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Democracia em Vertigem expõe as muitas feridas do golpe no Brasil. (FOTO/Reprodução/YouTube). |
Vasta
documentação histórica aliada às portas abertas do Palácio da Alvorada compõem
o documentário Democracia em Vertigem, da cineasta Petra Costa. O longa chegou
nesta semana ao catálogo da Netflix para deixar mais um registro definitivo
sobre o atual contexto político brasileiro. Petra conta com sensibilidade
pontos essenciais da história recente que levaram o país a um processo de golpe
(contra Dilma Rousseff, em 2016) que levou à ascensão da extrema-direita – com
a ajuda da classe média alta do país, na qual a diretora se inclui em sua
narrativa.
Democracia
em Vertigem entra para o panteão daqueles que se dedicam a contar a história do
país, ao lado de extensa produção literária e mesmo audiovisual, como a obra
par O Processo (2018), da documentarista Maria Augusta Ramos. Estão ali,
explícitos para o público, momentos históricos como a conversa do então senador
Romero Jucá (MDB-RR) com o ex-presidente da estatal Transpetro Sergio Machado:
“A solução é botar o Michel (…) Num grande acordo nacional, com o Supremo e com
tudo”. Petra faz questão de repetir a fala, como que em um desabafo particular,
indignada.
O
grande seriado de drama, com toques de terror (tudo muito bem televisionado,
espetacularizado), que se transformou a política nacional, explode em seu mais
novo capítulo com o escândalo da “Vaza Jato“. Mesmo não entrando no
documentário, os fatos se conversam. No documentário, Petra apresenta a forma
como a Justiça, por intermédio da Operação Lava Jato, com os procuradores do
Ministério Público de Curitiba e o então juiz Sergio Moro, tratou o processo
contra o ex-presidente Lula.
Provas?
Não foram necessárias. Bastaram convicções e um conluio entre juiz e promotores
com a finalidade de prender Lula para impedi-lo de concorrer às eleições do ano
passado. Foi a continuidade do golpe. “Qual
o sentido de tirarem a Dilma se eu voltar?”, questiona o ex-presidente.
“A história foi ficando cada vez mais
surreal, com pontos de virada inimagináveis”, disse a cineasta
em evento de lançamento do documentário em São Paulo, na quarta-feira (19). “As viradas continuam”, afirmou, em
referência aos novos fatos que comprovam a relação promíscua entre Moro e
procuradores (vazamento de diálogos pelo The Intercept Brasil). Durante o
lançamento, Petra foi questionada, inclusive, se seria cabível a produção de
uma continuação do longa. E encarou a possibilidade com bom humor, sem
sentenciar sim nem não.
Reações
Petra
tem 35 anos, praticamente a mesma idade da democracia brasileira após o fim da
ditadura civil-militar (1964-1985), como observa no filme. Aos 28 anos, filmou
ELENA (2012), que ganhou prêmios de Melhor Documentário pelo Júri Popular,
Melhor Direção, Montagem e Direção de Arte no Festival de Brasília. O
documentário se impôs a Petra como um meio de enfrentamento à dor da morte da
irmã. Segundo ela, uma dor tão forte quanto a vivida nos dias atuais, ante o
sangramento da utopia democrática – um roteiro que também se obrigou a contar.
A
mensagem de Democracia em Vertigem é clara: tão jovem democracia em tão grave
risco. Não foram poucos os relatos de expectadores que caíram nas lágrimas
durante o longa. “Fiquei muito
emocionado. Chorei pouco, não como ela”, disse o músico Caetano Veloso, que
assistiu em sua casa, ao lado da apresentadora e atriz Mônica Iozzi, que ficou
muito abalada. “É difícil não chorar
nada. Tem a perspectiva dela e a histórica, tem os pais dela. A série de coisas
é muito nítida a feição dessa história”, completou Caetano.
O
ponto de vista da cineasta é muito presente na obra. Inclusive a crítica
frequentemente cobrada do PT, de ter – apesar de ter realizado gestões
inclusivas e que levaram a uma taxa elevada de aprovação de Lula, acima de 80%
–, falhado no plano ético ao sucumbir aos antigos mecanismos de financiamento
de campanhas.
Narrado
em primeira pessoa, o documentário trata da família de Petra. Seu avô,
empreiteiro fundador da Andrade Gutierrez. Seus pais, ativistas comunistas
perseguidos pela ditadura. Uma família de contrastes. Em um desabafo, ela
lamenta que parte de seus familiares apoiaram o presidente de extrema-direita,
Jair Bolsonaro (PSL) – que não esconde seu desejo de que gente como os pais de
Petra estivesse mortos após tortura, simplesmente por pensar de outra forma.
Um
dos pontos de virada mais importantes da linha narrativa, como não poderia ser
diferente, é a votação da aceitação do impeachment na Câmara dos Deputados, em
abril de 2016, quando os deputados votaram por Deus, pela família, pela avó,
por estradas, por igrejas, contra Dilma. Sobre o porquê da cassação de seu
mandato? Nada. Apenas a oposição desesperada com o absurdo. O maior deles veio
justamente com Bolsonaro. Deputado federal à época, dedicou seu voto ao coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador militar reconhecido pela Justiça,
inclusive de Dilma Rousseff, quando ela era uma jovem ativista.
Perplexo,
o ex-deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) – que atualmente está exilado, após ameaças
contra sua vida vindas de grupos bolsonaristas – falou em suas redes sociais
sobre o documentário. “É impressionante como a Petra conseguiu traçar um elo
entre nosso passado recente e nosso passado mais distante. E mostrar o que
restou do passado distante de mais infeccioso, a ponto de infectar nossa
democracia. Petra se implica na história, conta uma história que é dela e
também nossa. Eu, envolvido nos fatos, ao vê-los de fora do país, me doeu
muito”, disse.
Muitos
outros pontos históricos estão lá: a resistência de Lula no Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC antes da prisão; a morte de sua companheira, Marisa
Letícia; o isolamento de Temer no governo Dilma, sua articulação golpista,
entre outros.
Na
segunda-feira (24) o longa será exibido na Casa do Baixo Augusta, no centro da
capital, com posterior debate com Petra, a partir das 19h.
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Com
informações da RBA.
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