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Obra publicada pela EDUEPB sobre a vida de Paulo Freire vence Concurso Internacional de Literatura

(FOTO | Reprodução).

 

A Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB) obteve mais uma importante conquista. O livro “Paulo Freire: uma biografia em quadrinhos”, da escritora e historiadora paraibana Thuca Kércia Morais e do ilustrador Américo Filho, venceu o Concurso Internacional de Literatura 2023, promovido pela União Brasileira de Escritores, no Rio de Janeiro. A obra venceu o Prêmio Ziraldo, na categoria HQ.

Amílcar Cabral e Frantz Fanon inspiraram o pensamento de Paulo Freire

 

Frants Fanon e Amilcar Cabral, respectivamente. (FOTO | Reprodução | Montagem | blog Negro Nicolau).

Paulo Freire (1921-1997) é original e inovador e sua obra é amplamente reconhecida pelo mundo. Seu livro “Pedagogia do Oprimido” é considerado uma referência global e o terceiro texto mais citado nas Ciências Humanas. A intelectual e ativista norte-americana bell hooks, inclusive, atribui à obra a fagulha inicial de sua longa e frutífera carreira, como conta em “Ensinando a Transgredir”. Mas, como todos os grandes pensadores e pensadoras, o Patrono da Educação Brasileira não construiu suas teorias e práticas sozinho. Entre os que sustentam os pilares da obra freiriana, os pensadores Amílcar Cabral e Frantz Fanon ocupam um lugar central.

É difícil classificar Paulo Freire em uma corrente teórica porque ele usa muitas referências, quase sempre buscando a teoria para explicar a prática. Amílcar Cabral e Frantz Fanon, por exemplo, ofereceram a ele um método de interpretação da realidade para compreender a questão do colonialismo e o pensamento anticolonial”, explica Sérgio Haddad, doutor em História e Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP), um dos fundadores da Ação Educativa e autor da obra O Educador: um perfil de Paulo Freire.

 Amílcar Cabral, o pedagogo da revolução

Amílcar Cabral (1924-1973) nasceu em Guiné-Bissau, uma das colônias africanas de Portugal, e foi o líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Para ele, a libertação das colônias dependia mais da educação e de uma revolução cultural do que de uma luta armada, porque pouco adiantaria uma independência política se a cultura do dominador continuasse a ser reproduzida e admirada no lugar da valorização da cultura própria.

Toda a educação portuguesa deprecia a cultura e a civilização do africano. As línguas africanas estão proibidas nas escolas. O homem branco é sempre apresentado como um ser superior e o africano como um ser inferior. Os conquistadores coloniais são descritos como santos e heróis. As crianças adquirem um complexo de inferioridade ao entrarem na escola primária. Aprendem a temer o homem branco e a ter vergonha de serem africanos”, diz Cabral em “Unidade e Luta, a Arma da Teoria” (1978).

Poucos meses antes da libertação pela qual dedicou sua vida, Cabral foi assassinado por fascistas portugueses. Pela importância que Cabral dava à Educação e à formação humana, a Comissão de Educação da Guiné-Bissau recém-libertada decidiu convidar especialistas em abordagens decoloniais da Educação – entre eles, Paulo Freire – para desenvolver seu sistema educacional.

Você sabe a diferença entre descolonial e decolonial? O primeiro termo refere-se à libertação de nações que ainda estão sob domínio de outras, enquanto o segundo diz respeito aos países que já foram colônia um dia, mas não são mais, como é o caso do Brasil.

A missão do educador brasileiro era ajudar a criar um novo currículo que re-africanizasse a população. Uma escola com sentido para aquelas pessoas e que valorizasse a identidade local, retomando sua história, cultura e línguas, a partir do ponto de vista próprio, não mais do colonizador. Para Freire, isso tornaria as pessoas mais críticas e protagonistas, algo crucial após serem sujeitadas à passividade e subjugação de uma doutrinação colonial.

No Brasil, as pesquisadoras Ana Paula Cavalcanti e Slaine Senra Mattos do Amaral se debruçaram sobre a interlocução entre Freire e Cabral, que nunca chegaram a se conhecer pessoalmente. Freire entrevistou várias pessoas próximas a Cabral para compreender melhor seu pensamento e expressou em todas essas conversas enorme pesar por não tê-lo conhecido em vida. A análise dessas entrevistas, feita pelas pesquisadoras, foi publicada no artigo A prática educativa de Amílcar Cabral no processo de descolonização: diálogos de Freire em África, na Revista de Educação Popular (2021).

Freire chamava Cabral de Pedagogo da Revolução por ele ter começado a revolução por meio da pedagogia, ao montar centros de estudos e crer que a cultura, enquanto um ato político, liberta”, conta Slaine.

Vale a pena ouvir! As pesquisadoras Ana Paula Cavalcanti e Slaine Senra Mattos do Amaral produzem um podcast dedicado a explorar a vida e obra de Paulo Freire.

Durante seu trabalho em Guiné-Bissau, Freire personalizou todo o processo de alfabetização ao contexto sociocultural do país, inclusive linguístico, e trazia não apenas conteúdos técnicos e científicos, mas também debates e reflexões sobre a sociopolítica do país.

Freire insistia que as línguas nativas eram as que representavam ideologicamente ou simbolicamente as culturas daqueles países, o que contribuiria para a valorização da cultura que foi oprimida e para a construção de um pensamento próprio das comunidades negras”, afirma Sérgio.

A influência do revolucionário africano também é bastante evidente em obras de Paulo Freire como “Pedagogia da Esperança”, “Pedagogia da Tolerância”, “África Ensinando a Gente” e “Cartas a Guiné-Bissau”, e no pensamento comum a ambos de que “ninguém liberta ninguém”.

Cabral se utilizou do conhecimento científico do colonizador – formou-se em engenharia em Lisboa – e voltou para a colônia a fim de lutar pela libertação de seu povo. Ele chamou a isso de suicídio de classe, algo que também aparece em Frantz Fanon quando ele fala sobre a inveja do colonizador, e que significa abrir mão de uma posição de intelectualidade supostamente superior para atuar em conjunto e a serviço do povo. Em Freire, é a noção de que o professor não está acima dos estudantes e que tanto a educação quanto a libertação acontecem em comunhão”, explica Ana Paula Cavalcanti.

