A Escola da Afrodescendência no Ceara.

 

Professor Henrique Cunha Junior na biblioteca do Sesc São Carlos. (FOTO/ Danny Abensur).

Por Henrique Cunha Junior*

Estamos saindo dos dias de muito trabalho e de muita alegria que foi da defesa de duas teses de doutoramento orientadas por mim, com a temática do espaço urbano, da identidade e da historia dos afrodescendentes no pós - abolição. Tese de Kassia Mota e Juliana Yade. Temos rupturas epistemológicas, teóricas e conceituais. Utilizamos conceitos próprios, bibliografia pouco usual nos trabalhos realizados no Brasil sobre população negra. Esta é a nossa marca forte  de uma densa bibliografia de africanos e afrodescendentes. Afinal de contas temos mais de 30 teses de doutoramentos feitas por nós no Ceara com este tema e mais de 50 mestrados.  São 20 anos de trabalho na universidade, mais de 30 na realidade fora daqui,  no campo das relações sociais s da população negra, criando termos e renovando principalmente o vocabulário , para propiciar um real novo discurso. Em 1994 em um seminário no USP a minha palestra foi sobre a necessidade constante de renovação dos termos e dos conceitos para termos uma nova ciência e uma nova consciência acadêmica sobre os fatos da sociedade. Podemos inovar e criar já recriando o nosso próprio arquivo pessoal. 

A proposta metodológica era que o espaço, contem um território, nele estão às histórias, as culturas, as relações sociais e econômicas nele se inscrevem e escrevem a vida das pessoas e das comunidades. Nestes lugares desenvolve a vida que vivemos e que nos interessa como tema de pesquisa. A existência de lugares, localidades, bairros, partes das cidades e cidades de maioria afrodescendentes guarda os fatos relevantes para compreensão das relações sociais desta população negra e das pessoas. Um fato importante da nossa forma de pesquisa é que o pesquisador é sujeito da própria pesquisa, assim com o pesquisado também é sujeito, não temos o clássico objeto de pesquisa a ser recontado e dissecado. Temos um todo a ser compreendido em maior profundidade, sendo que os pesquisadores vêm destas realidades, as conhece e apena aprofundam as sua visões e teorizam sobre este aprofundamento. Tratam as realidades vividas e conhecidas nos seus trabalhos. Quem é que vive e sofre a subalternização imposta pelo racismo anti negro e não o conhece? As salas de aulas dos programas de pós-graduação e as posturas teóricas da maioria dos professores que temos nestes programas são orquestrados pelos racismos anti  negros institucionais ( eles ficam revoltados quando afirmo isto e me chamam de complexado , ou de visão deformada, sempre pensam para eu repensar a minha postura e me ditam um bibligrafia, perguntando se eu ja os li). São realidades que vivemos e não escapamos delas mesmo que elas sejam negadas e renegadas pelos nossos amigos ( sim os amigos) e pares acadêmicos. Loucura nesta louca realidade dura em que vivemos. Onde nossos amigos e pares são em partes os nossos obstáculos e oposições para afirmações das nossas propostas novas de interpretações da realidade. Aqui no Ceara avançamos um pouco, muito pouco, o espaço é muito apertado e desencorajador. Se fizemos outras coisas seriamos mais bem sucedidos teríamos mais dinheiro de pesquisa e mais facilidades, mas não o fazemos, fazemos o que queremos, que vemos necessidade e isto se opõe a sociedade acadêmica, aos interesses contrários e mesmo de parte dos negros na universidade. Compreenda é um sistema as partes destoante precisam serem eliminada e nada melhor que o seja , para coerência do sistema,  pela falha e interesses dos próprios dissidentes. Inclusos os das relações interpessoais e afetivas. 

