Aplaudida
de pé durante dois minutos, por cerca de 400 pessoas, a atriz Ruth de Souza foi
às lágrimas na abertura da sessão que homenageou a escritora Conceição
Evaristo, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro na noite da última terça-feira,
1/7.
Conceição
Evaristo, doutora em Literatura Comparada pela UFF, recebeu a maior honraria da
casa legislativa, a Medalha Pedro Ernesto, fruto de requerimento apresentado
pela vereadora Marielle Franco (PSOL), aprovado por unanimidade no início de
junho.
Do
Ceert - Bastante idosa, a primeira atriz negra do teatro, do cinema e da
televisão brasileira, dividiu a bancada de homenagens com outras importantes
mulheres negras: Flávia Oliveira, jornalista e economista (O Globo), Jurema
Werneck, diretora da Anistia Internacional no Brasil, Mãe Meninazinha de Oxum,
Iyalorixá, Patrícia Oliveira, membro do Mecanismo de Combate à Tortura do Rio,
e a vereadora Marielle Franco (PSOL), que presidiu a sessão. Após a saída de
Ruth de Souza, a vereadora de Niterói Talíria Petrone passou a ocupar sua
cadeira.
Sob
o lema “Eu Mulher Negra Resisto”,
Conceição Evaristo foi reverenciada por sua contribuição literata às artes e,
sobretudo, por sua trajetória - uma intelectual que nasceu na pobreza e hoje
contribui para a autoestima e para que as mulheres negras se apropriem de sua
identidade, trajetória e história, tendo os lugares de memória e as
experiências de afeto como elementos importantíssimos em suas narrativas.
As
quase 400 pessoas presentes à solenidade eram, em maioria absoluta, mulheres negras.
Seus múltiplos tons de pele, turbantes coloridos e lindos penteados imprimiram
o contraste estético à Casa que, historicamente, é ocupada por homens
brancos. Também foi a primeira vez que a
Câmara contou com o serviço de tradução de libras em uma sessão, que foi
executado por uma mulher trans negra, Alessandra Makkeda que, com a palavra,
ressaltou que estar ali significava seguir o exemplo de Conceição, que é a
“escrita de si”.
A
sessão foi aberta com a apresentação do teaser do filme em produção “Voz, Cor e Luta”, do coletivo
Feminicidade. Várias mulheres da
plateia, representantes de movimentos e coletivos, também foram ao púlpito para
prestar homenagens à Conceição, como Clatia Vieira (Fórum de Mulheres Negras),
Zica de Oliveira (Criola), Lázia dos Santos (Afoxé Filhos de Gandhi), Cassia
Marinho (Iporinchè) e Vilma Piedade (Mulher Preta de Axé e Partida).
À
mesa, Jurema Werneck exaltou a potência da mulher negra, responsável pela
resistência histórica ao machismo e ao racismo. “Conceição traz a palavra que faz a mulher negra existir na literatura e
na vida. Se a dor é real, também é real essa mulher que segue adiante, fazendo
existir outras mulheres cercadas pelo silêncio e pela invisibilidade. O racismo
diz silêncio, você, Conceição, diz palavra”, concluiu.
Para
Mãe Meninazinha de Oxum, não havia palavras que pudessem explicar o quanto é
bom ver tanta mulher preta junta: “Nós
temos esse ireito de estar aqui nesse
lugar” disse, muito emocionada.
Irmã
de vítima da violência do Estado, Patrícia Oliveira lembrou que no sistema
prisional, seu lugar de trabalho, a população negra corresponde a mais de 70%
dos presos, sendo nos presídios femininos esse número ainda maior. Lembrou,
ainda, que são muitos os momentos de luta e violência e poucos os momentos de
homenagem e celebrações capazes de juntar tantas mulheres negras. E deu um
recado à juventude: “É preciso tomar
conhecimento da sua história e aprender a ocupar esses espaços, como faz a
Marielle. Somos capazes de sermos juízas, governadoras e escritoras. Podemos
chegar aonde quisermos”.
A
jornalista e economista Flavia Oliveira também ressaltou a representatividade
muito aquém dos matizes e tradições nos espaços como este parlamento, criado
por e para a ocupação de homens brancos.
“Eu poderia falar das mulheres negras subrepresentadas no mercado de trabalho,
à frente de famílias, na vulnerabilidade, nos subempregos... isso tudo está nos escritos de Conceição
Evaristo. Lá nos reconhecemos. Mas vou
falar sobre algo que aprendi também com ela. Sobre o porquê o povo negro
festeja. O toque do tambor nas nossas celebrações nos coloca em contato com o
divino. Cantamos e dançamos para ficarmos fortes para suportarmos a barra de
existirmos e seguir em frente”, disse muito emocionada.
Flavia
pediu licença para falar da campanha “O
Brasil é quilombola, nenhum quilombo a menos”, que defende que o Supremo
Tribunal Federal (STF) mantenha a titulação de territórios quilombolas no
Brasil. A ADI 3.239, apresentada pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL),
atual Democratas (DEM) ao Supremo Tribunal Federal, em 2004, pede a paralização
dos processos para titulação de terras quilombolas no Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), além de ameaçar os já titulados. O
julgamento foi retomado e deverá acontecer em agosto.
A
vereadora niteroiense Talíria Petrone também reforçou a campanha pela
manutenção dos espaços quilombolas ao homenagear Conceição: “Sua poesia é grito para nós, é identidade e
ancestralidade, nos retira da cadeia do embranquecimento e resgata nossa força
e resistência. Sejamos quilombo!”, bradou.
O
grupo Mulheres de Pedra se apresentou ao final do evento, recitando poesias de
Conceição e distribuindo flores às participantes da mesa.
Com
a palavra, Conceição Evaristo agradeceu a homenagem e fez uma comparação com o
momento em que foi condecorada com o Prêmio Jabuti de Literatura. “Seria uma
falsa modéstia dizer que o Jabuti não me envaidece. Claro que sim. Mas o que me
deixa tranquila e contempla minha literatura é que ela significa mesmo a voz de
todas. E isso que aconteceu aqui. Esse lugar de recepção é que tem levado meus
textos adiante. Minha vida não começa no Jabuti. Tenho muita honra de ter
passado por editoras que nasceram com a missão de publicar autoras negras.
Também quero dizer que minha celebração hoje está, sobretudo, ligada à minha
vida no magistério. Vim ao Rio para ser professora. Foi para isso que me
preparei. Minas Gerais me deu régua e compasso, alguma experiência em movimento
social. Mas foi aqui no Rio que encontrei a inserção no movimento negro e de
mulheres. Sou uma carioqueira”, brincou Conceição ao receber a maior
condecoração oferecida pela Casa a quem mais se destaca na sociedade brasileira
ou internacional.
Autora
do requerimento que concedeu a honraria à escritora, a vereadora Marielle
Franco lembrou que conheceu a literatura de Conceição Evaristo na juventude,
através de uma tia. E revelou que, desde o primeiro dia de seu mandato, tinha
como meta promover, em nome do Rio de Janeiro, esta homenagem. “Aqui nesta casa, somos resistência. Saímos
fortalecidas deste lindo evento, como flores que rompem o asfalto. Ainda
ocuparemos muito esse espaço, que precisa ser enegrecido cada vez mais. E nosso
mandato, que é coletivo, está aqui para lembrar disso e resistir”, concluiu
encerrando a sessão.
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Foto: Reprodução/ CEERT. |