Frantz Fanon e o ponto de vista dos excluídos

Frantz Fanon (1925-1961), outra grande influência para Paulo Freire, foi um psiquiatra, filósofo e militante político da Frente de Libertação Nacional da Argélia, que analisou a colonização francesa em terras martinicanas, seu país de origem, a violência em processos de colonização e descolonização, bem como o lugar do negro frente aos brancos e aos embates coloniais.

Fanon foi pioneiro em analisar as deformações psicológicas que decorrem da opressão colonial. Durante a Guerra de Independência da França na Argélia, em que o filósofo teve um papel ativo, destacou a importância da “consciência de si” e de “seu lugar no mundo” para os argelinos.

Embora Freire também não o tenha conhecido pessoalmente, há estreito diálogo com suas produções, tanto que antes de publicar “Pedagogia do Oprimido”, lê “Os Condenados da Terra”, de Fanon, e decide revisar todo seu livro.

Ambos estavam atentos aos impactos coloniais, que de acordo com Freire afetam a substantividade do ser humano. Ambos criaram condições para transformar a sociedade, cada um com uma estratégia, mas ambos por meio de uma transformação revolucionária”, pontua Vivian Valério Dias, pesquisadora e membro do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Sintetizando seu pensamento e a influência de Fanon, em “Pedagogia da Autonomia” Freire enuncia: “o meu ponto de vista é o dos “Condenados da Terra”, o dos excluídos […] A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia. Quão longe dela nos achamos quando vivemos a impunidade dos que matam meninos nas ruas, dos  que assassinam camponeses que lutam por seus direitos, dos que discriminam os negros, dos que inferiorizam as mulheres […]. A mim me dá pena e não raiva, quando vejo a arrogância com que a branquitude de sociedades em que se faz isso, em que se queimam igrejas de negros, se apresenta ao mundo como pedagoga da democracia”.

A atualidade da Freire, Cabral e Fanon para o Brasil

A pedagogia de Paulo Freire nunca chegou a ser amplamente implementada no Brasil. Após a experiência do educador de alfabetizar jovens e adultos em menos de 40 horas, em Angicos (RN), Freire deixou o país em 1964 para fugir de perseguições do período de ditadura militar no país e só retornou em 1979. Até hoje, são algumas escolas, educadores e educadoras que seguem reverberando o pensamento freiriano em todas as suas práticas, e ainda há espaço para avançar em sua implementação efetiva nas redes escolares, sobretudo a perspectiva decolonial.

São séculos de submissão a uma cultura branca, europeia, que tem um modo de pensar o currículo que acaba reproduzindo as relações entre as pessoas, também de gênero e de raça, até hoje. Um pensamento decolonial traz outra perspectiva, um outro lugar de fala em que os ancestrais, sua cultura e seus símbolos, são trazidos à tona e valorizados”, diz Sérgio.

Retomando Darcy Ribeiro, antropólogo, sociólogo e ex-ministro da Educação do Brasil, Ana Paula destaca que uma educação libertadora não interessa à elite brasileira, composta majoritariamente por descendentes de colonizadores que atualizam os mecanismos da colonialidade para o presente, mantendo-se em espaços de privilégio.

Ainda prevalece no Brasil uma mentalidade altamente colonizada, presa ao desejo de servir e de ter o que o colonizador tem, porque seria supostamente melhor do que o que há no Brasil. Essa postura se estende da Europa aos Estados Unidos, reproduzindo a cultura, o mito da meritocracia e amor pelo opressor, que nesse caso não aparece na figura do colonizador, mas do empresário. Precisamos de uma educação libertadora não só por essas questões, mas porque quando uma educação não é libertadora, o desejo do oprimido é se tornar opressor”, sintetiza Ana Paula citando Paulo Freire.

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Texto de Ingrid Matuoka, originalmente em Educação Integral.

Como Amilcar Cabral inspirou a pedagogia de Paulo Freire

 

Ilustração de Anastasya Eliseeva.


A influência de Frantz Fanon no pensamento de Paulo Freire é bem conhecida, mas o patrono da educação brasileira também se inspirou muito em Amílcar Cabral, o intelectual revolucionário de Guiné-Bissau.

Amílcar Cabral nasceu em 12 de setembro de 1924 em Bafatá, Guiné-Bissau, uma das colônias africanas de Portugal. Foi morto em 20 de janeiro de 1973 por assassinos fascistas portugueses poucos meses antes de o movimento de libertação nacional, no qual desempenhou um papel central, para conquistar a independência da Guiné-Bissau.

Cabral e os demais líderes do movimento entenderam que estavam travando uma luta anticolonial mais ampla e numa guerra de classes global e, como tal, seus inimigos imediatos não eram apenas os governos coloniais de determinados países, mas o colonialismo português em geral. Durante 500 anos, o colonialismo português foi construído a partir do tráfico de escravos e da pilhagem sistemática das suas colônias africanas: Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Cabo Verde.

Apesar do enfoque mundial na luta do Vietnã, o dinamismo inspirador da campanha travada na Guiné-Bissau – juntamente com a figura de Cabral – chamou a atenção internacional. Na introdução a uma das primeiras coletâneas de escritos e discursos de Cabral, Basil Davidson descreveu ele como alguém que expressou um genuíno “interesse duradouro por todos e tudo que veio em seu caminho”.

Como resultado de seu papel como líder do movimento de libertação nacional por cerca de 15 anos, Cabral tornou-se um teórico amplamente influente da descolonização e da reafricanização não determinística e criativa. O educador de renome mundial Paulo Freire, numa apresentação em 1985 sobre as suas experiências na libertação da Guiné-Bissau como uma espécie de consultor militante, conclui que Cabral, juntamente com Che Guevara, representam “duas das maiores expressões do século XX”. Freire descreve Cabral como “um marxista muito bom, que fez uma leitura africana de Marx”. Cabral, para Freire, “viveu plenamente a subjetividade da luta. Por essa razão, ele teorizou” enquanto liderava.

