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Obra publicada pela EDUEPB sobre a vida de Paulo Freire vence Concurso Internacional de Literatura
Amílcar Cabral e Frantz Fanon inspiraram o pensamento de Paulo Freire
Frants Fanon e Amilcar Cabral, respectivamente. (FOTO | Reprodução | Montagem | blog Negro Nicolau). |
Paulo
Freire (1921-1997) é original e inovador e sua obra é amplamente reconhecida
pelo mundo. Seu livro “Pedagogia do
Oprimido” é considerado uma referência global e o terceiro texto mais
citado nas Ciências Humanas. A intelectual e ativista norte-americana bell
hooks, inclusive, atribui à obra a fagulha inicial de sua longa e frutífera
carreira, como conta em “Ensinando a
Transgredir”. Mas, como todos os grandes pensadores e pensadoras, o Patrono
da Educação Brasileira não construiu suas teorias e práticas sozinho. Entre os
que sustentam os pilares da obra freiriana, os pensadores Amílcar Cabral e
Frantz Fanon ocupam um lugar central.
“É difícil classificar Paulo Freire em uma
corrente teórica porque ele usa muitas referências, quase sempre buscando a
teoria para explicar a prática. Amílcar Cabral e Frantz Fanon, por exemplo,
ofereceram a ele um método de interpretação da realidade para compreender a
questão do colonialismo e o pensamento anticolonial”, explica Sérgio
Haddad, doutor em História e Filosofia da Educação pela Universidade de São
Paulo (USP), um dos fundadores da Ação Educativa e autor da obra O Educador: um
perfil de Paulo Freire.
Amílcar
Cabral, o pedagogo da revolução
Amílcar
Cabral (1924-1973) nasceu em Guiné-Bissau, uma das colônias africanas de
Portugal, e foi o líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e
Cabo Verde. Para ele, a libertação das colônias dependia mais da educação e de
uma revolução cultural do que de uma luta armada, porque pouco adiantaria uma
independência política se a cultura do dominador continuasse a ser reproduzida
e admirada no lugar da valorização da cultura própria.
“Toda a educação portuguesa deprecia a
cultura e a civilização do africano. As línguas africanas estão proibidas nas
escolas. O homem branco é sempre apresentado como um ser superior e o africano
como um ser inferior. Os conquistadores coloniais são descritos como santos e
heróis. As crianças adquirem um complexo de inferioridade ao entrarem na escola
primária. Aprendem a temer o homem branco e a ter vergonha de serem africanos”,
diz Cabral em “Unidade e Luta, a Arma da
Teoria” (1978).
Poucos
meses antes da libertação pela qual dedicou sua vida, Cabral foi assassinado por
fascistas portugueses. Pela importância que Cabral dava à Educação e à formação
humana, a Comissão de Educação da Guiné-Bissau recém-libertada decidiu convidar
especialistas em abordagens decoloniais da Educação – entre eles, Paulo Freire
– para desenvolver seu sistema educacional.
Você sabe a diferença entre descolonial e decolonial? O primeiro termo refere-se à libertação de nações que ainda estão sob domínio de outras, enquanto o segundo diz respeito aos países que já foram colônia um dia, mas não são mais, como é o caso do Brasil.
A
missão do educador brasileiro era ajudar a criar um novo currículo que
re-africanizasse a população. Uma escola com sentido para aquelas pessoas e que
valorizasse a identidade local, retomando sua história, cultura e línguas, a
partir do ponto de vista próprio, não mais do colonizador. Para Freire, isso
tornaria as pessoas mais críticas e protagonistas, algo crucial após serem
sujeitadas à passividade e subjugação de uma doutrinação colonial.
No
Brasil, as pesquisadoras Ana Paula Cavalcanti e Slaine Senra Mattos do Amaral
se debruçaram sobre a interlocução entre Freire e Cabral, que nunca chegaram a
se conhecer pessoalmente. Freire entrevistou várias pessoas próximas a Cabral
para compreender melhor seu pensamento e expressou em todas essas conversas
enorme pesar por não tê-lo conhecido em vida. A análise dessas entrevistas,
feita pelas pesquisadoras, foi publicada no artigo A prática educativa de
Amílcar Cabral no processo de descolonização: diálogos de Freire em África, na
Revista de Educação Popular (2021).
