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Professor Nicolau Neto durante formação em Educação para as Relações Étnico-Raciais para professores de Assaré. (FOTO | Alisson Dentinho). |
Por Valéria Rodrigues, Colunista
"O que falta para que a educação antirracista seja uma realidade nas escolas públicas e particulares do país?” foi com esse questionamento que Nicolau Neto, professor de História da rede estadual de ensino do Ceará, iniciou e concluiu a formação em Educação para as Relações Étnico-raciais para professores do município de Assaré, no cariri cearense, na tarde desta sexta-feira, 10. A formação é parte integrante do curso "Letramento Racial – Práticas Antirracistas em Sala de Aula”, pensado, estruturado e ministrado por ele.
No evento, que reuniu professoras e professores
de todas as áreas lotados na EMTI Professor João Bantim de Souza, a temática
central trabalhada foi "Marcos
Legais para a Educação das Relações Étnico-raciais (ERER): estratégias
pedagógicas para sua implementação de forma correta.”
Marcos
Legais
Dentre as legislações construídas para a
promoção de uma educação pautada no antirracismo e na valorização da história e
cultura africana, afro-brasileira e indígena, o professor focou nas leis
10.639, de 9 de janeiro de 2003, 11.645, de 10 de março de 2008 e nas demais
que foram ou necessitam ser alteradas por elas, a exemplo da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, de 1996 (LDB/96), o Projeto Político Pedagógico
(PPP) e o Regimento Interno das escolas. Também foi destacado as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, de 2004 e o Estatuto
da Igualdade Racial.
Ao falar de forma resumida sobre cada um desses
marcos, Nicolau trouxe autores e autoras para lhe ajudar a fomentar sua
tese do não cumprimento da ERER nas escolas públicas e particulares do país.
Abdias do Nascimento, Lélia Gonzales e Silvio Almeida foram os citados
e todos eles são unânimes ao destacarem o racismo em suas escritas.
Desafios
"O
racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso,
não tem culpa nem autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isto é um
equívoco. Ele não é nada sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir
ele fica escancarado ao olhar mais casual e superficial”, disse Abdias em
entrevista ao Brasil de Fato em 2010. Racismo? No Brasil? Quem foi que disse?
Isso é coisa de americano. Aqui não tem diferença porque todo mundo é brasileiro
acima de tudo, graças a Deus. Preto aqui é bem tratado, tem o mesmo direito que
a gente tem. Tanto é que, quando se esforça, ele sobe na vida como qualquer um.
Conheço um que é médico; educadíssimo, culto, elegante e com umas feições tão finas…
Nem parece preto.”, trecho da obra "Por um Feminismo
Afro-Latino-Americano. Ensaios, Intervenções e Diálogos”, de Lélia
Gonzales. Para complementar,
Nicolau trouxe tomou emprestado o conceito de Racismo Estrutural, do professor
Silvio Almeida, para destacar que para onde se olhar é possível perceber o
racismo. Ele está na família, nas escolas, nas igrejas, nos comércios, nas
cargos que exigem a escolha popular (vereador (a), prefeito(as), governador
(a), presidente(a) e naqueles que são frutos de escolhas dos presidentes, como
os ministros e ministras.
Por tudo isso, "o
maior desafio para que as escolas cumpram com esses marcos legais, sobretudo a
10.639 e 11.645, é o racismo. Nossas escolas não cumprem a lei porque
não há, de forma cotidiana, um enfrentamento a ele (racismo). Não existe
protocolos sistemático efetivo de combate por um lado; e por outro, inexiste a
construção de ações diárias que busque colocar nos planos de curso de cada
componente curricular, a valorização da história e cultura africana, afro-brasileira
e indígena”, destacou ele. As poucas ações que tem nas escolas são fruto do comprometimento
de um ou de poucos profissionais. E essa realidade, segundo destacou Nicolau, foi
trazida na pesquisa de 2022 do Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher
Negra em que foi constatado que sete em cada dez secretarias municipais de educação
não realizaram nenhuma ação ou poucas ações para implementação do ensino da
história e da cultura afro-brasileira nas escolas.