Embora não seja totalmente reconhecida no campo da educação, a teoria e prática anticolonial de Cabral também aguçou e influenciou a trajetória do pensamento de Freire. Através do processo revolucionário liderado por Cabral, a Guiné-Bissau tornou-se líder mundial no que agora se poderia denominar como formas descoloniais de educação, o que comoveu Freire profundamente.

Cabral sabia que o povo não deve apenas compreender abstratamente a interação das forças por trás do desenvolvimento da sociedade, mas deve forjar uma prática anticolonial que concreta, coletiva e criativamente, se veja como uma dessas forças.

Cabral sabia que para derrotar o colonialismo português na Guiné-Bissau, a luta de libertação não poderia apenas reproduzir as táticas de lutas de outros contextos, como o de Cuba. Em vez disso, cada luta particular deve basear suas táticas em uma análise das especificidades de seu próprio contexto. Por exemplo, embora reconhecendo o valor dos princípios gerais que Che Guevara delineou em sua Guerra de Guerrilha, Cabral comentou que “ninguém comete o erro, em geral, de aplicar cegamente a experiência alheia ao seu próprio país. Para determinar as táticas de luta em nosso país, tivemos que levar em consideração as condições geográficas, históricas, econômicas e sociais de nosso próprio país.”

Cabral se concentrou nos desenvolvimentos políticos necessários para a construção de um movimento unido pela libertação nacional. Em suas formulações, ele argumentou que a luta armada estava intimamente ligada à luta política, ambas parte de uma luta cultural mais ampla.

A resistência, para Cabral, também é uma expressão cultural. O que isto significa é que “enquanto parte dessa gente pode ter uma vida cultural, a dominação estrangeira não pode ter a certeza da sua perpetuação”. Nessa situação, então, “em um dado momento, dependendo de fatores internos e externos … a resistência cultural … pode assumir novas formas (políticas, econômicas e armadas), a fim de … contestar a dominação estrangeira”. Na prática, as culturas indígenas ainda vivas que conduziram séculos de resistência anticolonial iriam se fundir organicamente com, e emergir de dentro, da libertação política e nacional dos movimentos socialistas.

Na prática, Cabral promoveu o desenvolvimento da vida cultural do povo. Cabral encorajou não apenas um esforço militar mais intensificado contra os portugueses, mas um esforço educacional mais intensificado nas áreas libertadas da Guiné-Bissau. Mais uma vez, embora o movimento anticolonial e o processo educacional de descolonização do conhecimento sejam muitas vezes falsamente apresentados como distintos ou mesmo antagônicos, Cabral os conceituou como dialeticamente inter-relacionados:

Criar escolas e difundir a educação em todas as áreas libertadas. Selecionar jovens entre 14 e 20 anos, aqueles que tenham completado pelo menos o quarto ano, para continuar sua formação. Opor sem violência todos os costumes preconceituosos, os aspectos negativos das crenças e tradições de nosso povo. Obrigue cada membro responsável e educado de nosso partido a trabalhar diariamente para o aprimoramento de sua formação cultural. 

Uma parte central do desenvolvimento dessa consciência revolucionária foi o processo de re-africanização. Não se tratava de um apelo ao passado, mas sim de uma forma de recuperar a autodeterminação e construir um novo futuro no país.

Opor-se entre os jovens, principalmente os maiores de 20 anos, a mania de deixar o país para estudar em outro lugar, a ambição cega de se formar, o complexo de inferioridade e a ideia equivocada que leva a crer que quem estuda ou faz os cursos se tornarão, assim, privilegiados em nosso país amanhã.

Cabral incentivou uma pedagogia de paciência e compreensão como a abordagem correta para conquistar e fortalecer o movimento.

Por isso Paulo Freire descreve Cabral como um daqueles “líderes que está sempre com o povo, ensinando e aprendendo mutuamente na luta de libertação”. Como pedagogo da revolução, para Freire, a “preocupação constante” de Cabral era a “paciente impaciência com que invariavelmente se entregava à formação política e ideológica dos militantes”.

Este compromisso com o desenvolvimento cultural do povo como parte de uma luta mais ampla pela libertação influenciou seu trabalho educacional nas zonas libertadas. Paulo Freire escreve que também informava “a ternura que demonstrava quando, antes de ir para a batalha, visitava as crianças nas escolinhas, compartilhando suas brincadeiras e sempre tendo a palavra certa para lhes dizer. Ele as chamava de ‘flores da nossa revolução’”.

Como pedagogo da revolução, Davidson se refere a Cabral como “um educador supremo no sentido mais amplo da palavra”.

A importância da educação foi elevada a novos patamares por Cabral a cada oportunidade. Portanto, fazia sentido para a Comissão de Educação da Guiné-Bissau recém-libertada convidar o maior especialista do mundo em abordagens descoloniais da educação, como Paulo Freire, para participar do desenvolvimento de seu sistema de educação.

Paulo Freire fazia parte de uma equipe do Instituto de Ação Cultural do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas. Sua tarefa era ajudar a erradicar o resíduo colonial que restou como consequência de gerações de educação colonial destinadas a desafricanizar o povo. Assim como o modelo capitalista de educação terá que ser substituído ou severamente refeito, o modelo colonial de educação teve que ser desmontado e reconstruído novamente.

A educação colonial herdada tinha como um dos seus principais objetivos a desafricanização dos nacionais. Foi discriminatório, medíocre e baseado no verbalismo. Não poderia contribuir em nada para a reconstrução nacional porque não foi constituída para este fim.

O modelo colonial de educação foi projetado para fomentar um sentimento de inferioridade na juventude. A educação colonial com resultados predeterminados busca dominar os alunos tratando-os como se fossem objetos passivos. Parte desse processo foi negar a história, cultura e línguas do povo. Da forma mais cínica e perversa, a escola colonial transmitia a mensagem de que a história dos colonizados realmente só começava “com a presença civilizadora dos colonizadores”.