“Freire chamava Cabral de Pedagogo da
Revolução por ele ter começado a revolução por meio da pedagogia, ao montar
centros de estudos e crer que a cultura, enquanto um ato político, liberta”,
conta Slaine.
Vale a pena ouvir! As pesquisadoras Ana Paula Cavalcanti e Slaine Senra Mattos do Amaral produzem um podcast dedicado a explorar a vida e obra de Paulo Freire.
Durante
seu trabalho em Guiné-Bissau, Freire personalizou todo o processo de
alfabetização ao contexto sociocultural do país, inclusive linguístico, e
trazia não apenas conteúdos técnicos e científicos, mas também debates e
reflexões sobre a sociopolítica do país.
“Freire insistia que as línguas nativas eram
as que representavam ideologicamente ou simbolicamente as culturas daqueles
países, o que contribuiria para a valorização da cultura que foi oprimida e
para a construção de um pensamento próprio das comunidades negras”, afirma
Sérgio.
A
influência do revolucionário africano também é bastante evidente em obras de
Paulo Freire como “Pedagogia da Esperança”,
“Pedagogia da Tolerância”, “África Ensinando a Gente” e “Cartas a Guiné-Bissau”, e no pensamento
comum a ambos de que “ninguém liberta
ninguém”.
“Cabral se utilizou do conhecimento
científico do colonizador – formou-se em engenharia em Lisboa – e voltou para a
colônia a fim de lutar pela libertação de seu povo. Ele chamou a isso de
suicídio de classe, algo que também aparece em Frantz Fanon quando ele fala
sobre a inveja do colonizador, e que significa abrir mão de uma posição de
intelectualidade supostamente superior para atuar em conjunto e a serviço do
povo. Em Freire, é a noção de que o professor não está acima dos estudantes e
que tanto a educação quanto a libertação acontecem em comunhão”, explica Ana
Paula Cavalcanti.
Frantz Fanon e o ponto de vista dos
excluídos
Frantz
Fanon (1925-1961), outra grande influência para Paulo Freire, foi um
psiquiatra, filósofo e militante político da Frente de Libertação Nacional da
Argélia, que analisou a colonização francesa em terras martinicanas, seu país
de origem, a violência em processos de colonização e descolonização, bem como o
lugar do negro frente aos brancos e aos embates coloniais.
Fanon foi pioneiro em analisar as deformações psicológicas que decorrem da opressão colonial. Durante a Guerra de Independência da França na Argélia, em que o filósofo teve um papel ativo, destacou a importância da “consciência de si” e de “seu lugar no mundo” para os argelinos.
Embora
Freire também não o tenha conhecido pessoalmente, há estreito diálogo com suas
produções, tanto que antes de publicar “Pedagogia do Oprimido”, lê “Os
Condenados da Terra”, de Fanon, e decide revisar todo seu livro.
“Ambos estavam atentos aos impactos
coloniais, que de acordo com Freire afetam a substantividade do ser humano.
Ambos criaram condições para transformar a sociedade, cada um com uma
estratégia, mas ambos por meio de uma transformação revolucionária”, pontua
Vivian Valério Dias, pesquisadora e membro do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros
da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Sintetizando
seu pensamento e a influência de Fanon, em “Pedagogia
da Autonomia” Freire enuncia: “o meu
ponto de vista é o dos “Condenados da Terra”, o dos excluídos […] A prática
preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser
humano e nega radicalmente a democracia. Quão longe dela nos achamos quando
vivemos a impunidade dos que matam meninos nas ruas, dos que assassinam camponeses que lutam por seus
direitos, dos que discriminam os negros, dos que inferiorizam as mulheres […].
A mim me dá pena e não raiva, quando vejo a arrogância com que a branquitude de
sociedades em que se faz isso, em que se queimam igrejas de negros, se
apresenta ao mundo como pedagoga da democracia”.
A atualidade da Freire, Cabral e Fanon
para o Brasil
A
pedagogia de Paulo Freire nunca chegou a ser amplamente implementada no Brasil.
