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(FOTO/ Marcos Corrêa/ PR). |
'O
desastre de nossos dias é amplo, geral e irrestrito'
Qualquer que seja o ponto de vista da análise, forçoso é reconhecer: estamos diante do pior dos governos que já assolaram esta república. Pior mesmo que os governos dos generais Hermes da Fonseca e João Baptista Figueiredo (Este, por exemplo, teve como chanceler o embaixador Saraiva Guerreiro, que difere do atual como o homo sapiens difere de seu antecessor, o homem de Neanderthal).
A
diferença do governo do capitão ante os antecessores é que o desastre, desta
feita, não se deve à inépcia de seus condutores, mas, ao contrário, resulta de
uma franca e planejada opção: a de pôr por terra o projeto (que vem dos
militares e civis de 1930) de desenvolver o país mediante sua industrialização.
Isso porque, até para ter forças armadas dignas dessa denominação, precisávamos
de desenvolvimento industrial, o que terminou por unir Getúlio Vargas e
generais reacionários como Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra.
O
sonho de um desenvolvimento autônomo fenece hoje na forma de capitalismo
subdesenvolvido e dependente. Sua grande cova é cavada por generais
comissionados, uma burguesia sem compromissos com o país, um sistema financeiro
desapartado da produção, uma coorte política a serviço da casa-grande,
permanentemente contra as reformas sociais e o progresso que favoreça as grandes
massas.
O
desastre de nossos dias é amplo, geral e irrestrito: subordinação da política
de defesa aos interesses da geopolítica dos EUA, desindustrialização,
desemprego, falência de médias, pequenas e microempresas, desinvestimento, fuga
de capitais, recorde de mortes ante à pandemia, destruição da amazônia e do
pantanal, por fim, depressão econômica, de par com a desmontagem do Estado e
falência das políticas públicas, anunciadoras de um futuro imediato de mais
concentração de renda e fome. Ademais de uma corrupção larvar que envolve a
família presidencial e suas relações suspeitíssimas com as milícias que
controlam o crime organizado no Rio de Janeiro.
E,
no entanto, dizem as pesquisas, o capitão vê crescer sua popularidade, para
espanto da oposição liberal, esquecida de seu recente papel como linha auxiliar
das forças mais atrasadas da política brasileira, que emerge já nas eleições de
2014 para tomar conta da cena a partir da deposição da presidente Dilma.
É
preciso lembrar aos esquecidos e informar aos que chegaram depois que a
ascensão do bolsonarismo se fez nas pegadas de longa e intensa campanha da
grande imprensa visando a desmoralizar a política, os partidos e os políticos,
pois tudo se justificava ante o propósito maior de deter o lulismo (simbolizando
o que se supunha ser a ascensão das esquerdas), eleito, a um só tempo, pelos
liberais e pela direita, como o inimigo comum a ser destroçado. Os partidos
ditos de centro e os ditos liberais, como o autoproclamado partido
socialdemocrata (e lideranças irresponsáveis como Aécio Neves), não tiveram
dúvidas em abraçar o projeto da direita, por mais reacionário, na velha
suposição de que ela seria sua aliada na destruição da esquerda, que não haviam
conseguido derrotar. Abrindo caminho para uma extrema-direita subestimada,
terminaram por construir o monstro que os devoraria. O que estamos a colher são
seus frutos, pois, como todos sabem, na política, tanto quanto na história, não
há almoço grátis.
Nesse jogo sujo ninguém é inocente e os liberais e os socialdemocratas, não podem fugir à sua responsabilidade histórica, embora não estejam sós nesse imbróglio.
Ainda
hoje os mesmos jornais que fazem restrições formais ao capitão e aos maus modos
de sua grei são unânimes na defesa da política neoliberal, da qual se afastam
os países desenvolvidos, e não se cansam de, a qualquer pretexto, seja mesmo só
para amenizar a crítica ao capitão, bater no PT, em Lula, em Dilma e no legado
de seus governos, que, para eles, mesmo em face da realidade vivida, nada tem
de apreciável. Dessa cantilena não se afastam seus colunistas, mesmo os mais
críticos do bolsonarismo, que ainda entoam loas ao lavajatismo, à destruição do
Estado brasileiro, e elegem como marcos de referência política figuras torpes
como a do ex-juiz Moro. Todas as tintas são postas na paleta para a defesa do
ex-Posto Ipiranga e de sua política de fortalecimento do capital financeiro
especulativo.
