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O movimento negro tem se mobilizado para combater as fraudes nas autodeclarações para buscar cotas na universidade. (FOTO/ Reprodução/ BBC Brasil). |
Loira,
de cabelos lisos, com a pele branca e os olhos verdes, uma das estudantes
aprovadas no curso de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
justificou sua entrada pelo sistema de cotas raciais dizendo "se
considerar parda" e ser de uma família de negros.
Outros
alunos brancos, já avançados no curso de Medicina da Unicamp, faziam até
deboche e contavam piadas para colegas sobre o fato de terem passado no
vestibular se valendo das cotas — cujo objetivo é reduzir a desigualdade
racial.
Negros
ainda são sub-representados nas universidades públicas brasileiras, compondo
50,3% dos alunos, apesar de corresponderem a 55,8% da população, segundo dados
do IBGE em 2018.
Diversas
universidades públicas estão recebendo e investigando denúncias sobre alunos
que tentaram driblar o sistema.
Só
na UFRJ já foram 280 denúncias de possíveis fraudes nas cotas raciais desde a
implantação do sistema. Segundo a universidade, dos 186 já analisados, 96 foram
considerados aptos a ocuparem as vagas reservadas para pretos, pardos e
indígenas (PPI).
Na
Universidade Estadual da Bahia, um aluno branco de cabelo ruivo entrou no curso
de Medicina neste ano através das cotas — o que está sendo investigado.
A
USP investiga 41 denúncias. A Unicamp desligou nove alunos e a Unesp expulsou
30 que tiveram as autodeclarações consideradas inválidas.
As
denúncias são resultado de uma grande mobilização do movimento negro para
identificar e combater fraudes nas cotas e evitar que haja abusos no direito,
conquistado após anos de luta.
"A gente não queria estar discutindo isso,
queria que existisse um bom senso e um respeito à lei. Mas, como não existe,
temos que recorrer a métodos mais eficazes", diz o advogado Lucas
Módolo, que criou com colegas um grupo de combate à fraudes quando ainda era
aluno de Direito da USP.
"Quantos alunos negros tiveram o direito de
estudar tolhido por culpa desses fraudadores?", questiona frei Davi,
da ONG Educafro, que fez denúncias de fraudes em cotas para mais de 20
universidades.
As
reclamações chegaram até a entidade de diversas formas. "A gente garante total tranquilidade e
anonimato para quem faz", diz Davi.
"Aconteceu muito de alunos da Educafro e
outros alunos solidários, dentro de sala de aula, ouvirem comentários e
deboches sobre pessoas fraudando as cotas", conta.
Como é feita a identificação racial
Denise
Goes afirma que autodeclaração foi uma vitória no fortalecimento do movimento,
porque muitas pessoas não conseguiam nem se ver como negras devido ao mito da
democracia racial. "Por um lado, foi
vitória da afirmação da identidade negra. Mas, do ponto de vista de política
pública, ela não é suficiente."
Por
causa da forma como o racismo funciona no país, diz, a identificação para
avaliar se alguém está apto para ocupar as vagas destinadas aos negros é feita
com base no fenótipo, não com base em questões culturais ou ancestralidade.
Isso
significa que ser filho ou neto de negros não é suficiente para garantir o
acesso às cotas raciais se a pessoa é lida pela sociedade como branca, ou seja,
se não sofre preconceito racial.
"As cotas são uma política de reparação para
quem sofre racismo", diz Pádula.
Na
prática, a heteroidentificação na UFRJ é feita por uma comissão avaliadora,
formada por alunos, docentes e funcionários que passaram por uma capacitação de
60 a 90 horas.
A
capacitação inclui a história da constituição do racismo no Brasil, tem um
contraponto com o racismo norte-americano (mais baseado em origem e questões
culturais) e em outros países, e há exercícios práticos de heteroidentificação.
No
total são 54 pessoas, mas cada ingressante é avaliado por uma subcomissão de 5
pessoas.
Cada
ingressante comparece pessoalmente a uma entrevista, no qual os avaliadores
observam se a pessoa tem fenótipos negros, ou seja, características físicas —
cor de pele, cabelo, traços do rosto — que as identificam como negros.
"Não
é só uma única característica, é o conjunto da percepção e integração de todos
esses sinais", explica Pádula.
Ter
a pele mais escura nem sempre é suficiente. "Há uma série de pessoas que
tem tons de pele não-brancos, como descendentes de árabes ou japoneses de
okinawa, mas que não são vítimas do racismo", diz Lucas Módolo.
Pádula
afirma que a comissão não é um 'tribunal racial' para definir a identidade das
pessoas, mas apenas uma avaliação sobre se ela está apta ou não para ter acesso
às vagas de cotas.
Além
disso, quem discorda do resultado tem a possibilidade de recorrer.
"A
gente pega casos muito óbvios, que comprovam que não é uma questão de dúvida
sobre a identidade de uma pessoa parda, mas de abuso mesmo. Não é à toa que, de
longe, o curso com mais fraudes foi medicina, o mais difícil de entrar",
afirma Goés.
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Com
informações da BBC Brasil. Clique aqui e confira o artigo completo.
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