Por Alexandre Lucas, Colunista
A história da humanidade é marcada pelo conflito. As conquistas sociais, os retrocessos, as disputas e o contraditório recheiam as lutas por democracia e emancipação humana. É impossível narrar a história da humanidade sem corriqueiramente ter um leque de contextos em que interesses divergentes se encontram. Entretanto, existe e não por acaso, um discurso e uma tentativa de apagamento, como se fosse possível, do conflito e do contraditório.
A
democracia não é um novelo de lá, macio e que podemos entrelaçar de pontos
uniformes. Possivelmente democracia seja o inverso: espinhosa e cheia de pontos
desalinhados. É um equívoco conceitual conceber a democracia sem considerar a
realidade e os contextos políticos econômicos, culturais e sociais concretos.
A
poesia pode ser construída conforme o nosso entendimento e querer, delimitamos
o tipo de métrica, o conteúdo, escolhemos as palavras, enfim, deixamos a poesia
com nossa feição, já democracia não é construída por uma ideia única, não é
modelada fora da atmosfera da coletividade e está longe ser uma receita de
padaria, onde basta ter os ingredientes exatos, as quantidades especificas e o
preparo adequado.
A vida social é fruto de uma conectividade de aspectos da infraestrutura e superestrutura da sociedade, é a partir do cruzamento e da complexidade dos aspectos econômicos, culturais e políticos que a democracia é gestada.
Numa
sociedade marcada pela luta de classes sociais distintas e antagônicas,
constatação histórica e social e não uma invenção falaciosa da
contemporaneidade, a democracia refletirá inegavelmente essas disputas de
narrativas e de poder.
Portanto,
o que seria uma gestão democrática e participativa? Para os entusiastas de
compreensão romanceada de democracia, em que que os elementos da analise não se
amparam na realidade objetiva, mas em idealizações, o caminho da gestão
democrática e participativa é marcada pela harmonia, pela escuta e o diálogo.
Para esses o contraditório, o divergente, a oposição, o conflito são elementos
estranhos à democracia.
Essa
compreensão equivocada de democracia é disseminada tanto no campo da direita
como por alguns setores da esquerda e precisa ser combatida de forma frontal,
para que os movimentos sociais se apropriem do sentido da sua existência
histórica e política e para que os gestores ampliem o seu repertório de entendimento
sobre democracia.
Os
mecanismos de controle e participação social, como os conselhos setoriais,
fruto da luta por democracia e emancipação humana, podem ser também, espaços de
escuta e de diálogo do/entre o Poder Público e a Sociedade Civil, entretanto, é
preciso deixar de desvirtuar e romantizar o conceito de gestão democrática e
participativa. Gestão democrática e participativa pressupõe mecanismos de
controle e participação social, o que consequentemente esbarra na disputa de
narrativas, nas relações de poder, no conflito de interesses, no consenso e na
desconformidade, descartar essa característica esboçada na luta de classes, é
desprezar a realidade concreta e construir um falso ideário de democracia que
serve para calar e atrofiar os mecanismos de controle e participação da
sociedade.
Possibilitar
que a sociedade civil, interferirá nos rumos das políticas públicas é um dos
intentos que norteiam os princípios de uma gestão democrática e participativa e
parir essa realidade não é algo harmonioso e simples, é um quebra-cabeça de uma
matemática social que nunca esbarra numa conta exata.
Gestão democrática é acolher o divergente sem colocar cabrestos, é aprofundar o conflito de ideias para nascer uma nova realidade. A democracia não é um romance que a gente escreve como quer.
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