de vinte anos lecionando geografia, é uma dessas vozes que ajudam a construir pontes. Para ela, ensinar cultura afrodescendente é oferecer aos alunos a chance de ver o Brasil por inteiro, sem apagamentos e sem caricaturas. “Eu não trabalho religião. Eu ensino cultura”, costuma dizer — uma frase simples que revela muito sobre as confusões que ainda cercam o tema.

Nas atividades que conduz, os orixás surgem como referências culturais, da mesma forma que os deuses gregos ou as figuras das lendas indígenas. A comparação entre Iansã e Atena, Oxum e Afrodite, Xangô e Zeus — feita por meio de quadrinhos, cordéis e diálogos criados pelos estudantes — ajuda a mostrar que todas as sociedades criam mitos para explicar aquilo que é humano, profundo e, muitas vezes, inexplicável. Ao fazer isso, a professora convida a turma a olhar para essas narrativas sem medo e sem preconceito, percebendo nelas beleza, significado e herança.

O processo também abre espaço para conectar cultura e meio ambiente, já que muitos orixás se relacionam com elementos naturais. Assim, falar de Oxóssi pode levar a discutir preservação das florestas; falar de Iemanjá pode despertar reflexões sobre cuidado com o mar. A educação, nesse contexto, deixa de ser apenas “conteúdo” e passa a ser formação ética.

Ainda assim, Núbia sabe que o caminho é desafiador. Não é raro que alunos, influenciados por discursos externos, cheguem desconfiados, acreditando que estudar orixás significa falar de religião. Nessas horas, ela explica que esse medo é fruto de um processo histórico de demonização da cultura africana no Brasil. E que o papel da escola é justamente desmontar esse mito, mostrando que cultura não ameaça — ela amplia.

No fim, o que essa iniciativa revela é que ensinar cultura afro-brasileira não é apenas ensinar fatos: é reparar silêncios, reconhecer memórias e formar uma geração mais consciente da diversidade que compõe o país. É convidar alunos a olharem para si mesmos e para o outro com menos preconceito e mais humanidade.

Como diz a própria professora, esse processo é uma forma de descolonização — e talvez seja justamente isso que o Brasil mais precise aprender: que conhecer suas raízes não divide ninguém. Pelo contrário, nos torna capazes de caminhar para um futuro mais justo.

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Com informações da Revista Raça.

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