Essa
oposição mais confunde do que ajuda a construir uma opinião pública de
resistência nacional, pois é disso que se trata. E, nas circunstâncias, uma
sociedade bem informada é algo muito relevante, pois os partidos fracassaram no
dever de constituir uma oposição orgânica, e o movimento social padece de
lideranças e força mobilizadora, quando ainda mais difíceis são as condições de
organização impostas pelo enfrentamento da pandemia. Noutras palavras – e eis o
que pretendo ressaltar–, o capitão corre só e, enquanto correr só, será imbatível,
como a tartaruga da lenda que derrotou o coelho dorminhoco. Apesar da clareza
da realidade, que exigia unidade na ação, mesmo episódica, os diversos partidos
de oposição – mais uma vez liderados pela corporação hegemônica – optaram pelo
voo solo nessas eleições, e, em muitos casos, pela disputa fraticida na já
estreita franja do eleitorado de esquerda. A política maior, de combate ao
sistema e ao bolsonarismo, fica para depois.
Com dados de hoje, em apenas duas capitais (Porto Alegre e Belém) os candidato de centro-esquerda têm condições de ir para o segundo turno e vencer. Nessas duas cidades foram constituídas amplas coligações. Alguma lição a colher?
As
pretensões do PT em São Paulo e no Rio de Janeiro são, ainda, um mistério. Em
2018 decidiu não disputar o pleito nos dois principais estados da federação, e
este ano, na capital paulista, lança candidato que não passa de 1% das
intenções de votos. Nem disputa a prefeitura nem faz proselitismo político, as
duas oportunidades ensejadas pelo processo eleitoral.
A
fragilidade de nossa participação nessas eleições é o reflexo de nossa
fragilidade orgânica e programática no enfrentamento ao avanço ideológico da
extrema-direita e da consolidação do governo bolsonaro, que tão bem a
representa. Não basta, pois, chegar à conclusão óbvia de que o capitão se
recupera na aprovação de seu governo: é preciso ir a fundo na busca de suas
causas, que residem, majoritariamente, na fragilidade da oposição que lhe
oferecemos. O fato objetivo é que, hoje, o capitão não tem adversário, e, livre
do embate, corre isolado em raia única. De igual forma, o avanço da
extrema-direita, inclusive em áreas que se diriam reservas da esquerda, como
núcleos proletários, também resulta da inexistência do confronto ideológico.
A
máquina de manipulação ideológica da direita — desde seus aparelhos clássicos,
como a grande mídia, agora fortalecida pelos instrumentos das redes sociais e
as pregações do pentecostalismo primitivo –, faz o seu trabalho, sistemático,
permanente. A nenhum desses fenômenos a esquerda conseguiu construir resposta à
altura do desafio. Também neste campo a extrema-direita avança porque está só
(seu discurso não esbarra no contraditório), nada obstante a resistência
isolada de uma série de blogs e articulistas que, como maquis, combatem como
podem o grande invasor.
Essa fragilidade, orgânica, possui uma gama de explicações e não cabe aqui estabelecer seu inventário, mas destacar pelo menos dois pontos, e um deles, talvez o fulcral, é a crise do Partido dos Trabalhadores, que não nasce com a deposição de Dilma Rousseff, mas que vem de bem lá trás (mesmo de antes do “mensalão”), com reflexos óbvios na dificuldade de sua direção compreender o processo histórico e nele situar seu papel, e a partir dele o das forças populares, sobre as quais exerce, ainda, inquestionável hegemonia. A crise do PT detonou a crise dos demais partidos e a crise geral e estrutural do sindicalismo e dos movimentos sociais, bloqueando a mconstrução de alternativas.
A meada que vinha remoendo as entranhas do PT se agravou, e não poderia ser de outra maneira, com o julgamento, condenação e prisão arbitrárias e ilegais do ex-presidente Lula, pondo-o fora da cena política.
O
baque sobre as demais forças populares não foi menor, pois a liderança de Lula
sempre se estendeu a todo o campo progressista. Ao invés de termos o líder em
campo, comandando suas tropas, as tropas saíram de campo para defender o líder,
posto fora da contenda, deixando livre o cenário para a ação do adversário.
Lamentavelmente,
até aqui não se recuperaram nem o PT nem sua grande liderança, em cuja lucidez
política e capacidade de luta as forças progressistas brasileiras depositaram
todas as suas esperanças.
Mas
é preciso agir, enquanto esperamos.
________________________
Texto de Roberto Amaral, na CartaCapital.
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