Na preparação para a visita, Freire e sua equipe estudaram as obras de Cabral e aprenderam o máximo possível sobre o contexto. Refletindo sobre um pouco do que aprendeu com Cabral, apesar de nunca o ter conhecido, Freire diz o seguinte:

Com Cabral, aprendi muitas coisas… Mas aprendi uma coisa que é necessária para o educador progressista e para o educador revolucionário. Eu faço uma distinção entre os dois: para mim, um educador progressista é aquele que trabalha na sociedade de classes burguesas como a nossa, cujo sonho vai além de apenas melhorar as escolas e o que precisa ser feito. E vai além porque o que [eles] sonham é a transformação radical de uma sociedade burguesa de classes em uma sociedade socialista. Para mim, este é um educador progressista. Considerando que um educador revolucionário, a meu ver, é aquele que já se encontra situado em um nível muito mais avançado, tanto social quanto historicamente, dentro de uma sociedade em processo.

Para Freire, Cabral foi certamente um educador revolucionário avançado. Rejeitando a predeterminação e o dogmatismo, a equipe de Freire não construiu planos de aula ou programas antes de ir para a Guiné-Bissau para serem impostos ao povo.

Ao chegar no país, Freire e seus colegas continuaram a ouvir e discutir o que aprenderam com as pessoas. Somente aprendendo sobre o trabalho educacional do governo revolucionário eles poderiam avaliá-lo e fazer recomendações. A orientação, isto é, não pode ser oferecida fora da realidade concreta do povo e de sua luta. Esse conhecimento não pode ser conhecido ou construído sem a participação ativa dos alunos como um coletivo.

Freire tinha consciência de que a educação que estava sendo criada não poderia ser feita “mecanicamente” e deveria ser formulada pelo “projeto da sociedade a ser criada”. Embora Cabral tenha sido assassinado, seus escritos e sua liderança ajudaram na criação de uma força com a clareza política necessária para conter a resistência emergente daqueles que ainda carregavam a velha ideologia.

Por meio deste processo, os líderes revolucionários encontrariam professores “capturados” pela velha ideologia que trabalhavam conscientemente para minar a nova prática descolonial. Outros, no entanto, também conscientes de que são capturados pela velha ideologia, ainda assim se esforçavam para se libertar dela. O trabalho de Cabral sobre a necessidade da classe média, incluindo os professores, cometer suicídio de classe, foi instrutivo. A classe média tinha duas opções: trair a revolução ou cometer suicídio de classe.

O trabalho para construir um sistema de educação reconstituído já estava em andamento durante a guerra nas zonas libertadas. O desafio pós-independência era melhorar tudo o que havia sido realizado em áreas que foram liberadas antes do fim da guerra. Nessas áreas libertadas, concluiu Freire, os trabalhadores, organizados através do partido, “tomaram nas mãos a questão da educação” e criaram “uma escola de trabalho, intimamente ligada à produção e dedicada à formação política dos educandos”.

Ao descrever a educação nas zonas libertadas, Freire afirma que ela “não só expressou o clima de solidariedade induzido pela própria luta, mas também o aprofundou. Encarnando a presença dramática da guerra, buscou o passado autêntico do povo e se ofereceu para o seu presente”.

Depois da guerra, o governo revolucionário decidiu não fechar as escolas coloniais restantes enquanto um novo sistema estava sendo criado. Em vez disso, eles “introduziram algumas reformas fundamentais capazes de acelerar as transformações radicais”. Por exemplo, os currículos que estavam saturados de ideologia colonialista foram substituídos. Os alunos, portanto, não aprenderiam mais a história da perspectiva dos colonizadores. A história da luta de libertação contada pelos ex-colonizados foi um acréscimo fundamental.

No entanto, uma educação revolucionária não se contenta em simplesmente substituir o conteúdo a ser consumido passivamente. Em vez disso, os alunos devem ter a oportunidade de refletir criticamente sobre seu próprio processo de pensamento em relação às novas ideias. Para Freire, esse é o caminho pelo qual os sujeitos passivos da doutrinação colonial começam a se tornar sujeitos mais ativos.

Freire e sua equipe procuraram “ver o que realmente estava acontecendo nas limitadas condições materiais que sabíamos que existiam”. O objetivo claro era, portanto, “descobrir o que poderia ser feito de melhor nessas condições e, se isso não fosse possível, pensar em formas de melhorar as próprias condições”.

O que Freire e sua equipe concluíram foi que “os alunos e trabalhadores estavam engajados em um esforço preponderantemente criativo”, apesar dos muitos desafios e poucos recursos materiais. Ao mesmo tempo, caracterizaram “os erros mais evidentes” que observaram como resultado da “impaciência de alguns dos professores que os levou a criar as palavras em vez de desafiar os alunos a fazê-lo por si próprios”.

O trabalho e a prática de Freire inspiraram o que se tornou um movimento pedagógico crítico mundial. Cabral é uma influência centralmente importante, embora em grande parte não reconhecida, desse movimento. No último livro escrito antes de sua morte, intitulado Cartas a quem ousa ensinar, a influência de Cabral sobre Freire parece ter permanecido central, pois ele insistiu que o livro era “importante para lutar contra as tradições coloniais que trazemos conosco”.

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Com informações do Jacobin.

5 lições de Paulo Freire para a educação brasileira

 

(FOTO/ Reprodução).

Para começar, falar sobre Paulo Freire é lembrar de um grande educador brasileiro. Isso porque a força de um legado se mede pela relevância que mobiliza gerações ao longo do tempo. Em um contexto de reestruturação das bases sociais, ambientais e econômicas, as contribuições deixadas por Paulo Freire para a educação brasileira, e para a pedagogia de maneira geral, são essenciais.

O Patrono da Educação Brasileira é considerado um dos grandes pensadores da educação mundial. Além de representar um marco para a política de alfabetização nacional. Com obras traduzidas para mais de 20 idiomas, prêmios internacionais e uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz, Paulo Freire prova que ações locais têm impacto global.

