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Matilde Ribeiro. (FOTO/ Pedro Borges). |
Sua
trajetória tem marca registrada na luta pela igualdade racial no Brasil. De São
Paulo, Matilde Ribeiro, ganhou notoriedade nacional conforme os passos da luta
antirracista a colocaram, entre os anos de 2003 e 2008, dentro do Planalto no
cargo de ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (Seppir) do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Graduada
em Serviço Social e mestra em Psicologia Social, Ribeiro atuou em diversas
frentes do movimento negro como na fundação da Soweto Organização Negra e no
Centro de Estudos sobre Trabalho e Desigualdades (CEERT), além do Fórum de
Mulheres Paulistas e o Movimento Nacional de Mulheres Negras.
Em
entrevista ao Alma Preta, ela falou sobre sua atuação à frente da pasta, das
mudanças do comportamento do partido em relação à pauta racial, bem como os
desafios e retrocessos que os anos seguintes experimentaram e experimentam em
relação à população negra do país.
Um novo ciclo no partido
No
resgate do período em que Lula chegava ao poder, a ex-ministra recorda com
detalhes os bastidores da conquista. Para ela, a eleição de 2002 apresentou um
diferencial pois houve representação do movimento negro durante a campanha do
Partido dos Trabalhadores (PT).
Junto
ao grupo que coordenava a disputa eleitoral foi criado o programa Brasil Sem
Racismo, que fazia parte do conjunto de publicações que culminaram no programa
de governo do então candidato Lula.
“Esse momento do ponto de vista de política
governamental ligada a setores de esquerda, ao PT, ao movimento dos partidos de
esquerda, foi um divisor de águas. Por quê? Acompanhando antes eu verifiquei
que dentro das negociações para as candidaturas dentro do PT, a questão racial
pouco aparecia. E sempre foi muito difícil trazer essa temática como parte da
agenda”, lembra Ribeiro.
Institucionalmente,
até aquele momento, a Fundação Palmares, fundada em 1988, era o único órgão
governamental que tratava exclusivamente da questão racial no país. “A Fundação Cultural Palmares foi uma
conquista, mas ao mesmo tempo muito questionável, porque reduzia a visão do
governo da época da questão à cultura e nós sabemos que o buraco é muito mais
embaixo”, explica.
A Seppir
Fruto
das discussões do plano de governo de Lula, a criação da Secretaria de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial foi uma demanda exigida pelo
movimento negro. No entanto, lembra a ex-ministra, a criação da pasta foi a
primeira disputa do movimento assim que Lula tomou posse. Isso porque havia uma
promessa de que a Seppir fosse criada assim que o governo assumisse a
Presidência.
Com
a justificativa de que a proposta da pasta não estava madura, ela só veio a ser
concretizada em março de 2003. A Seppir se constituiu como um órgão de
assessoramento à presidência e, como as outras secretarias especiais, tinha
status de ministério.
“A terminologia Promoção da Igualdade Racial
nos trouxe a responsabilidade de trazer como foco a questão racial negra, mas
dialogar com indígenas, ciganos, palestinos, judeus, com todos os grupos
vítimas de discriminações históricas, do ponto de vista racial ou étnico”,
explica Ribeiro.
Internacional
A
Conferência de Durban, a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo,
Discriminação, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada na África do
Sul, em 2001, foi um marco na política racial implementada durante a gestão de
Lula e Matilde. O documento da Conferência serviu como embasamento das
políticas de governo, influenciando, inclusive, o Censo do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), que passou a utilizar o critério de
autodeclaração de Cor/Raça em suas entrevistas.
Assim
que assumiu o governo, a gestão petista do governo federal também iniciou uma
aproximação maior com os países do continente africano. Antes de 2003, o Brasil
tinha 18 embaixadas e um consulado no território africano. Dez anos mais tarde,
o país havia ampliado esse número para 37 embaixadas e dois consulados.
Na
esfera diplomática, Lula fez 33 viagens ao continente, Celso Amorim, então
Ministro das Relações Exteriores, fez 67 visitas oficiais a 34 países
africanos. O Brasil também recebeu 47 visitas de reis, presidentes e
primeiros-ministros de 27 nações do continente. Além de acompanhar Lula em
viagens, Ribeiro também fez diversas visitas institucionais para outros países
conciliando agendas, inclusive, com Gilberto Gil, então ministro da Cultura.
Educação
Na
educação, a adoção de cotas raciais, a mudança de perfil do Enem (Exame
Nacional do Ensino Médio) e o uso da nota para ingresso em universidades
federais por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), a criação do ProUni
(Programa Universidade Para Todos) e o Fies (Programa de Financiamento
Estudantil) tiveram – e têm – impactos positivos para toda população jovem e
negra do país.