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Professor Nicolau Neto durante formação em Educação para as Relações Étnico-Raciais para professores de Assaré. (FOTO | Alisson Dentinho). |
O professor também citou texto que escreveu em seu blog onde frisou que apenas professores e professoras já comprometidos com a causa antirracista participaram da 1ª mostra de boas práticas e recursos pedagógicos – leis nº. 10.639/03 e nº. 11.645/08, no XVI Congresso Internacional da Cultura Negra ocorrido em setembro do ano em curso. E voltou a provocar os professores e professoras durante a formação. "O que falta para que a educação antirracista seja uma realidade nas escolas públicas e particulares do país?” alguns citaram falta de formação como empecilho.
Para Nicolau, a formação é importante e que
seja contínua. Mas para ele, ela por si só não garante muita coisa. E citou que
existem formações e que mesmo assim aqueles que participam não incluem na sua
prática pedagógica a educação antirracista. E que muitos preferem silenciar e
se recusam a participar dos cursos com essa finalidade, citando como exemplo, o curso
de Extensão, Formação para Docência e Gestão para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (em andamento).
Práticas Antirracistas em Sala de Aula
Na segunda parte da formação, Nicolau trouxe
relatos de experiências suas em sala de aula que demonstram como efetivar as
leis 10.639 e 11.645. Ele demonstrou parte de seus planos de curso em História
e Sociologia desenvolvidos na EEMTI Padre Luís Filgueiras, em Nova Olinda. Nos
1º anos, Nicolau destacou que trouxe temáticas ausentes dos livros didáticos,
como por exemplo, Núbia (Reino de Cuxe ou Kush); Reino de Axum e Cartago (o
livro traz apenas Egito e muitos estudantes pensam que ele não está na África);
Nos 2º anos, foi trazido os exemplos de começar a História do continente em que
estamos e do nosso país não pelo processo de escravização, mas pela organização
dos povos nativos que já ocupavam esse lugar. "Até
o nome do nosso país foi roubado. Não é Brasil. É Pindorama”, disse ele. "É preciso trazer referências negras e
nativas para nossas aulas. Nesse bimestre vamos discutir nas aulas de
Sociologia nos 3º anos Intelectualidades Negras nas Ciências Humanas”, comentou.
Segundo Nicolau, os demais componentes também
podem fazer o mesmo. A Filosofia não surgiu na Grécia, mas na África. Há fontes
que provam isso. Ao citar o caso da pesquisa do Instituto Alana e Geledés
Instituto da Mulher Negra, a matemática pode utilizá-la para desenvolver três conteúdos:
a porcentagem, a regra de três e a estatística. O Português, por exemplo, pode
usar as mais diversas contribuições que os povos africanos e indígenas deram
para nossa língua, trazendo inclusive como referência o Pretugues desenvolvido
por Lélia Gonçalves e trabalhar ainda os mais diversos nomes de cidades do
Ceará com influências indígenas. A Biologia, por sua vez, para desfazer o mito
ainda hoje sustentado de que misturar raças pode embranquecer a população.
Caminhos
para efetivar a ERER
Por fim, Nicolau destacou que mesmo depois de
tantas leis, de tantos materiais pedagógicos e de formações disponíveis, a ERER ainda encontra resistências. E ele apontou que o caminho para superar isso
passa pelo envolvimento de todos. "A
educação antirracista é um dever político e ético da escola e não individual. É
um trabalho que passa pelo compromisso embrionário das gestões escolares
buscando ações cotidianas, como formação docente adequada junto as credes e
secretaria estadual de educação; reformulação dos currículos e de práticas
pedagógicas, do regimento interno e do PPP de modo que se adequem as leis
vigentes, além de disponibilizar recursos financeiros para a execução de
atividades com essa finalidade”, finalizou.
Para o diretor, o professor Alisson, a ação faz
parte de um caminho que está sendo construído pela escola, que é nova, para
garantir a efetivação da lei. Já a professora Ismênia, destacou que foi um
momento muito necessário e esclarecedor da importância da efetivação das
políticas públicas de combate às desigualdades.
O convite ao professor Nicolau foi feito pelo professor e diretor da escola, Alisson Dentinho.
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