3 de outubro de 2021

Um pesadelo de mil dias, por Silvio Almeida

 

O jurista Silvio Almeida. (Imagem: CHRISTIAN )PARENTE/DIVULGAÇÃO.

“Nada não está tão ruim que não possa piorar”. A frase dita no último dia 27 pelo presidente da República durante solenidade que marcou os mil dias de seu governo pode ser considerada histórica. Isso porque foi das raríssimas vezes em que o presidente falou algo aparentemente verdadeiro e que, levando em consideração o que tem sido seu governo e sua personalidade, soou como um “lapso de lucidez”.

A frase é também uma boa síntese dos mais de mil dias de horror da gestão de Jair Bolsonaro. De fato, instalou-se no Brasil um governo em que as expectativas são sempre de que tudo vai piorar. Não há absolutamente nada que dê ao menos a impressão de que algo no país funcione, que irá melhorar ou de que algum dos inúmeros problemas nacionais pode ao menos ser encaminhado. É uma mistura fantástica de incompetência, insanidade, crueldade e corrupção.

Em um jantar nos Estados Unidos realizado em 2019, o presidente da República disse que em seu governo seria necessário “desconstruir” muita coisa no Brasil antes que algo pudesse ser construído. Depois de mil dias de governo percebe-se que o presidente, seguindo o padrão que lhe é habitual, não disse a verdade, ao menos não completamente. Este governo não é tão somente de destruição, mas de lesão, de sofrimento e de dor. Matar não é suficiente: é preciso torturar, humilhar e levar à loucura.

É também um governo corrupto, e não apenas no sentido usual do termo. É corrupto no sentido filosófico, já que inverte a finalidade das instituições, fazendo com que operem de forma contrária aos propósitos que declaradamente motivaram sua criação. Exemplos disso são os ministérios.

O Ministério da Economia se torna o fiador da miséria e da pobreza; o Ministério da Justiça promove perseguição e vingança; o Ministério do Meio Ambiente lidera a destruição da natureza; o Ministério da Saúde serve para espalhar a doença e assim por diante.

Os efeitos da decadência civilizatória representada pelo governo brasileiro se apresentam nos mais diversos setores da vida nacional. Na economia, além dos índices de desemprego, de desalento e do aumento progressivo da miséria, o país se vê à mercê de pessoas que, tendo o dever de agir, assistem com cinismo a milhões de pessoas passando fome, comendo restos de carcaças, revirando latas de lixo e sufocando por causa de uma doença para qual já existe vacina.

Na política, as reformas propostas pelo governo e seus aliados têm o claro propósito de facilitar a captura do Estado por interesses privados, seja de grupos econômicos, seja de organizações criminosas. Neste momento, a reforma administrativa é a ponta de lança deste movimento que visa a fragilização dos mecanismo de controle social do Estado brasileiro.

Mas talvez o pior de todos os efeitos destes mil dias de trevas sejam os produzidos na alma dos brasileiros. Desassossego, desesperança, tristeza e ódio são os sentimentos que talvez melhor descrevam este estado suicidário, racista e assassino no qual estamos todos metidos. O governo brasileiro não inventou, mas deu sustentação, potencializou e conferiu legitimidade a uma cultura de morte e cinismo que se disseminou na sociedade brasileira.

Sair deste pesadelo que tem custado milhares de vidas e interditado o futuro irá exigir uma grande recusa dirigida aos propagadores do ódio e aos lesadores que integram ou apoiam o governo, suas ideias e suas ações.

Para isso, instituições como esta Folha tem que assumir a responsabilidade que lhe cabe como o jornal mais lido do país e decidir se quer participar da construção de um país digno ou continuar investindo na criação de polêmicas artificiais em nome de uma suposta “pluralidade”.

Racismo e falsificação histórica nada têm a ver com postura democrática. Quem abre espaço para este tipo de indigência intelectual e moral, que prestigia irresponsáveis e fanfarrões, colabora, ainda que indiretamente, para que esse pesadelo jamais tenha fim.

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Sílvio Almeida é jurista e professor. Publicado originalmente no Geledés.

Manifestantes ocupam 10 quarteirões da Paulista no #2OutForaBolsonaro

Ato contou com a participação de diversos movimentos e entidades. (FOTO/ Paulo Pinto/ Fotos Públicas).

O ato pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro chegou a ocupar 10 quarteirões da Avenida Paulista no momento de pico, entre 16h30 e 16h50, na maior mobilização deste sábado realizada no Brasil. A manifestação contou com dez carros de som entre os cruzamento com as ruas Pamplona e Consolação e o palanque principal ficou em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), onde houve maior concentração de pessoas.