Após a experiência do educador de alfabetizar jovens e adultos em menos de 40
horas, em Angicos (RN), Freire deixou o país em 1964 para fugir de perseguições
do período de ditadura militar no país e só retornou em 1979. Até hoje, são
algumas escolas, educadores e educadoras que seguem reverberando o pensamento
freiriano em todas as suas práticas, e ainda há espaço para avançar em sua
implementação efetiva nas redes escolares, sobretudo a perspectiva decolonial.
“São séculos de submissão a uma cultura
branca, europeia, que tem um modo de pensar o currículo que acaba reproduzindo
as relações entre as pessoas, também de gênero e de raça, até hoje. Um
pensamento decolonial traz outra perspectiva, um outro lugar de fala em que os
ancestrais, sua cultura e seus símbolos, são trazidos à tona e valorizados”,
diz Sérgio.
Retomando
Darcy Ribeiro, antropólogo, sociólogo e ex-ministro da Educação do Brasil, Ana
Paula destaca que uma educação libertadora não interessa à elite brasileira,
composta majoritariamente por descendentes de colonizadores que atualizam os
mecanismos da colonialidade para o presente, mantendo-se em espaços de
privilégio.
“Ainda prevalece no Brasil uma mentalidade altamente
colonizada, presa ao desejo de servir e de ter o que o colonizador tem, porque
seria supostamente melhor do que o que há no Brasil. Essa postura se estende da
Europa aos Estados Unidos, reproduzindo a cultura, o mito da meritocracia e
amor pelo opressor, que nesse caso não aparece na figura do colonizador, mas do
empresário. Precisamos de uma educação libertadora não só por essas questões,
mas porque quando uma educação não é libertadora, o desejo do oprimido é se
tornar opressor”, sintetiza Ana Paula citando Paulo Freire.
___________
Texto de Ingrid Matuoka, originalmente em Educação Integral.
Como Amilcar Cabral inspirou a pedagogia de Paulo Freire
Ilustração de Anastasya Eliseeva. |
A influência de Frantz Fanon no pensamento de Paulo Freire é bem conhecida, mas o patrono da educação brasileira também se inspirou muito em Amílcar Cabral, o intelectual revolucionário de Guiné-Bissau.
Amílcar Cabral nasceu em 12 de setembro de 1924 em Bafatá, Guiné-Bissau, uma das colônias africanas de Portugal. Foi morto em 20 de janeiro de 1973 por assassinos fascistas portugueses poucos meses antes de o movimento de libertação nacional, no qual desempenhou um papel central, para conquistar a independência da Guiné-Bissau.
Cabral e os demais líderes do movimento entenderam que estavam travando uma luta anticolonial mais ampla e numa guerra de classes global e, como tal, seus inimigos imediatos não eram apenas os governos coloniais de determinados países, mas o colonialismo português em geral. Durante 500 anos, o colonialismo português foi construído a partir do tráfico de escravos e da pilhagem sistemática das suas colônias africanas: Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Cabo Verde.
Apesar do enfoque mundial na luta do Vietnã, o dinamismo inspirador da campanha travada na Guiné-Bissau – juntamente com a figura de Cabral – chamou a atenção internacional. Na introdução a uma das primeiras coletâneas de escritos e discursos de Cabral, Basil Davidson descreveu ele como alguém que expressou um genuíno “interesse duradouro por todos e tudo que veio em seu caminho”.
Como resultado de seu papel como líder do movimento de libertação nacional por cerca de 15 anos, Cabral tornou-se um teórico amplamente influente da descolonização e da reafricanização não determinística e criativa. O educador de renome mundial Paulo Freire, numa apresentação em 1985 sobre as suas experiências na libertação da Guiné-Bissau como uma espécie de consultor militante, conclui que Cabral, juntamente com Che Guevara, representam “duas das maiores expressões do século XX”. Freire descreve Cabral como “um marxista muito bom, que fez uma leitura africana de Marx”. Cabral, para Freire, “viveu plenamente a subjetividade da luta. Por essa razão, ele teorizou” enquanto liderava.
Embora não seja totalmente reconhecida no campo da educação, a teoria e prática anticolonial de Cabral também aguçou e influenciou a trajetória do pensamento de Freire. Através do processo revolucionário liderado por Cabral, a Guiné-Bissau tornou-se líder mundial no que agora se poderia denominar como formas descoloniais de educação, o que comoveu Freire profundamente.