Sim a ruptura conceitual parte do reconhecimento da Africanidade brasileira e da nossa afrodescendência. Sabemos das nossas origens, do nosso passado e do presente e cristalizamos isto na historias oficiais com fruto da nossa pesquisa acadêmica. Criamos um campo de embates, pois conhecimento universitário é poder. Estamos fazendo esta disputa de poder. Mesmo que não quiséssemos ela existe, mesmo que não a enfrentamos elas nos prejudicam. As políticas públicas se nutrem destes conhecimentos, ou dos desconhecimentos. Quem não tem pesquisa acadêmica própria não tem política pública, esta é a realidade que o real não se expressa se não sobre o dado acadêmico. Temos uma produção que faz fronteira e certa oposição ao eurocentrismos, este centralizador das perspectivas acadêmicas brasileiras. Eurocentrismos dominantes e eloquentes na produção de conhecimento no Brasil. A universalidade do conhecimento é um discurso dominante. A grande maioria quer ter um lugar universal, mesmo que colonizado e dependente, sub serviente. É hegemônico o ocidente na nossa realidade e consciência, desloca-lo é uma tarefa difícil. O pendulo entre africanos e europeus, entre sociedades africanas e asiáticas e ocidentais, no campo do conhecimento, no Brasil, ainda não oscila, permanece inerte.  Nós apenas ensaiamos um pequeno deslocamento e isto nos faz inovador e realizador, isto me deixa contente, mas ciente das consequências. 

Nas defesas estava nas bancas o Professor kabengele Munanga, meu grande irmão e amigo de muitas lutas e vitórias acadêmicas.Vitórias pois sobrevivemos com algum sucesso, outros morreram ou desistiram. Algumas derrotas, em fim, de saborearmos e amargamos as nossas construções. Dele saiu a consideração que nós criamos através desses trabalhos uma “Escola da Afrodescendência no Ceara”, e nela mora a nossa originalidade epistemológica e teórica. Sim, este é um sentimento que dormi com ele na cabeça de ontem para hoje. Estamos formulando uma escola de pensamento, neste trabalho com a professora Sandra Petit, Joselina da Silva, dentro do programa de pós-graduação  e com  outros fortes colaboradores no Ceara como as professoras Rosa Barros e Cicera Nunes. Como outras e outros grandes colaboradores externos de muito tempo e muitas aventuras no terreno da universidade. Nada de útil, como de necessário, sobre tudo inovador se faz sozinho, sem um campo de trabalhos conjuntos. Esta deveria ter sido a grande aquisição desta escola da afrodescendência no Ceara. Este foi o único grande aprendizado do meu trabalho na França, tudo depende do conjunto. 


Bom,  temos um tempo de algumas certezas e muitas incertezas. Os ambientes são movediços. Existe um campo das relações pessoas no Brasil que infelizmente supera o das competências e dos feitos necessários. Este campo dos interesses de pessoas e de grupos, sem força conceitual, teórica, mas em torno de fatos tem prejudicado o nosso desenvolvimento como conjunto de oposição as sociedades racistas e aos feitos e desfeitos acadêmicos destes. Por isto é que não sei do futuro do que estamos realizando. Mesmo partes do próprio movimento negro tem dificuldade em assimilar e avaliar a propriedade dos feitos e procura então explorar os defeitos que nem estão na teoria e nem nos conceitos, mas na pessoa, que é muito imperfeita, eu. Também no que representa o que estamos fazendo às vezes fere os egos e as vaidades. Mesmo assim continuamos, gostaríamos que houvesse maior reflexão e maior discernimento nas decisões, mas esta difícil. Hoje comemoramos, amanha continuamos trabalhando, mesmo eu estando cansado e quase parando.

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Henrique Cunha Junior. é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Possui mestrado em Dea de Historia - Université de Nancy- França (1981) e Doutorado Em Engenharia Elétrica pelo Instituto Politécnico de Lorraine (1983) e orienta doutoramentos e mestrados em Educação com temas relacionados a história e cultura africana, espaço urbano, bairros negros.

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