O ato contou com a participação de diversos movimentos e entidades como Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, UNE, ABI, Coalizão Negra por Direitos, Acredito e Direitos Já, assim como as centrais sindicais, artistas, representantes dos povos indígenas e políticos de 21 legendas.

Segundo os organizadores, 100 mil pessoas estiveram na Avenida Paulista no sexto protesto da campanha Fora Bolsonaro. Também de acordo com a organização, ao todo, os protestos reuniram 700 mil pessoas em todo o país, com manifestações registradas em 304 cidades do Brasil e em 18 países.

Mobilização mais ampla

Em sua fala na manifestação, o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad falou da urgência da saída de Bolsonaro do poder. “Estamos aqui porque o povo quer comer e o Bolsonaro não deixa”, apontou. “Essa desgraça desse governo tem que acabar antes da eleição porque o povo não aguenta mais.”

Também presente na Avenida Paulista, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Guilherme Boulos falou, em entrevista ao portal Uol, sobre o fato desta mobilização ter contado com um espectro político mais amplo do que as manifestações anteriores contra o atual governo.

"Todo mundo que defende a democracia brasileira e é a favor do impeachment de Bolsonaro tem que estar nas ruas. Não só nas ruas, tem que orientar seus partidos a pressionar pela abertura do processo de impeachment na Câmara Federal”, disse Boulos. “Existe muita diferença política aqui na Paulista. Mas tenho certeza que com o risco democrático, as ameaças golpistas e o pesadelo que Bolsonaro representa, essas diferenças são menores do que aquilo que nos une para poder tirá-lo de lá.”

A presidente nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffman (PR) também saudou a unidade e o maior alcance da mobilização em seu perfil no Twitter. “Lindo o ato na Paulista, grande, muita energia de luta e com mais forças políticas, entidades sindicais, movimentos sociais e ativistas da sociedade civil. A ampliação da unidade dessas forças vai se construindo pelo objetivo comum de tirar Bolsonaro!”, postou.

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Com informações da RBA.

2 de outubro de 2021

Sancionada no Ceará lei Dia Preta Tia Simoa e da Mulher Negra

 

Preta Tia Simoa. (FOTO/ Reprodução).

Por Nicolau Neto, editor

O governador do Ceará, Camilo Santana, sancionou o projeto de lei 335/2021 que foi aprovado na Assembleia Legislativa e instituiu o dia 25 de julho como Dia Preta Tia Simoa. Com a sanção, o calendário cearense ganha a lei 17.688/21 que homenageia a líder negra Tia Simoa, uma das grandes figuras de destaque na luta conta a escravidão no Estado.

Segundo o deputado Renato Roseno (PSOL/CE), autor do PL, "a lei prevê a realização da Semana Preta Tia Simoa de Combate à Discriminação Contra Mulheres Negras com objetivo de fortalecer ações contra o racismo, o sexismo e todas as formas de violência contra as mulheres negras, além da preservação da memória e da contribuição dos povos afrodescendentes, em especial das mulheres negras, para a formação social do nosso estado". 

A lei teve o apoio de movimentos negros e entidades, dentre eles destaque para o Grupo de Valorização Negra do Cariri, o Movimento Negro Unificado, o Fórum Cearense de Ações Afirmativas, a Rede de Mulheres Negras, NEABIs, Núcleo de Africanidades Brasileiras (NACE- UFC), Laboratório de Estudos e Pesquisas em Afro brasilidade, Gênero e Família (Nuafro - UECE), Espaço Cultural Preta Tia Simoa, Coletivo Mulheres Negras Resistem e o Setorial de Negras e Negros PSOL CE.

A Preta Tia Simoa se tornou conhecida do público por meio das pesquisas da historiadora, ativista negra e colunista deste Blog, Karla Alves.

Clique aqui e saiba mais sobre a Preta Tia Simoa.

Obras completas de Luiz Gama são lançadas na Faculdade de Direito

O advogado abolicionista Luiz Gama (1830-1882). (FOTO/ Wikimedia Commons).

Na última sexta-feira, dia 1º, às 17h30, a Faculdade de Direito da USP promoveu o lançamento das obras completas, em dez volumes, do advogado abolicionista Luiz Gama (1830-1882), que em junho passado recebeu o título póstumo de Doutor Honoris Causa da USP. Coordenado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP e pela Associação dos Antigos Alunos da faculdade, o evento será transmitido ao vivo pelo canal daquele centro acadêmico no Youtube.