Cabral sabia que o povo não deve apenas compreender abstratamente a interação das forças por trás do desenvolvimento da sociedade, mas deve forjar uma prática anticolonial que concreta, coletiva e criativamente, se veja como uma dessas forças.
Cabral sabia que para derrotar o colonialismo português na Guiné-Bissau, a luta de libertação não poderia apenas reproduzir as táticas de lutas de outros contextos, como o de Cuba. Em vez disso, cada luta particular deve basear suas táticas em uma análise das especificidades de seu próprio contexto. Por exemplo, embora reconhecendo o valor dos princípios gerais que Che Guevara delineou em sua Guerra de Guerrilha, Cabral comentou que “ninguém comete o erro, em geral, de aplicar cegamente a experiência alheia ao seu próprio país. Para determinar as táticas de luta em nosso país, tivemos que levar em consideração as condições geográficas, históricas, econômicas e sociais de nosso próprio país.”
Cabral se concentrou nos desenvolvimentos políticos necessários para a construção de um movimento unido pela libertação nacional. Em suas formulações, ele argumentou que a luta armada estava intimamente ligada à luta política, ambas parte de uma luta cultural mais ampla.
A resistência, para Cabral, também é uma expressão cultural. O que isto significa é que “enquanto parte dessa gente pode ter uma vida cultural, a dominação estrangeira não pode ter a certeza da sua perpetuação”. Nessa situação, então, “em um dado momento, dependendo de fatores internos e externos … a resistência cultural … pode assumir novas formas (políticas, econômicas e armadas), a fim de … contestar a dominação estrangeira”. Na prática, as culturas indígenas ainda vivas que conduziram séculos de resistência anticolonial iriam se fundir organicamente com, e emergir de dentro, da libertação política e nacional dos movimentos socialistas.
Na prática, Cabral promoveu o desenvolvimento da vida cultural do povo. Cabral encorajou não apenas um esforço militar mais intensificado contra os portugueses, mas um esforço educacional mais intensificado nas áreas libertadas da Guiné-Bissau. Mais uma vez, embora o movimento anticolonial e o processo educacional de descolonização do conhecimento sejam muitas vezes falsamente apresentados como distintos ou mesmo antagônicos, Cabral os conceituou como dialeticamente inter-relacionados:
Criar escolas e difundir a educação em todas as áreas libertadas. Selecionar jovens entre 14 e 20 anos, aqueles que tenham completado pelo menos o quarto ano, para continuar sua formação. Opor sem violência todos os costumes preconceituosos, os aspectos negativos das crenças e tradições de nosso povo. Obrigue cada membro responsável e educado de nosso partido a trabalhar diariamente para o aprimoramento de sua formação cultural.
Uma parte central do desenvolvimento dessa consciência revolucionária foi o processo de re-africanização. Não se tratava de um apelo ao passado, mas sim de uma forma de recuperar a autodeterminação e construir um novo futuro no país.
Opor-se entre os jovens, principalmente os maiores de 20 anos, a mania de deixar o país para estudar em outro lugar, a ambição cega de se formar, o complexo de inferioridade e a ideia equivocada que leva a crer que quem estuda ou faz os cursos se tornarão, assim, privilegiados em nosso país amanhã.
Cabral incentivou uma pedagogia de paciência e compreensão como a abordagem correta para conquistar e fortalecer o movimento.
Por isso Paulo Freire descreve Cabral como um daqueles “líderes que está sempre com o povo, ensinando e aprendendo mutuamente na luta de libertação”. Como pedagogo da revolução, para Freire, a “preocupação constante” de Cabral era a “paciente impaciência com que invariavelmente se entregava à formação política e ideológica dos militantes”.
Este compromisso com o desenvolvimento cultural do povo como parte de uma luta mais ampla pela libertação influenciou seu trabalho educacional nas zonas libertadas. Paulo Freire escreve que também informava “a ternura que demonstrava quando, antes de ir para a batalha, visitava as crianças nas escolinhas, compartilhando suas brincadeiras e sempre tendo a palavra certa para lhes dizer. Ele as chamava de ‘flores da nossa revolução’”.