Em
2005, apenas 5,5% dos jovens desse grupo racial com idade entre 18 e 24 anos
estavam na universidade. Segundo o IBGE, em 2015, este percentual subiu para
12,8%. Para Ribeiro, o governo Lula não só mudou a fotografia das universidades
públicas, mas também das privadas. “A
universidade não pode ser privilégio de poucos”, diz.
Desafios
No
período em que o ex-presidente Lula esteve à frente do país - oito anos
encerrados em dezembro de 2010 -, a pobreza no país foi reduzida em 50,64%,
segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a partir de
dados do IBGE.
Mesmo
com muita coisa para se comemorar, de um panorama geral, ela diz que é
importante reconhecer que o governo Lula não foi uma revolução. “É governo, e tem limites”, diz. “Eu evito de fazer análises muito
apaixonadas, de que foi a revolução. Não foi a revolução, deixou muito a
desejar, mas apresenta diferenciais. Eu avalio que nós precisamos fazer
análises até para poder refletir o que está significando isso hoje”, diz.
A
Seppir, embora com status de ministério, nunca teve um orçamento próprio e
sempre apresentou dificuldades para se gerir. Para ela, uma das ações que
travavam a pasta era o fato de não conseguir trabalhar a questão da igualdade
racial para negros com mais autonomia. “Não
precisava de uma secretaria que por dentro dela passasse todas as questões de
indígenas, ciganos, palestinos, judeus, ribeirinhos. Tudo caia dentro da Seppir
porque a dimensão da questão racial é multifacetada”, explica.
Ela
explica que tinha plena convicção de que o governo Lula não iria conseguir
resolver todas as questões sociais de 500 anos em cinco ou quatro. Em tom de
autocrítica, ela avalia que a questão do acesso ao trabalho, do ponto de vista
racial, não foi muito trabalhada, embora a questão do trabalho doméstico tenha
tido avanços com a ampliação do direito ao FGTS e férias e, posteriormente, com
a implementação da PEC das Domésticas.
“Vivendo essa realidade ou construção, no
tempo histórico em que eu vivi, nós fomos até o topo. Tem hora que chega no
limite, que não tem mais o que negociar. E muitas vezes o resultado não é
esperado”, conta. “Mas eu não tenho arrependimento nenhum, porque foi o
possível”, frisa.
Politicamente,
Ribeiro é enfática ao diferenciar a sua atuação na militância construindo
reivindicações e sua atuação no Planalto. “Como
a gente costuma dizer, [na militância] a gente visualiza a vidraça e taca
pedra. Só que quando você está do outro lado, você tem que mensurar o tamanho
da reivindicação, se cabe naquele formato de governo, quanto custa, a quem
atende. O planejamento de uma ação de governo tem um nível de detalhe que só
vivendo para aprender. Não tem escola, não tem faculdade ou livro que ensine”,
diz.
A Seppir pós Lula e Matilde
Em
2008, ano em que saiu da Seppir, Ribeiro se fez o questionamento se era
possível afirmar que houve institucionalização das políticas de igualdade
racial no Brasil. Procurando respostas, conversou, como ela diz, com os
“cabeções da política”, entre eles, Kabenguele Munanga (USP), Cida Bento
(CEERT), Luciana Jacu (IPEA) e o Silvio Albuquerque (Ministério das Relações
Exteriores). A resposta encontrada foi positiva, havia institucionalização.
Mas
na sua avaliação dos dias de hoje, com o governo de Jair Bolsonaro à frente da
Presidência da República, Ribeiro lamenta que as coisas tenham mudado. “Só que passaram 10 ou 12 anos e eu me faço a
pergunta de novo. Cadê a política institucionalizada? Deixou de existir! A
mesma força da lei que faz existir, faz deixar de existir”. lamenta. “Quando
nós falamos dos retrocessos do ponto de vista das políticas públicas, de
desmontes, eles são reais. Por exemplo, a Seppir deixou de existir”,
lamenta.
No
entanto, a ex-ministra ainda acredita que todo esforço valeu a pena, tem dado e
dará bons frutos. “Todo o retrocesso pode
acontecer, mas fica uma chama viva, de que ‘igual ao que foi antes não será
mais’. Eu sou otimista, acredito nisso. Eu acho que ainda vamos viver governos
democráticos. Nós não sabemos quanto cada um de nós vive, mas a sociedade irá
viver”, afirma.
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Com informações
do Alma Preta.
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