O lançamento teve a presença do editor das obras completas de Luiz Gama, Bruno Rodrigues de Lima, pesquisador-visitante do Max-Planck-Institut für europäische Rechtsgeschichte, em Frankfurt, na Alemanha. Ao longo de nove anos, Lima pesquisou em arquivos de jornais e de órgãos do Poder Judiciário brasileiro. No total, reuniu cerca de 800 textos de Gama, dos quais 600 são inéditos. Na edição da Editora Hedra, com mais de 5 mil páginas, eles se dividem nos volumes intitulados Poesia, Profecia, Comédia, Democracia, Direito, Sátira, Crime, Liberdade, Justiça e África-Brasil.

Além de Lima, participarm do lançamento os professores Calixto Salomão Filho, da Faculdade de Direito da USP, e Lígia Fonseca Ferreira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que falarão sobre “A importância de Luiz Gama e de suas obras completas”. Já os professores Alysson Mascaro e Gilberto Bercovici, ambos da Faculdade de Direito da USP, abordarão o tema “Gama e o Brasil atual”.

Impedido de estudar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Gama adquiriu conhecimento jurídico ao participar das aulas como ouvinte e ganhou notoriedade como rábula (o que advoga sem ter o diploma de Direito), na defesa dos cidadãos negros, escravizados”, destacou a Assessoria de Imprensa da Faculdade de Direito da USP, em nota assinada pelo jornalista Kaco Bovi. “Entre as várias homenagens neste ano estão o recebimento do título Honoris Causa da USP, o filme recém-lançado Doutor Gama e, agora, a coletânea de suas obras. Ele tem seu nome gravado em sala da Faculdade de Direito da USP, sendo o primeiro brasileiro negro a receber a honraria da instituição.”

Gama nasceu em Salvador (BA) e relata ter sido vendido por seu pai a um contrabandista aos 10 anos. Aos 17, completou seu processo de alfabetização e, no ano seguinte, fugiu do cativeiro. A partir daí, iniciou sua trajetória política e social. ‘Gama é um dos nossos’, ressalta o diretor da Faculdade de Direito da USP, professor Floriano de Azevedo Marques Neto, que fará a abertura dos trabalhos, ao lado da presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Letícia Chagas”, acrescenta a nota.

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 Com informações do Geledés.

1 de outubro de 2021

Roda Viva entrevistou 13 convidados negros em quatro anos

(FOTO/ Reprodução/ TV Cultura).

Nesta semana, o programa Roda Viva da TV Cultura completou 35 anos de existência, o que o faz ser considerado o mais antigo do gênero na televisão brasileira. A importância e relevância do programa de entrevistas e debates se mostra histórica ao registrar as ideias, pensamentos e análises de quase 2 mil personalidades das mais diversas áreas de conhecimento que já passaram por ali desde a estreia, em 29 de setembro de 1986. Entretanto, há pouca presença de entrevistados negros na atração, ainda que avanços sejam notados nos últimos anos por conta da cobrança por diversidade.

Segundo levantamento feito pelo Coletivo Lójúkojú, lançado em 2020, o programa Roda Viva teve apenas 13 (6,34%) entrevistados negros no período de 11 de janeiro de 2016 a 22 de junho de 2020, em um total de 205 programas analisados no formato convencional de entrevistas.

Notou-se também uma baixa representatividade, no período analisado, de pessoas indígenas (0,45%) e amarelas (1%), sendo as pessoas brancas 92,21% das sabatinadas pelo programa. Além disso, somente 10% das pessoas entrevistadas eram mulheres, sendo que, destas, 9% eram negras. Apenas 1,5% das pessoas possuíam algum tipo de deficiência.

Nos programas em formato de debate do Roda Viva, ou seja, especiais temáticos com mais de um convidado no centro da roda, somente 12 debatedores (6,48%) eram negros, em um total de 41 programas e 185 convidados.

“A produção do Roda Viva tem procurado aumentar a diversidade de temas e entrevistados, bem como dos entrevistadores já desde o início desta administração, em junho/julho de 2019. Isso se manifesta nas reuniões de pauta e na preocupação de toda a equipe”, explica Leão Serva, diretor de Jornalismo na TV Cultura.

Neste ano, até a última segunda-feira (27), a Alma Preta Jornalismo levantou que 9 pessoas negras passaram pelo centro da roda do programa em um total de 44 convidados, dentre episódios no formato convencional de entrevistas ou de debates. Durante o ano de 2020, foram 8 pessoas negras em um total de 53 sabatinados.