Como pedagogo da revolução, Davidson se refere a Cabral como “um educador supremo no sentido mais amplo da palavra”.
A importância da educação foi elevada a novos patamares por Cabral a cada oportunidade. Portanto, fazia sentido para a Comissão de Educação da Guiné-Bissau recém-libertada convidar o maior especialista do mundo em abordagens descoloniais da educação, como Paulo Freire, para participar do desenvolvimento de seu sistema de educação.
Paulo Freire fazia parte de uma equipe do Instituto de Ação Cultural do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas. Sua tarefa era ajudar a erradicar o resíduo colonial que restou como consequência de gerações de educação colonial destinadas a desafricanizar o povo. Assim como o modelo capitalista de educação terá que ser substituído ou severamente refeito, o modelo colonial de educação teve que ser desmontado e reconstruído novamente.
A educação colonial herdada tinha como um dos seus principais objetivos a desafricanização dos nacionais. Foi discriminatório, medíocre e baseado no verbalismo. Não poderia contribuir em nada para a reconstrução nacional porque não foi constituída para este fim.
O modelo colonial de educação foi projetado para fomentar um sentimento de inferioridade na juventude. A educação colonial com resultados predeterminados busca dominar os alunos tratando-os como se fossem objetos passivos. Parte desse processo foi negar a história, cultura e línguas do povo. Da forma mais cínica e perversa, a escola colonial transmitia a mensagem de que a história dos colonizados realmente só começava “com a presença civilizadora dos colonizadores”.
Na preparação para a visita, Freire e sua equipe estudaram as obras de Cabral e aprenderam o máximo possível sobre o contexto. Refletindo sobre um pouco do que aprendeu com Cabral, apesar de nunca o ter conhecido, Freire diz o seguinte:
Com Cabral, aprendi muitas coisas… Mas aprendi uma coisa que é necessária para o educador progressista e para o educador revolucionário. Eu faço uma distinção entre os dois: para mim, um educador progressista é aquele que trabalha na sociedade de classes burguesas como a nossa, cujo sonho vai além de apenas melhorar as escolas e o que precisa ser feito. E vai além porque o que [eles] sonham é a transformação radical de uma sociedade burguesa de classes em uma sociedade socialista. Para mim, este é um educador progressista. Considerando que um educador revolucionário, a meu ver, é aquele que já se encontra situado em um nível muito mais avançado, tanto social quanto historicamente, dentro de uma sociedade em processo.
Para Freire, Cabral foi certamente um educador revolucionário avançado. Rejeitando a predeterminação e o dogmatismo, a equipe de Freire não construiu planos de aula ou programas antes de ir para a Guiné-Bissau para serem impostos ao povo.
Ao chegar no país, Freire e seus colegas continuaram a ouvir e discutir o que aprenderam com as pessoas. Somente aprendendo sobre o trabalho educacional do governo revolucionário eles poderiam avaliá-lo e fazer recomendações. A orientação, isto é, não pode ser oferecida fora da realidade concreta do povo e de sua luta. Esse conhecimento não pode ser conhecido ou construído sem a participação ativa dos alunos como um coletivo.
Freire tinha consciência de que a educação que estava sendo criada não poderia ser feita “mecanicamente” e deveria ser formulada pelo “projeto da sociedade a ser criada”. Embora Cabral tenha sido assassinado, seus escritos e sua liderança ajudaram na criação de uma força com a clareza política necessária para conter a resistência emergente daqueles que ainda carregavam a velha ideologia.
Por meio deste processo, os líderes revolucionários encontrariam professores “capturados” pela velha ideologia que trabalhavam conscientemente para minar a nova prática descolonial. Outros, no entanto, também conscientes de que são capturados pela velha ideologia, ainda assim se esforçavam para se libertar dela. O trabalho de Cabral sobre a necessidade da classe média, incluindo os professores, cometer suicídio de classe, foi instrutivo. A classe média tinha duas opções: trair a revolução ou cometer suicídio de classe.
