Após Collor, Bolsonaro é o presidente que mais governa por decretos


Após Collor, Bolsonaro é o presidente que mais governa por decretos.
(FOTO/Reprodução/CartaCapital).

No final do mês passado, em uma de suas reuniões com Rodrigo Maia, o presidente Jair Bolsonaro cometeu um ‘sincericídio’ que ganhou a primeira página dos jornais. “Com a caneta eu tenho muito mais poder do que você. Apesar de você, na verdade, fazer as leis, eu tenho o poder de fazer decreto. Logicamente, decretos com fundamento.”

Não parece ser o caso.

Em pouco menos de seis meses de governo, o presidente editou 180 decretos presidenciais — um por dia, em média. Ganhou de Dilma, FHC e por pouco de Lula, que editou a esta mesma altura de seu primeiro mandato 178 decretos.

A Constituição não impõe limites à edição de decretos presidenciais. Mas não é comum que assumam força de lei. O bom decreto serve para tornar mais concretos dispositivos legais, facilitando seu cumprimento. Na hierarquia dos atos normativos, o decreto não deve se sobrepor às leis vindas dos Congresso. Justamente porque existe para regulamentar essas leis.

Mas Bolsonaro tem péssima relação com o Congresso. O PSL cresceu exponencialmente. De oito cadeiras, hoje empata com o PT em número de parlamentares, mas não consegue liderar a construção de uma base aliada. Essa falta de articulação os torna refém da tal ‘velha política’ a qual ele tanto se refere.

Não à toa, as canetadas são alvo de contestação dentro e fora dos limites do Congresso. Na última quinta-feira, o Senado derrubou por 47 votos a 28, o decreto que estendia o porte de armas a vinte categorias profissionais. Foi aprovado um contra projeto do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que tornou sem efeito o regulamento.

Não é a primeira vez que deputados e senadores impõem derrota ao governo nessa questão. Em fevereiro, foi derrubado um decreto que dava a mais funcionários o poder de impor sigilo a dados e documentos públicos.

Os senadores concluíram que o presidente atropelou as atribuições do Congresso: as mudanças deveriam, primeiro, ser enviadas pelo Executivo ao Congresso por meio de projeto de lei.

Em comum, todos os presidentes usaram esse dispositivo para reorganizar a estrutura do governo. No caso de Lula, boa parte dos decretos de início de mandato serviram para viabilizar o Fome Zero.

A caneta de Bolsonaro age sobre uma uma ampla gama de questões. O presidente mudou, por exemplo, um texto que impedia que os dados de beneficiários do INSS fossem vendidos. Também desfigurou o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Mais recentemente, tratorou a decisão parlamentar que mantinha a demarcação de terras indígenas sob o guarda-chuva da Funai, no Ministério da Justiça.

O grupo Pacto Pela Democracia divulgou um manifesto assinado por 49 entidades e outras dezenas de parlamentares contra o que chamou de “excesso” das canetadas. Para a organização, a sanha de edições do presidente lembra a ditadura e acende um sinal amarelo para os riscos de uma autocracia.

Essas canetadas também são alvo de contestação jurídica. O presidente é parte em mais de quarenta Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que tramitam no Supremo. Foi assim com o decreto que extinguiu os conselhos de participação a sociedade civil. Na semana passada, a maioria da corte votou por impedir que Bolsonaro levasse a cabo a medida. Mas o presidente Dias Toffoli pediu vistas e suspendeu a votação. Ele havia prometido dar seu voto e encerrar o caso na quinta passada, mas ainda não colocou o tema em pauta.

O número um das carimbadas é… Collor

O país já teve um outro ‘carimbador maluco’ na cadeira presidencial. O recordista absoluto é Fernando Collor, que em seis meses assinou 416 decretos. Vindo de um partido pequeno e que se recusava a negociar com o Congresso, ele apelou à caneta para levar adiante seu Plano Collor. Em dois anos, essa empáfia ajudaria a montar o cenário que lhe custou o cargo.
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Por Thais Reis Oliveira, na CartaCapital.

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