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No último dia 12 de junho o município de Altaneira realizou caminhada contra o trabalho infantil. (Foto: Ítalo Duarte). |
Mentalidade
de quem vê com bons olhos crianças que trabalham e brechas no Código Penal
dificultam combate à prática no País.
Lugar
de criança é na escola. Infelizmente, tal frase ainda precisa ser repetida com
frequência no Brasil. A cultura popular, sobretudo nas áreas rurais, de que
certos tipos de trabalho ajudam na formação das crianças é um dos fatores que
contribuem para que o País ainda esteja longe de erradicar o trabalho infantil.
Mas definitivamente não é o único.
A
ele se somam fatores socieconômicos e a falta de uma legislação específica que
penalize criminalmente empresários que empregam crianças. A Constituição brasileira
permite o trabalho, em geral, a partir dos 16 anos de idade, e a partir dos 14
anos somente na condição de aprendiz.
O
levantamento mais recente sobre o tema é a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) Contínua de 2016, segundo a qual o País tem cerca de 1 milhão
de crianças de cinco a 15 anos de idade em situação de trabalho infantil, não
permitida pela legislação. Na Pnad anterior, de 2015, o número era de 2,4
milhões.
Para
o Ministério Público do Trabalho (MPT), a aparente queda milagrosa do número de
crianças afetadas, no intervalo de um ano, foi resultado de uma mudança na
metodologia de pesquisa. A Pnad passou a desconsiderar produção familiar como
trabalho, entre outras alterações.
Além
disso, especialistas apontam que apenas levantamentos mais abrangentes, como o
Censo, podem dar um panorama preciso da situação do trabalho infantil no
Brasil. No último, de 2010, pesquisadores apontaram que mais de 3,4 milhões de
crianças e jovens de dez a 17 anos de idade trabalhavam no país.
"No Brasil ainda persiste uma mentalidade de
que é melhor uma criança trabalhando do que roubando. É errado, criança precisa
ser protegida e ter seu papel respeitado. Criança não pode trabalhar para a sua
subsistência, isso o Estado precisa garantir", afirma Patrícia Mello
Sanfelice, procuradora do Trabalho e coordenadora Nacional do Programa da
Infância e Juventude do MPT.
A
procuradora reforça que há uma subnotificação de casos de trabalho infantil no
Brasil, ou seja, muitos hesitam em denunciar. "Há uma cultura de aceitação. Você não vê uma criança no sinal ou na
praia e pensa em ligar para denunciar", diz.
Sanfelice
vê um retrocesso nos avanços conquistados desde a década de 1990 no país,
quando surgiram as primeiras leis que protegem a criança e o adolescente.
Pesquisas
reforçam o cenário pouco animador. De acordo com os observatórios do Trabalho
Escravo e Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, de 2003 a 2017, foram
resgatadas 897 crianças e adolescentes em situação análoga à escravidão. Entre
2012 e 2017, 15.675 menores de 18 anos foram vítimas de acidentes de trabalho.
Neste
ano, as 24 procuradorias Regionais do Trabalho ajuizaram 83 ações sobre
trabalho infantil no país. Se continuar nesse ritmo, o MPT vai terminar o ano
com mais de 160 processos, número maior que os 137 registrados em 2017. O
resultado também representaria o primeiro aumento no histórico de ações
trabalhistas sobre o assunto envolvendo desde 2014, o que, segundo Sanfelice, é
algo negativo.
Promessa de erradicação até 2025
Desde
que assumiu o cargo, em meados de 2016, o presidente Michel Temer fez pelo
menos dois grandes cortes no principal programa social do governo, o Bolsa
Família, retirando quase 1 milhão de famílias da lista de beneficiados. Segundo
especialistas, programas como esse fazem com que menos famílias tenham que
recorrer ao trabalho infantil.
"Os casos de trabalho puramente por
sobrevivência diminuíram nos últimos anos, principalmente por causa da atuação
de programas sociais como o Bolsa Família", reconhece Mariana Neris,
diretora do Departamento de Proteção Social Especial da Secretaria Nacional de
Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social.
Ela
reitera, no entanto, que o principal vilão do combate ao problema é a cultura
popular de que criança deve trabalhar. "Informação e mobilização estão entre nosso principais eixos de atuação,
justamente para acabar com esse conceito de que a criança deve trabalhar. Isso
concorre com atividades que deveriam ser próprias da crianças, como educação e
lazer", diz.
Ao
contrário de Sanfelice, Neris aponta avanços no combate ao trabalho infantil no
país nas últimas décadas. "Há uma evolução das ações contra o trabalho
infantil no Brasil há pelo menos 20 anos. "Desde 1996, mais de 4 milhões de crianças foram retiradas da situação
de trabalho infantil no Brasil", afirma.
"Isso é [o resultado de] um esforço de várias
instituições e Poderes. A meta ambiciosa que foi acordada com diversos setores
é de erradicação do trabalho infantil até 2025."
Penalização de empregadores
Atualmente,
a atuação do MPT se resume à esfera cível, multando e investigando o dano
moral. Na prática, um empresário que tem hoje menores trabalhando ilegalmente
em seu estabelecimento só será punido penalmente se houver algum outro tipo de
prática envolvida, como cárcere privado e maus-tratos – crimes previstos no
Código Penal.
Um
projeto de lei aprovado pelo Senado no final de 2016 e que caminha lentamente
na Câmara pretende mudar isso. De autoria do senador Paulo Rocha (PT), do Pará,
um dos estados com mais casos registrados de trabalho infantil, o PL 6895/2017
adiciona ao Código Penal o crime de "exploração de trabalho
infantil".
A
proposta é que seja considerado crime explorar, de qualquer forma, ou
contratar, ainda que indiretamente, o trabalho de menor de 14 anos. A pena pode
variar de dois a oito anos de cadeia, além de multa. O projeto prevê que
trabalho no âmbito familiar não seja considerado crime.
Isa
Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e erradicação do
Trabalho Infantil (FNPETI), e ex-secretária-executiva do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, ressalta que muitos casos são registrados
por famílias de baixa renda, que não devem ser penalizadas.
"Não concordamos com a criminalização do
trabalho infantil sem critérios, pois muitos casos de trabalho infantil são
registrados no Brasil em casa de famílias pobres do campo. Não seria correto
prender esses pais, pois isso é um problema social que o Estado deve trabalhar",
afirma.
Se
a legislação, por outro lado, restringir a aplicação de punição a empresários
flagrados com trabalho infantil em suas empresas, sem punir os pais das
crianças afetadas, como prevê o PL 6895/2017, Oliveira concorda que deve haver
uma criminalização da prática.
"O Brasil precisa fazer valer o que está na
sua Constituição. As políticas públicas não são universais e são de baixa
qualidade. A responsabilidade maior é do Estado", conclui.
É
possível denunciar casos de trabalho infantil por telefone, através do Disque
100. A ligação é gratuita e anônima. Pela internet, a denúncia pode ser feita
diretamente nos sites dos MPTs regionais. O denunciante também pode fazer o
registro pessoalmente na delegacia regional do Trabalho do seu Estado ou no
Conselho Tutelar do município. (Com informações de CartaCapital).
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