O que caracterizou o trabalho desenvolvido por ele entre as décadas de 1950 e 1990 foi o reforço da cultura de paz e a crença em uma educação democrática e igualitária. Tais teorias se mantêm atuais, sobretudo diante dos desafios trazidos pela pandemia, e ajudam a traçar parâmetros para as soluções que serão construídas daqui para frente.

Relembre 5 lições de Paulo Freire que inspiram a educação brasileira até os dias de hoje.

1. Educação para a cidadania

Um dos principais conceitos da teoria de Paulo Freire fala sobre uma educação orientada para a cidadania. Para o pedagogo, um processo de aprendizagem bem conduzido leva em conta a realidade dos estudantes e da comunidade escolar, estabelecendo uma conexão entre cultura, conhecimento e sociedade.

Ao despertar a consciência sobre os problemas e as potencialidades do sistema que o cerca, o indivíduo tem mais chances de encontrar soluções coletivas a partir dos conhecimentos que adquiriu.

2. Aprendizagem significativa e contextualizada

Paulo Freire dedicou sua carreira à alfabetização de jovens e adultos, atento às desigualdades no acesso à educação. Foi a partir da observação cuidadosa da realidade de seus estudantes, que o pedagogo passou a buscar alternativas para o modelo tradicional de escolarização. A busca resultou em um método de alfabetização que o tornou reconhecido nacional e internacionalmente.

A metodologia, que leva seu nome, usa palavras do cotidiano dos estudantes para engajá-los em um processo significativo de aprendizagem. Dessa forma, os aprendizes são introduzidos ao mundo letrado ao mesmo tempo em que estabelecem conexões com o mundo que os cerca.

3. Autonomia e escuta ativa

A preocupação de Paulo Freire era também desenvolver habilidades como a autonomia e protagonismo, para além do sucesso na alfabetização. Parte importante do processo é estabelecer uma relação horizontal entre educadores e estudantes, em que a escuta ativa cumpre um papel central na construção de conhecimentos.

Na concepção do pedagogo, todos somos seres inacabados. Portanto, estamos sujeitos a transformações contínuas. Sendo assim, a troca mútua de saberes se revela muito mais efetiva quando feita através do diálogo.

4. Ação local, impacto global

Paulo Freire escreveu obras marcantes, como “Pedagogia do Oprimido” (1968), durante os 16 anos em que permaneceu em exílio, após o golpe militar de 1964. E trabalhou com projetos de ação educativa em cerca de 30 países.

Recebeu honrarias como o Prêmio UNESCO de Educação para a Paz e a indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 1995, por suas contribuições para a pedagogia. Mais de 350 escolas levam seu nome ao redor do mundo.

5. Políticas públicas integradas

O pedagogo assumiu o cargo de secretário municipal de educação da cidade de São Paulo quando retornou ao Brasil, no ano de 1989. Em seu mandato, Paulo Freire defendeu, principalmente, três pilares: recuperação salarial dos educadores; revisão curricular; e programas de alfabetização, sobretudo de jovens e adultos.

Paulo Freire entendia as políticas públicas integradas como um caminho possível para alcançar o desenvolvimento da educação pública, democrática e de qualidade em que acreditava.

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Com informações da Fundação Telefônica Vivo.

Seis pontos que reafirmam o lugar de Paulo Freire na educação


Paulo Freire, educador brasileiro, é uma das referências mais citadas em trabalhos
acadêmicos pelo mundo. (FOTO/ Reprodução/ CartaCapital).

Entra ano, sai ano e o educador Paulo Freire segue sob ataque de integrantes do governo Bolsonaro. Ao longo de 2019, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da educação Abraham Weintraub vincularam inúmeras vezes a baixa qualidade da educação brasileira ao pernambucano, e se esforçaram (muito!) em manchar a memória do educador. “Energúmeno” e “vodu, sem comprovação científica” são apenas alguns dos baixos predicados atrelados ao educador pela dupla bolsonarista.

TV Escola “deseduca” e Paulo Freire é um “energúmeno”, diz Bolsonaro


Jair Bosonaro. (FOTO/ Alan Santos/ PR).


O presidente Jair Bolsonaro chamou, nesta segunda-feira 16 pela manhã, a programação da TV Escola de “totalmente de esquerda” e voltou a atacar o educador Paulo Freire, chamando-o de “energúmeno”.

A educação Popular não começa com Paulo Freire, diz Alex Ratts


Ironides Rodrigues ministra aula de alfabetização para jovens e adultos
 inscritos no Teatro Experimental do Negro. Rio de Janeiro, 1945.
(FOTO/Reprodução/Alex Ratts).

Texto | Nicolau Neto

No último dia 19 de setembro o Brasil relembrou o nascimento de Paulo Reglus Neves Freire. O pernambucano mais tarde se tornaria o educador mais conhecido e influente no mundo.

Hoje na História - Nasce o educador Paulo Freire, autor da "Pedagogia do Oprimido"


Paulo Freire. (FOTO/Reprodução).

Texto | Nicolau Neto.

Na segunda década do século XX, em Recife (PE), nascia Paulo Reglus Neves Freire. Mais tarde ele se tornaria o educador brasileiro mais conhecido e influente no mundo.

Eduardo Bolsonaro pergunta qual o legado de Paulo Freire e vira piada nas redes


(FOTO/Reprodução).
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) virou motivo de piada nas redes sociais por desafiar “a esquerda” a dizer quem foi Paulo Freire e seu legado para a educação nacional.

Diariamente mostramos quem é Olavo de Carvalho @opropriolavo. Falta o pessoal da esquerda agora dizer quem é Paulo Freire e o seu legado na educação nacional…”, escreveu o filho do presidente em seu Twitter na noite de sábado (13).

Paulo Freire é homenageado em escolas e universidades estrangeiras


Umas das obras de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido é a terceira mais citada nas ciências humanas.
(Painel de Luiz Carlos Cappellano).

A Pedagogia do Oprimido é o terceiro texto mais citado nas ciências sociais e humanas, segundo levantamento de Elliot Green, da Escola de Economia de Londres. Pela sua importância, a obra escrita durante o exílio, no Chile, há 50 anos, é considerada pela Unesco como patrimônio da humanidade.