Pressão por avanços em torno da diversidade

De acordo com Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil e entrevistada do Roda Viva no programa de maio deste ano, a representatividade negra na mídia aumentou a partir dos anos 2000 como um dos resultados da Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, em Durban, na África do Sul.

“À medida que há um crescente de mobilização negra, ela se desdobra em maior participação e presença negra na mídia, que não costuma ser sustentável, ou seja, vem em ciclos. Tem mobilização negra, a presença acontece, se a mobilização se torna invisível, a presença desaparece”, destaca.

Atualmente, o Roda Viva é transmitido também pela internet, o que contribui para um contato direto com o posicionamento do público, gerado, principalmente, em redes sociais. Essa interação provoca cobranças por uma maior diversidade no programa, não só em relação aos entrevistados, mas também sobre as pessoas na bancada de entrevistadores.
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Com informações do Alma Preta. Leia o texto completo aqui.

Da abolição ao mito da ‘democracia racial’, clássico de Clóvis Moura retrata a relação da luta antirracista com a luta de classes

O negro: de bom escravo a mau cidadão? foi escrito por Clóvis Moura em 1977 . (FOTO/ Divulgação e Reprodução/Vermeho.org.)

Há 70 anos, Clóvis Moura (1925 – 2003) escrevia sobre questões que estão em pauta na atualidade. Nascido em Amarante, no Piauí, se tornou historiador, sociólogo, poeta, jornalista e, sobretudo, um grande intelectual de seu tempo. Envolvido na teoria de Marx, aprofundou-se nos estudos ligados à raça e às classes sociais nos tempos pós-abolição e deixou um notável legado ao movimento negro e a história do Brasil.

Uma parte deste material está no livro O Negro: De Bom Escravo a Mau Cidadão? (1977), reeditado este ano pela Dandara Editora, e tema de um curso promovido após o lançamento em agosto. Algumas vagas foram sorteadas entre os membros do Tamo Junto, programa de apoio à Ponte.

A obra é uma continuação do trabalho teórico do sociólogo em Rebeliões da Senzala: Quilombos, Insurreições, Guerrilhas (1959) e destrincha a situação da população negra na transição entre a Monarquia e a República brasileira e de que forma a estrutura racista da escravidão se perpetuou social e economicamente no país. Para contar esta história a partir de uma nova perspectiva, o autor divide seus estudos em três partes: da escravidão à marginalização, as lutas dos negos por emancipação na América Latina e a população negra como um grupo diferenciado de uma sociedade competitiva.

Clóvis Moura expõe as contradições do período pós-abolição, a partir de 1888, ao relatar em muitos dados estatísticos e pesquisas a condição desumana e de exploração na qual negros e negras se encontravam mesmo libertos, incluindo a falta de cidadania, auxílio e inclusão na sociedade, problemas que até hoje se refletem na marginalização dessa população. Com esta combinação, o desenvolvimento do Brasil, segundo o sociólogo, se apoiou em uma estrutura racista.

O autor também faz uma provocação no título da obra e indica que a história política e social, contada por brancos, reforçou um estereótipo racista sobre pessoas pretas, apagando suas lutas por resistência e por mobilidade social. Diante da repressão às culturas e religiões afrodescendentes, movimentos aconteceram em toda a América Latina e influenciaram no processo de independência das nações.

Todas estas reflexões propostas por Moura são objetos de estudo de pesquisadores como Gabriel Rocha, graduado em História, mestre em História Social e doutorando em História Econômica pela USP. Ele escreve o prefácio da nova edição do livro apontando a relevância dos estudos do sociólogo dentro e fora da academia, repertório ainda pouco conhecido por grande parte dos brasileiros.

Em entrevista à Ponte, Gabriel diz que só teve um contato maior com a obra quando tornou-se pesquisador, pois algumas publicações de Clóvis Moura só contaram com apenas uma edição. Ele também destaca os principais pontos da contribuição que o sociólogo deixou em seus 78 anos de vida.

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Com informações da Ponte Jornalismo. Leia a entrevista completa aqui.

30 de setembro de 2021

Douglas Belchior anuncia saída do PSOL

 

Douglas Belchior. (FOTO/ Reprodução).

Por Nicolau Neto, editor

Uma das principais lideranças do Movimento Negro e um dos idealizadores da Coalizão Negra por Direitos, o professor e ativista Douglas Belchior, anunciou na manhã desta quinta-feira (30), a sua saída do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) depois de mais de uma década.

