(Foto: Francisco Proner). |
No
dia da prisão de Lula transmitida em rede nacional (sim, a contrarrevolução foi
televisionada) tive uma tosse horrível, cheguei a ter febre e vomitei duas
vezes. Há anos que meu físico tem esse tipo de reação quando a vida machuca
legal: ele bota pra fora tudo aquilo que eu não consigo falar e/ou escrever.
Naqueles dois dias: eu só chorei e muito. E confesso pra vocês que essa dor é
imensa porque o que a gente viveu nesses últimos cinco anos, desde 2013, é
muito violento, muito traumático, muito horrível. Violento, traumático e
horrível pelo nível de desumanidade que a direita brasileira e suas frações de
classe histéricas são capazes de mobilizar para se manter no poder, transformar
o Estado em um grande balcão de negócios e perpetuar as enormes e estruturantes
desigualdades brasileiras – a mensagem é clara: o Estado é deles e para eles, e
o restante da população deve viver no limite da humanidade para lhes servir
como exército de reserva, mão de obra precarizada e subalternos de toda sorte.
A punição exemplar de Lula, esse homem imenso, é paradigmática desse processo.
A
questão que importa: Lula está preso, mas está longe de estar acabado. Isso
porque não se trata apenas do homem, mas como ele mesmo falou no comício antes
de ser encarcerado: Lula é uma ideia que nos últimos 13 anos foi transformado
em um programa de governo chamado lulismo. O lulismo, nos termos desenvolvido
por André Singer, é um projeto de Nação onde todos ganham sem o acirramento dos
conflitos. E nós sabemos que durante os governos petistas todos ganharam e não
foi pouco. E nós também sabemos que mesmo com o presidencialismo de coalizão: a
sociedade brasileira não é mais a mesma. O que também vimos nesses últimos dias
em São Paulo é uma sociedade altamente politizada em torno do legado de Lula e
do lulismo. Entre as cenas mais tristes transmitidas para o mundo, ao vivo e em
tempo real, vimos a cena mais bonita e emocionante: trabalhadores e
trabalhadoras se auto organizando para impedir que Lula se entregasse à PF.
Ali, na hora, no momento mesmo daquela dor imensa e da luta, que no cotidiano
dessas pessoas são as mesmas coisas – quem há de negar a natureza
revolucionária desse ato espontâneo?
Isso
tem implicações sérias para a esquerda nesse momento, sobretudo para um setor
da esquerda que tem esbravejado que o Lulismo morreu com a prisão arbitrária de
Lula. O lulismo está mais vivo do que nunca e tornou-se incontornável: para a
esquerda e para a direita. Primeiro porque não há um lulismo no Brasil, esse
país com enormes assimetrias regionais. Há lulismos: aqui no Nordeste está
longe de ser um reformismo fraco. A Revolução Severina, por exemplo, é a prova
cabal disso: não se trata de combate à pobreza, mas de combate à histórica
desigualdade social. Lembremos do programa mundialmente reconhecido: 1.500.000
cisternas, que fornecem água e combatem à seca nordestina, quebrando o ciclo de
gerações e gerações de nordestinos indo para o centro-sul para servir de
mão-de-obra precarizada e super explorada.
O
lulismo no centro-sul, SP e RJ, é outra coisa. E mesmo assim não é o mesmo para
todas as classes sociais. Ele é limitado e aparece como esgotado para um setor
da classe média ilustrada dessas regiões, sobretudo para aqueles que se auto
qualificam de esquerda autonomistas cujos integrantes nasceram fazendo três
refeições diárias, com água abundante, luz elétrica inesgotável, dentição
completa e acesso ao mundo amplo e irrestrito. São esses acadêmicos burgueses
que não suportam que o povo faça a sua política, no tempo que lhe convém, da
forma possível de suportar o insuportável às vezes, com sua própria capacidade
de mediar o cotidiano que já luta em si. É esse setor ilustrado da classe média
e a elite golpista têm decretado o fim de algo, o lulismo, que o Golpe de 2016
e a prisão de Lula deram um novo fôlego e certamente ganhará um novo capítulo
nas eleições de 2018 – mesmo se o golpismo continuar agindo ao arrepio da lei e
mantendo Lula preso. A prova cabal de que o lulismo não se restringe ao homem,
mas a ideia, é que qualquer pessoa indicada por Lula já sai com 12% das
intenções de voto e sem campanha!
O
lulismo é múltiplo e está longe de ter se esgotado. Lula é um Titã que foi
condenado arbitrariamente por um justiçamento partidarizado e foi arrancado dos
braços do povo para se tornar Gramsci no cárcere fascista, como escreveu Wilson
Gomes – o liberal favorito da Bahia. Naqueles dias, a direita brasileira e suas
frações fascistas e histéricas fizeram renascer o Lula, o PT e o lulismo como
ideia, como campo político hegemônico e como projeto de país, respectivamente.
Os lulismos tornaram-se incontornáveis para a esquerda e para a direita – que
não consegue emplacar um candidato porque o que está em jogo é exatamente o
acúmulo de experiência política e o legado dos lulismos. Nada menos do que isso
foi o principal recado dos trabalhadores e das trabalhadoras que estavam no
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, protestando contra esse golpe nefasto.
Seria
interessante que os autonomistas da classe média intelectualizada na carteirada
e militantes das redes sociais prestassem atenção no recado deles e aprendessem
com eles o que é autonomismo e como fazer a luta política autônoma. Porque a
classe trabalhadora sabe de cor e salteado que a prisão não é o fim de nada. É
um outro começo no qual todos devemos construir juntos. (Por Patricia Valim, na
Revista Fórum).
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