A obra e seu autor, o educador brasileiro Paulo Freire, são reconhecidos no mundo inteiro, sendo ainda referências e objeto de estudo em diversas universidades.

No Brasil, porém, Freire tem sido execrado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e seus seguidores. Tanto que em seu programa de governo ele se compromete a "expurgar a pedagogia de Paulo Freire".

Mal sabe ele que escolas e universidades de diversos países se inspiram nas ideias do educador. Inclusive os Estados Unidos, tão reverenciado por Bolsonaro, que chega ao ponto de bater continência diante da bandeira norte-americana.





Comissão no Senado rejeita e Paulo Freire continua como Patrono da Educação Brasileira



A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado rejeitou nesta sexta-feira (14) uma sugestão legislativa que tinha como objetivo retirar do educador Paulo Freire o título de Patrono da Educação Brasileira. A relatora, senadora Fátima Bezerra (PT-RN), classificou a proposta como censura ideológica.

Seria um crime de lesa-pátria revogar a lei que conferiu a Paulo Freire o título de Patrono da Educação Brasileira. No momento de crise e desesperança que o Brasil atravessa, deveríamos na verdade resgatar o legado freireano”, disse a senadora em seu relatório.

Paulo Freire foi declarado Patrono da Educação Brasileira em 2012, em reconhecimento à vida e obra do educador e filósofo. Ele é tido como um dos principais pensadores da história da pedagogia mundial.

A proposta para retirar o título de Paulo Freire foi apresentada por grupos de direita ao Senado por meio do portal e-Cidadania e recebeu 23,3 mil apoios assinaturas, a maior parte delas falsificadas ou emitidas por robôs.

Com a rejeição, a sugestão foi arquivada. (Com informações da Agencia Brasil).





Assembleia Legislativa do Ceará fará homenagem ao educador Paulo Freire


A Assembleia Legislativa do Ceará realizará na próxima segunda-feira, 11, sessão solene em alusão aos 20 anos da morte do educador e filósofo Paulo Freire. Na ocasião, será entregue placa comemorativa à esposa do pensador pernambucano, Nita Freire.

A homenagem será realizada às 18h, no plenário da Assembleia, e atende requerimento do deputado Renato Roseno (Psol). Segundo ele, o educador deixou inquestionável legado, não somente de uma pedagogia crítica, mas uma reflexão sobre o papel de uma educação libertadora na construção de um novo projeto de sociedade.

O ponto de partida era o compromisso com a leitura crítica da realidade e o apelo à tomada de posição, pensando a educação e a aprendizagem como processo coletivo e permanente, uma vez  que entendia o ser humano em permanente processo de aprendizado. A contribuição  dele não foi só no Brasil, e sim  em vários países, especialmente no continente africano”, diz.

Educador, pedagogo e filósofo

Paulo Reglus Neves Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, no Recife. Após trabalhos em diversos órgãos sociais da capital pernambucana, assumiu a diretoria do Departamento de Educação e Cultura do Serviço Social do estado. Nesta posição, desenvolveu metodologia única de ensino voltada para analfabetos pobres, replicada posteriormente em diversos países.


Preso pela Ditadura Militar acusado de “subverter a ordem”, foi exilado no Chile, onde trabalhou em programa de educação para adultos. Foi professor na Universidade de Harvard e também consultor do Conselho Mundial de Igrejas, sediado em Genebra, na Suíça. (Com informações de Carlos Mazza, do O Povo/ Agência Assembleia).

Sede da Assembleia Legislativa do Ceará. (Foto: Divulgação).

Educadores condenam proposta do Escola sem Partido contra Paulo Freire


Movimentos ultraconservadores querem tirar de Paulo Freire o título de Patrono da Educação Brasileira. Proposta legislativa de autoria do Escola sem Partido obteve as 20 mil assinaturas necessárias para que o Senado discuta a 'desomenagem'. Especialistas ouvidos pelo DIA condenam a iniciativa. O jornal também enviou, terça-feira, perguntas a 182 nomes escolhidos aleatoriamente da lista remetida ao Senado. Veja o resultado da sondagem ao lado.


Segundo o pedido, proposto por Stefanny Papaiano e cheio de erros de português (em destaque), "Paulo Freire é considerado filosofo de esquerda e seu metodo de educação se baseia na luta de classes, o socio construtivismo é a materialização do marxismo cultural, os resultados são catastroficos e tal metódo ja demonstrou em todas as avaliações internacionais que é um fracasso retumbante. O professor Pierluigi Piazzi ja alertava para o fracasso do metodo e vemos na pratica o declinio da eduacação brasileira, não é possivel manter como patrono da nossa educação o responsavel pelo metodo que levou a educação brasileira para o buraco". Não foi dito quais seriam essas avaliações.

A meta era atingir 20 mil assinaturas em quatro meses, número exigido para que a proposta se tornasse sugestão legislativa. Mas em apenas um mês parou na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado.

A lei que condecorou o pedagogo foi apresentada pela deputada federal Luiza Erundina (Psol-SP) e sancionada pela presidente Dilma em 2012. Erundina conversou com O DIA. "Esse fato inusitado é incompreensível", resume. "Freire recebeu dezenas de títulos de doutor honoris causa em diversos países, mas o Brasil não reconhece o nosso patrimônio humano", emenda. "Não me surpreende que esse retrocesso dos direitos e das conquistas do povo esteja acontecendo, mas me entristece e nos envergonha diante do exterior." O patrono foi secretário da Educação de São Paulo, durante a gestão de Erundina como prefeita (1989-1992).

Ideal iluminista

Daniel Medeiros, doutor em Educação Histórica pela UFPR, considera a iniciativa uma agressão. "Quem quer tirar esse título do Paulo Freire não o ofende nem agride, pois que já está morto e enterrado há tempos. Agride a ideia de uma Brasil livre para todos", destaca. "Esse título não lembra apenas a pessoa que ele foi, mas a causa que ele representou: a buscar, incessantemente, efetivar a máxima iluminista de liberdade, igualdade e fraternidade", completa.