O trabalho para construir um sistema de educação reconstituído já estava em andamento durante a guerra nas zonas libertadas. O desafio pós-independência era melhorar tudo o que havia sido realizado em áreas que foram liberadas antes do fim da guerra. Nessas áreas libertadas, concluiu Freire, os trabalhadores, organizados através do partido, “tomaram nas mãos a questão da educação” e criaram “uma escola de trabalho, intimamente ligada à produção e dedicada à formação política dos educandos”.
Ao descrever a educação nas zonas libertadas, Freire afirma que ela “não só expressou o clima de solidariedade induzido pela própria luta, mas também o aprofundou. Encarnando a presença dramática da guerra, buscou o passado autêntico do povo e se ofereceu para o seu presente”.
Depois da guerra, o governo revolucionário decidiu não fechar as escolas coloniais restantes enquanto um novo sistema estava sendo criado. Em vez disso, eles “introduziram algumas reformas fundamentais capazes de acelerar as transformações radicais”. Por exemplo, os currículos que estavam saturados de ideologia colonialista foram substituídos. Os alunos, portanto, não aprenderiam mais a história da perspectiva dos colonizadores. A história da luta de libertação contada pelos ex-colonizados foi um acréscimo fundamental.
No entanto, uma educação revolucionária não se contenta em simplesmente substituir o conteúdo a ser consumido passivamente. Em vez disso, os alunos devem ter a oportunidade de refletir criticamente sobre seu próprio processo de pensamento em relação às novas ideias. Para Freire, esse é o caminho pelo qual os sujeitos passivos da doutrinação colonial começam a se tornar sujeitos mais ativos.
Freire e sua equipe procuraram “ver o que realmente estava acontecendo nas limitadas condições materiais que sabíamos que existiam”. O objetivo claro era, portanto, “descobrir o que poderia ser feito de melhor nessas condições e, se isso não fosse possível, pensar em formas de melhorar as próprias condições”.
O que Freire e sua equipe concluíram foi que “os alunos e trabalhadores estavam engajados em um esforço preponderantemente criativo”, apesar dos muitos desafios e poucos recursos materiais. Ao mesmo tempo, caracterizaram “os erros mais evidentes” que observaram como resultado da “impaciência de alguns dos professores que os levou a criar as palavras em vez de desafiar os alunos a fazê-lo por si próprios”.
O trabalho e a prática de Freire inspiraram o que se tornou um movimento pedagógico crítico mundial. Cabral é uma influência centralmente importante, embora em grande parte não reconhecida, desse movimento. No último livro escrito antes de sua morte, intitulado Cartas a quem ousa ensinar, a influência de Cabral sobre Freire parece ter permanecido central, pois ele insistiu que o livro era “importante para lutar contra as tradições coloniais que trazemos conosco”.
__________
Com informações do Jacobin.
5 lições de Paulo Freire para a educação brasileira
(FOTO/ Reprodução). |
Para
começar, falar sobre Paulo Freire é lembrar de um grande educador brasileiro.
Isso porque a força de um legado se mede pela relevância que mobiliza gerações
ao longo do tempo. Em um contexto de reestruturação das bases sociais,
ambientais e econômicas, as contribuições deixadas por Paulo Freire para a
educação brasileira, e para a pedagogia de maneira geral, são essenciais.
O
Patrono da Educação Brasileira é considerado um dos grandes pensadores da
educação mundial. Além de representar um marco para a política de alfabetização
nacional. Com obras traduzidas para mais de 20 idiomas, prêmios internacionais
e uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz, Paulo Freire prova que ações locais têm
impacto global.
O
que caracterizou o trabalho desenvolvido por ele entre as décadas de 1950 e
1990 foi o reforço da cultura de paz e a crença em uma educação democrática e
igualitária. Tais teorias se mantêm atuais, sobretudo diante dos desafios
trazidos pela pandemia, e ajudam a traçar parâmetros para as soluções que serão
construídas daqui para frente.
Relembre
5 lições de Paulo Freire que inspiram a educação brasileira até os dias de
hoje.
1. Educação para a cidadania
Um
dos principais conceitos da teoria de Paulo Freire fala sobre uma educação
orientada para a cidadania. Para o pedagogo, um processo de aprendizagem bem
conduzido leva em conta a realidade dos estudantes e da comunidade escolar,
estabelecendo uma conexão entre cultura, conhecimento e sociedade.