Belchior ajudou a colher assinaturas para o registro do PSOL e por ele foi candidato a vereador e a deputado Federal não logrando êxito em face de coeficiente eleitoral.

Na nota que foi divulgada em suas redes e publicizada no site da Uneafro, Belchior critica o racismo institucional presente também no partido e defende o apoio desde já a candidatura de Lula a presidência da república. "acredito e defendo a necessidade de fortalecer desde já a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva como contraponto a Bolsonaro. Titubear à esta altura é um erro", disse.

"É evidente que pesa também na decisão pela saída do partido, toda a violência política, a prática do boicote, do apagamento, do silenciamento, da desqualificação e do racismo institucional que sofri nesses anos de embate, sobretudo quando passei a questionar, a partir de 2016, em documentos e diálogos internos, até chegar à esfera pública em 2018, a conduta racista das direções de São Paulo, de correntes internas e da direção nacional do Psol. Foram justas as disputas que travei e sinto que surtiram algum efeito, constrangeram posturas e abriram caminhos para avanços que, quero crer, um dia virão", destacou.

Abaixo a íntegra da nota:

NOTA DE SAÍDA DO PSOL

Por Douglas Belchior

Quinta feira, 30 de Setembro de 2021

Laroye!

Informo às amigas e aos amigos de luta e de vida que acompanham a caminhada desses anos todos a minha desfiliação do PSOL - Partido Socialismo e Liberdade. Nos últimos 16 anos, busquei contribuir com o que pude. Que se abram os caminhos!

Acompanho o Psol desde que era ainda uma ideia. Me dediquei à coleta de assinaturas para o registro do partido entre 2003 e 2005. Filiado ao núcleo da PUC-SP, onde cursei História, vivi intensamente a campanha de Heloísa Helena para presidente em 2006. Em 2010, com o velho Plínio de Arruda Sampaio à frente, acompanhei de perto nosso candidato a vice-presidente, militante do movimento negro baiano, Hamilton Assis. Em 2012, fui candidato a vereador em Poá-SP, sendo o mais votado, mas que, sem coeficiente eleitoral, não acessamos a cadeira. Em 2014, fui candidato a deputado federal, sendo o terceiro mais votado da lista. Em 2016, fui candidato a vereador da capital de SP, novamente ficando na suplência.

Em 2018, candidato mais uma vez a deputado federal, alcançamos quase 50 mil votos, mesmo sem apoio do partido. Figuramos entre os eleitos, mas perdemos a vaga ao final da apuração. Em 2020, optamos por fortalecer novas lideranças do movimento negro e elegemos, com muito custo e mais uma vez apesar do Psol, Elaine Mineiro co-vereadora da capital paulista, em uma candidatura coletiva - o Quilombo Periférico, ao lado de Débora Dias, Julio Cesar, Samara Sosthenes, Erick Ovelha e Alex Barcellos, todas lideranças de movimentos de base das periferias de SP.

Minha atuação sempre foi dirigida pelo movimento negro e periférico, em especial pela Uneafro Brasil, que ajudei a fundar, e por diversos coletivos que constroem a luta cotidiana nas periferias do Estado de São Paulo há mais de 20 anos. Nos últimos três anos me dediquei à construção da Coalizão Negra por Direitos, aliança nacional de movimentos negros que tem uma agenda política sintetizada em sua carta programa. Sempre acreditei em partido-movimento. Sempre defendi que o partido faça parte da vida ordinária, cotidiana das pessoas. Sempre critiquei partidos-mandatos, partidos-correntes, partidos de vida eleitoral apenas. Me dediquei a essa forma de atuação e todas as candidaturas que vivi foram expressão do trabalho dos movimentos que ajudo a construir. E sempre lamentei o fato de o Psol não reconhecer essa nossa atuação em São Paulo.

Os resultados do 7º Congresso Nacional do partido, realizado neste último final de semana, confirmam que, embora o discurso carregue elementos de mudanças, a estrutura não muda, a direção é a mesma, a mesma lógica de partilha interna de poder, a mesma cara, a mesma tez.