Secretário estadual de Educação, Wagner Victer afirma que a ação do Escola sem Partido é descabida. "Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro foram grandes ícones referenciais para a formação do sistema educacional do país", assinala. "As homenagens aos brasileiros devem ser feitas em função das suas contribuições ao país. Desqualificar contribuições históricas acaba alimentando conflitos de maneira desnecessária", pontua.

O ministro da Educação, Mendonça Filho, foi diplomático. "A discussão sobre o projeto que propõe mudança no título de patrono da Educação concedido ao educador Paulo Freire está no âmbito do Legislativo. O ministro afirma que respeita o debate democrático e que, a despeito de quaisquer visão ideológica, Freire teve um papel histórico na Educação brasileira", diz nota.

Frente tenta barrar a iniciativa

Respeitado educador, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) também acha o movimento "um absurdo completo". "As pessoas que fazem isso querem partidarizar a nação. Freire é um patrimônio do Brasil, e não da esquerda, como esse pessoal pensa." E promete: "Eu vou estar na linha de frente dos que vão lutar para que essa vergonhosa partidarização do simbolo nacional não progrida".

Educadores e entidades de todo o país já se movimentam para manter o nome de Paulo Freire como Patrono da Educação Brasileira. O manifesto de defesa, organizado pelo Instituto Paulo Freire, também angariou mais de 20 mil assinaturas na internet.

Comissão tem como arquivar

Ainda sem data prevista, os 19 senadores da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa vão debater e emitir um parecer sobre a ideia. Caso a comissão a aprove, o que demanda maioria simples, a sugestão vira proposição legislativa e é encaminhada à Mesa para tramitar como projeto de lei.

A relatoria está a cargo da senadora Fátima Bezerra (PT-RN). "Lamento profundamente que chaguemos a esse ponto de alguém tomar a iniciativa de propor um projeto de lei para desomenagear a envergadura e a trajetória de Paulo Freire. Isso tudo é um reflexo dos tempos de intolerância em que vivemos. Tenho certeza de que meu parecer vai ser aprovado, essa insensatez não passará. Essas propostas são um desserviço ao povo."

Quem é Paulo Freire e o que ele representa

Morto em 1997, Paulo Freire é um dos mais famosos pedagogos brasileiros e ficou conhecido por defender uma educação voltada à "formação da consciência política". Em sua obra máxima, 'Pedagogia do Oprimido', o intelectual reforça que a Educação tem um papel fundamental para a superação da dicotomia social entre "opressores" e "oprimidos".

É o terceiro pensador mais citado em trabalhos acadêmicos no mundo, segundo levantamento feito pela London School of Economics em 2016. 'Pedagogia do Oprimido' é o único título brasileiro a aparecer na lista dos 100 livros mais requisitados nas listas de leituras exigidas pelas universidades de língua inglesa.

Freire condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das escolas (isto é, as "escolas burguesas"), que ele qualificou de "educação bancária". Nela, segundo Freire, o professor age como quem deposita conhecimento num aluno apenas receptivo, dócil. Em outras palavras, o saber é visto como uma doação dos que se julgam seus detentores.

Freire criticava a ideia de que ensinar é transmitir saber porque, para ele, a missão do professor era possibilitar a criação ou a produção de conhecimentos. Mas ele não comungava da concepção de que o aluno precisa apenas de que lhe sejam facilitadas as condições para o autoaprendizado. "Os homens se educam entre si mediados pelo mundo", escreveu.

O que dizem alguns dos apoiadores do abaixo-assinado

Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, o marechal Roberto Trompowski e Olavo de Carvalho, além de Pierluigi Piazzi, citado na proposta, foram algumas 'alternativas de patronos' dadas pelos apoiadores que responderam ao DIA por e-mail. A reportagem perguntou, também: "Você assinou petição sobre o patrono da Educação brasileira?" e "Qual sua opinião sobre os rumos do segmento no país?". Veja respostas:

"Paulo Freire contribuiu sobremaneira para o atual estágio de falência da educação no Brasil. Hoje, o que mais necessitamos é de foco e disciplina", escreveu Tales Villela.

"Formei-me no Ensino Médio público faz nove anos. Percebo uma queda na qualidade da Educação, falta de interesse dos alunos, insuficiência profissional dos professores, e o principal, aumento do viés ideológico de esquerda nas escolas, fruto da pedagogia do oprimido. Perceba nossos níveis educacionais comparados a outros países, os números falam por si só. De que adianta um país que goza de ensino público, aumento da população com nível superior, sendo que a maioria destes são analfabetos funcionais?", pondera Blademir Andrade de Lima.

Williamn Bull faz coro. "Infelizmente o rumo tem sido ruim nos últimos anos, com o abandono do ensino dando lugar à doutrinação ideológica. Em quase todas as disciplinas pode-se notar o viés ideológico quando aplicadas, seja por meio dos livros didáticos, seja pela prática de muitos professores", explica Willian, que sugere Anísio Teixeira no lugar de Freire.

"Paulo Freire não tem qualidade para ser o patrono da Educação brasileira, temos nomes que verdadeiramente contribuíram para essa causa de forma real, e não de forma política e perversa que só visava a tornar a Educação ineficaz e manter o povo como massa inculta", sublinha o funcionário público Arthur Gustavo Brito de Faria, 41 anos. "Por culpa de Paulo Freire, as escolas se tornaram fabricas de pessoas inaptas, onde o conhecimento não é fundamental e sim a assistência social", emenda. "Eu admiro Rui Barbosa, não só um educador, mas também um homem que entendia que a formação do cidadão depende da educação formal, ampla, e voltada para ciência", cita.

"Gente como o Paulo Freire, num país sério, seria considerado um terrorista", ataca Gilberto 'O Rabugento'. "Tenho 65 anos, e nesse tempo só vi um Brasileiro com "B", o e saudoso Darcy Ribeiro, que infelizmente ficou reduzido como pai dos Brizolões", assinala.