Ao
despertar a consciência sobre os problemas e as potencialidades do sistema que
o cerca, o indivíduo tem mais chances de encontrar soluções coletivas a partir dos
conhecimentos que adquiriu.
2. Aprendizagem significativa e
contextualizada
Paulo Freire dedicou sua carreira à alfabetização de jovens e adultos, atento às desigualdades no acesso à educação. Foi a partir da observação cuidadosa da realidade de seus estudantes, que o pedagogo passou a buscar alternativas para o modelo tradicional de escolarização. A busca resultou em um método de alfabetização que o tornou reconhecido nacional e internacionalmente.
A
metodologia, que leva seu nome, usa palavras do cotidiano dos estudantes para
engajá-los em um processo significativo de aprendizagem. Dessa forma, os
aprendizes são introduzidos ao mundo letrado ao mesmo tempo em que estabelecem
conexões com o mundo que os cerca.
3. Autonomia e escuta ativa
A
preocupação de Paulo Freire era também desenvolver habilidades como a autonomia
e protagonismo, para além do sucesso na alfabetização. Parte importante do
processo é estabelecer uma relação horizontal entre educadores e estudantes, em
que a escuta ativa cumpre um papel central na construção de conhecimentos.
Na
concepção do pedagogo, todos somos seres inacabados. Portanto, estamos sujeitos
a transformações contínuas. Sendo assim, a troca mútua de saberes se revela
muito mais efetiva quando feita através do diálogo.
4. Ação local, impacto global
Paulo
Freire escreveu obras marcantes, como “Pedagogia
do Oprimido” (1968), durante os 16 anos em que permaneceu em exílio, após o
golpe militar de 1964. E trabalhou com projetos de ação educativa em cerca de
30 países.
Recebeu
honrarias como o Prêmio UNESCO de Educação para a Paz e a indicação ao Prêmio
Nobel da Paz em 1995, por suas contribuições para a pedagogia. Mais de 350
escolas levam seu nome ao redor do mundo.
5. Políticas públicas integradas
O
pedagogo assumiu o cargo de secretário municipal de educação da cidade de São
Paulo quando retornou ao Brasil, no ano de 1989. Em seu mandato, Paulo Freire
defendeu, principalmente, três pilares: recuperação salarial dos educadores;
revisão curricular; e programas de alfabetização, sobretudo de jovens e
adultos.
Paulo
Freire entendia as políticas públicas integradas como um caminho possível para
alcançar o desenvolvimento da educação pública, democrática e de qualidade em
que acreditava.
__________
Com informações da Fundação Telefônica Vivo.
Seis pontos que reafirmam o lugar de Paulo Freire na educação
Paulo Freire, educador brasileiro, é uma das referências mais citadas em trabalhos acadêmicos pelo mundo. (FOTO/ Reprodução/ CartaCapital). |
TV Escola “deseduca” e Paulo Freire é um “energúmeno”, diz Bolsonaro
A educação Popular não começa com Paulo Freire, diz Alex Ratts
Ironides Rodrigues ministra aula de alfabetização para jovens e adultos inscritos no Teatro Experimental do Negro. Rio de Janeiro, 1945. (FOTO/Reprodução/Alex Ratts). |
Hoje na História - Nasce o educador Paulo Freire, autor da "Pedagogia do Oprimido"
Eduardo Bolsonaro pergunta qual o legado de Paulo Freire e vira piada nas redes
(FOTO/Reprodução). |
Paulo Freire é homenageado em escolas e universidades estrangeiras
Umas das obras de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido é a terceira mais citada nas ciências humanas. (Painel de Luiz Carlos Cappellano). |
Comissão no Senado rejeita e Paulo Freire continua como Patrono da Educação Brasileira
Assembleia Legislativa do Ceará fará homenagem ao educador Paulo Freire
Sede da Assembleia Legislativa do Ceará. (Foto: Divulgação). |
Educadores condenam proposta do Escola sem Partido contra Paulo Freire
Por que as ideias de Paulo Freire ainda incomodam?
Educador ficou exilado durante 16 anos, durante a ditadura militar, devido seus métodos inovadores de educação, com foco na transformação. (Foto: Reprodução Brasil de Fato). |