Carlos Alberto ergue e Jules Rimet no México, em 1970. (Foto: CBF/Divulgação). |
Há
quem diga que a melhor foi a seleção da Copa de 58. Outros preferem a de 70.
Alguns, um tanto mais jovens, juram que boa mesmo foi a derrotada de 82. Uma
coisa, no entanto, é fato. Poucos discordam que a melhor canção feita para
divulgar uma seleção foi – e se o leitor for jovem há mais tempo já deve estar
cantando comigo – a marcha de Raul de Souza, com letra de Luiz Gustavo “Pra
Frente Brasil”.
Apesar
de ter ficado eternamente relacionada com o golpe militar do período, a ponto
de ter virado quase um jingle dos algozes, não há brasileiro que não cante a
marchinha que nunca, jamais, em Copa alguma, conseguiu ser substituída ou
superada.
70 Milhões em Ação
Encomendada
através de um concurso promovido por uma cervejaria, com o patrocínio da Esso,
Souza Cruz e Gilette, em parceria com a, desde então, onipresente Rede Globo,
“Pra Frente Brasil” foi barbada. Teve a sua inesquecível e pegajosa melodia
composta pelo trombonista Raul de Souza e a letra rabiscada pelo poeta,
radialista e compositor Luiz Gustavo. Segundo contam, os versos originais
diziam “70 milhões em ação”, mas no entretempo veio o Censo Demográfica e ela
foi rapidamente alterada.
Tudo
no Brasil, exceto nos porões da ditadura, respirava a ufanismo. O país do
futuro, o gigante do Sul, o melhor futebol do mundo etc. O mote da ditadura se
encaixava desavergonhadamente na letrinha da canção, de uma nação que se
arrogava ao mundo e agora podia contar com 90 milhões de vozes: “Pra frente
Brasil do meu coração”.
Pra
completar, era a primeira Copa transmitida ao vivo para o Brasil. E, para sorte
dos militares que acreditavam se perpetuar no poder através de patriotadas,
tanto a seleção de Pelé, Tostão, Jairzinho e cia., quanto a marchinha,
funcionaram melhor do que a encomenda. Era impossível não se emocionar e
cantar, ao final de cada transmissão, com a repetição daqueles gols magníficos,
tendo ao fundo os metais épicos e o coro marcial retumbando: “Todos juntos
vamos, Pra Frente Brasil, Salve a Seleção”.
Um time que jogava por música
A
música parecia jogar com o time e vice e versa. Era, bem ao gosto daqueles
tempos, uma canção fácil, cantável do princípio ao fim. Assim como todos os
grandes sucessos das décadas de 60 e 70, a era dos grandes chicletões da
música, ela era feita para ser repetida à exaustão. E foi. E é até hoje sempre
que se lembra aquela conquista memorável.
Aquela
confusão entre o que nos é lindo de fato, digno de orgulho e o que nos envergonha,
parece se embaralhar na nossa memória afetiva e histórica desde então. Tanto o
futebol brasileiro daqueles tempos, insuperável, quanto aquela – e tantas
outras canções do período – nos remetem a uma verdadeira barafunda mental.
Até
então bem meninos, levamos sucessivos choques à medida em que aqueles signos
foram sendo compreendidos. Neste momento, em que começa mais uma Copa, 48 anos
depois daquela, ainda nos perturba – e com toda a razão – o uso desabusado da
camisa canarinho pela direita, seus torturadores, coxinhas e paneleiros.
A
paixão pelo futebol nunca nos enganou a ponto de não nos rubescer de raiva e
vergonha com os fatos. Por mais contraditório que tudo pudesse parecer ou ser
de fato, o futebol continua sendo lindo e nosso, assim como a canção “Pra
Frente Brasil”, que contém, em toda a sua candura e singularidade, um tanto do
que somos e carregamos na identidade.
Nunca
conseguimos deixar de torcer e cantar, por mais que teóricos aqui e acolá
insistissem nisto. O alento é que a recíproca é verdadeira. Apesar de todo o
aparato midiático, de toda a eficiência das canções e do futebol, os governos
militares também não deixaram de ser rejeitados e abominados Brasil afora.
Pela
ginga e pela música
Nesta
Copa, assim como em todas as outras, vamos mais uma vez nos armar do maior
afeto e torcer pelo nosso melhor, pelas nossas heranças culturais, pelos
dribles e gols, pela ginga e pela música, por tudo o que nos constrói como povo
miscigenado euro-afro-americano com o coração aberto ao mundo.
Coisas,
enfim, que criamos e recriamos com alegria, assim como todos os povos da terra.
E trocamos com generosidade.
Coisas
que nos fazem ser o que somos e como somos e que são nossas e não de nenhuma
rede de televisão, nem dos militares, cervejarias e coxinhas.
E
é só por isso que voltamos aqui a cada quatro anos para berrar apaixonados.
E
voltaremos sempre. (Com informações da Revista Fórum).
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