Nestes 16 anos a sociedade como um todo sofreu importantes mudanças na forma de fazer política e de tratar o tema do racismo. Em todos esses anos de vínculo travei debates internos e públicos sobre o papel do partido frente ao desafio do enfrentamento ao racismo como elemento fundamental do momento histórico que vivemos. Bem como da necessidade de o partido se abrir às demandas organizativas dos movimentos de periferia e do movimento negro. Infelizmente o partido jovem e depositário da confiança de uma base social também jovem e sedenta de novas experiências, sempre foi preso à velha lógica das correntes internas, proprietárias reais da máquina partidária, hegemonizadas pelo pensamento e pela forma branco-eurocêntrica da esquerda tradicional de se fazer política.

Este 7o. Congresso também evidencia dificuldade em lidar com experiências que não aquelas acorrentadas à dinâmica das tendências internas, explicitado na necessidade de regulação (controle e limitação) de candidaturas coletivas, na proibição de candidaturas apoiadas por iniciativas da sociedade civil e na limitação da possibilidade de busca de recursos fora dos "padrões partidários". E avança pouco na produção de mecanismos de efetivação do fortalecimento de lideranças negras orgânicamente ligadas aos movimentos negros. Quanto à conjuntura, acredito e defendo a necessidade de fortalecer desde já a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva como contraponto a Bolsonaro. Titubear à esta altura é um erro. Mais um tema tergiversado neste Congresso.

É evidente que pesa também na decisão pela saída do partido, toda a violência política, a prática do boicote, do apagamento, do silenciamento, da desqualificação e do racismo institucional que sofri nesses anos de embate, sobretudo quando passei a questionar, a partir de 2016, em documentos e diálogos internos, até chegar à esfera pública em 2018, a conduta racista das direções de São Paulo, de correntes internas e da direção nacional do Psol. Foram justas as disputas que travei e sinto que surtiram algum efeito, constrangeram posturas e abriram caminhos para avanços que, quero crer, um dia virão.

Meu afastamento das instâncias internas do partido se deve à óbvia conclusão de que a única possibilidade de a agenda negra incidir e produzir efeitos sobre a dinâmica social é o fortalecimento das experiências organizativas do Movimento Negro e, sobretudo, da imposição do Movimento Negro como instância legítima e indispensável para a formulação de um projeto de país que nos leve a superar a desgraça em que estamos mergulhados. O sucesso por essa opção é evidente. O Movimento Negro se fortalece a cada dia e hoje qualquer formulação, iniciativa ou atuação política que se queira honestamente comprometida com o povo brasileiro, deve por obrigação observar, respeitar e considerar a elaboração e o acúmulo histórico da resistência negra organizada. É só o começo.

Sou entusiasta do trabalho de tantos e tantas militantes do Psol, que tem tensionado a branquitude que hegemoniza direta ou indiretamente as direções partidárias, bem como do compromisso com a construção do movimento negro para além dos muros partidários. Registro meu respeito a essas lideranças e reconheço a importância de diversos mandatos legislativos, alguns deles comprometidos com a agenda do movimento negro.

Temos um governo racista e genocida para derrotar e um país para construir. Precisamos estar fortes para enfrentar os horrores do fascismo que nos atormenta. Para isso, é preciso construir a unidade possível, nos marcos da defesa dos direitos humanos, cuja missão seja o fortalecimento de agendas fundamentais em nossos dias, a saber: a defesa da vida de pessoas negras, mulheres, quilombolas e indígenas, comunidade LGBTQIA+, atenção às questões climáticas, enfrentamento à fome e as violências do Estado. Comprometidos desde sempre com esta agenda, construímos muito até aqui. E daqui pra frente, faremos muito mais! Saudações aos que têm coragem!

Okê arô!

29 de setembro de 2021

Latadas

 

Alexandre Lucas, Colunista. (FOTO/ Reprodução).

Por Alexandre Lucas, Colunista

Óleo, terra, besouros, mijo e muita raiva! Sabia exatamente o horário que a professora passava para dar aula durante à noite. Duas latas prontas para o ataque surpresa.

Era jogar e sair correndo! Isso foi feito, muito bem feito. Suja e fedorenta, fez o percurso de um quarteirão até chegar na escola. A aula estava perdida. Seria impossível entrar na sala naquele estado.  

Deve ter tremido de ira, medo e dúvida. Quem poderia atacar uma professora, logo uma professora?

A situação estava fedida e sem respostas, mas bastou um banho de duas horas e uma roupa limpa para seguir entrando nas salas de aula, durante anos, cheirosa e seguindo os padrões da moda. 

Óleo, terra, besouros e mijo nunca mais encontraram o caminho da professora. Enquanto isso, ela nunca deixou de jogar latadas de palavras nas suas aulas, mais sujas e fedorentas, do que aquelas que marcaram apenas um dia de sua vida.