MBL de novo no centro do debate

O Escola sem Partido pulsa na mesma batida do Movimento Brasil livre, protagonista de recentes atos conservadores que dividiram opiniões. "O MBL está combatendo a pseudo unanimidade da esquerda", afirma Edson Nunes, ex-presidente do Conselho Nacional de Educação e sub-reitor da Candido Mendes. "O governo do PT usou o Paulo Freire como símbolo. Uma batalha por quem controla a cultura é o que está acontecendo atualmente", resume.

Henrique Sobreira, doutor em Educação pela Uerj, discorda. "O MBL se tornou uma instituição que resolveu perseguir pessoas ou instituições que se identificam com um discurso de esquerda. O caminho é esse de terrorismo de intimidação. A invasão a uma palestra sobre os 100 anos da Revolução Russa foi um absurdo", afirma.

Grupo mexeu até no Enem

O Escola sem Partido conseguiu alterar até as regras do Enem, cuja primeira prova será realizada hoje. A Justiça Federal suspendeu o item do edital que prevê nota zero para quem desrespeitar os direitos humanos na redação. A decisão é provisória e, até o fechamento desta edição, na sexta-feira, estava mantida. A redação do Enem será aplicada hoje. No pedido em tramitação no TRF1, a Associação Escola Sem Partido, autora, sustenta que a regra não apresenta critério objetivo e tem "caráter de policiamento ideológico".  (Com Informações de O Dia).

Por que as ideias de Paulo Freire ainda incomodam?


"Evidentemente, eu fui preso e exilado por causa da ditadura. A ditadura militar de 1964 não só considerou, mas disse por escrito e publicou que eu era um perigoso, subversivo internacional, um inimigo do povo brasileiro e um inimigo de Deus", diz Paulo Freire em entrevista dada à TV Cultura em 1989, quando relembra a perseguição sofrida durante o regime militar.

O educador e filósofo foi preso e ficou exilado durante 16 anos por causa de seus métodos inovadores de educação, com foco na transformação social.

"Meu gosto é que nós todos, brasileiros e brasileiras, meninos e meninas, velhos, maduros tomemos um tal gosto pela liberdade, pela presença no mundo, pela pergunta, pela criatividade, pela ação, pela denúncia, pelo anúncio que jamais seja possível no Brasil a gente voltar àquela experiência do pesado silêncio sobre nós", afirma Freire.

Após duas décadas da morte do educador popular, as ideias dele voltaram a ser consideradas perigosas. O título de Patrono da Educação Brasileira de Paulo Freire vai ser colocado em discussão no Congresso Nacional.

Desde 2013, nos protestos liderados por grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL), manifestantes vestidos de verde e amarelo ostentavam faixas pedindo fim à “doutrinação marxista” e um basta a pedagogia de Freire nas escolas.

O ódio contra o educador culminou em um abaixo-assinado online pela revogação da lei 12.612, de 2012, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, que concedeu o título a Freire. O documento atingiu as 20 mil assinaturas necessárias para se converter em sugestão legislativa e vai ser debatido no Senado Federal.

Para o professor da USP, Dennis de Oliveira, a rejeição ao legado do educador pernambucano reflete o aumento do conservadorismo no Brasil:

Há toda uma ação de extrema direita conservadora muito forte e o campo da educação, nesta situação em que vivemos hoje, tem sido o campo em que ainda há resistência progressista. Uma parte dos meios de comunicação de massa, infelizmente, aderiu a essa visão golpista e direitista, enquanto na educação a gente ainda tem iniciativa de professores e educadores que tentam formar o pensamento crítico”, opina.

Em 1963, Paulo Freire elaborou um projeto inédito e ousado: alfabetizar jovens e adultos em 40 horas. O novo método aplicado em Angicos, no Rio Grande do Norte, era baseado na experiência de vida e nas distintas realidades das pessoas. Para o educador, aprender sobre o mundo coexiste com a aprendizagem das palavras.

Em vez de cartilhas, ele trabalhava conceitos da realidade. Para um trabalhador rural que pouco cultivou as letras, mais do que juntar as sílabas e compreender que está escrito ‘tijolo’, por exemplo, era necessário entender quem faz o tijolo, quem são os que constroem as casas e quem são os donos delas.

O professor Oliveira trabalhou com Freire em 1989, quando o educador pernambucano foi nomeado secretário de Educação no Município de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina.

A frente da pasta, Freire vinculou o EJA, projeto de educação de jovens e adultos, à secretaria da educação. A preocupação do professor era com uma educação emancipadora, libertadora e de consciência crítica.

"Suas obras são reproduzidas em várias línguas, é uma referência internacional no campo da educação, da pedagogia e do pensamento filosófico. Ele propõe você pensar em uma estratégia de ação, junto com os movimentos sociais, em que você respeite a diversidade de saberes e conhecimentos", diz.

Os ensinamentos de Paulo Freire reverberam ainda hoje nos movimentos populares pelo Brasil e pelo mundo. Um deles é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que tem a educação popular como uma das bases da militância, segundo a coordenadora do setor de educação, Rubneuza Leandro.

"Paulo freire foi um dos grandes sistematizadores da educação popular, é uma concepção de educação em que ele coloca que a libertação do oprimido está com ele. Não é um iluminado que vem para libertá-lo, é no próprio oprimido que está a chave para a libertação e dentro dessa perspectiva de problematizar o que traz a opressão. E nisso, ele traz o elemento de classe: se tem um oprimido, é porque tem um opressor", expõe.

No Senado, a sugestão legislativa será debatida na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. A relatoria está a cargo da senadora Fátima Bezerra (PT - RN).

Educadores e entidades de todo o país já se movimentam para manter o nome de Paulo Freire como Patrono da Educação Brasileira. O manifesto de defesa, organizado pelo Instituto Paulo Freire, também angariou mais de 20 mil assinaturas na Internet. (Por Rute Pina, no Brasil de Fato).

Educador ficou exilado durante 16 anos, durante a ditadura militar, devido seus métodos inovadores de educação, com foco na transformação. (Foto: Reprodução Brasil de Fato).