Entenda o que foi a Frente Negra, movimento pioneiro criado há 90 anos



Aniversário de fundação da Frente Negra Brasileira (Foto: Acervo Biblioteca Nacional).

Em 5 de abril de 1932, o jornal Folha da Manhã noticiou em uma nota que havia numerosas adesões de pessoas à Frente Negra Brasileira, em Campinas, no interior de São Paulo. No dia seguinte, outra reportagem dizia que uma comitiva esteve na cidade de Sorocaba para “assentar as bases para a delegação representativa”.

Notícias assim passaram a ser comuns após um grupo de “homens de cor”, como eram chamados os negros na época, fundar a Frente Negra Brasileira, em 16 de setembro de 1931, em São Paulo.

Pioneira do movimento negro brasileiro, a associação tinha o objetivo de unir a população negra em defesa de seus direitos e contra o “preconceito de cor”, expressão que à época se usava para tratar do racismo.

O objetivo formal da FNB era a afirmação dos direitos históricos da gente negra e a elevação moral, intelectual e social da população negra”, diz Márcio Barbosa, autor do livro “Frente Negra Brasileira — Depoimentos” (Quilombhoje, 1998).

Podemos pensar que esses objetivos eram bem gerais, mas eram também muito ousados, se levarmos em conta o contexto da época, com todas as dificuldades de organização que se apresentavam interna e externamente”, afirma.

De acordo com Márcio Barbosa, temas que faziam parte das diretrizes da FNB permanecem na pauta do movimento negro atual, como a educação e a participação política.

Em relação à educação, houve avanços, como a conquista das leis 10.639 e 11.645 [obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas] e das políticas de ação afirmativa no ensino superior”, afirma. “Por outro lado, no campo da atuação político-partidária, no século 20 não houve nenhum outro partido negro”, diz.

Segundo Petrônio Domingues, historiador e professor da Universidade Federal de Sergipe, quando se faz um paralelo entre a luta frentenegrina e a do movimento negro atual, percebe-se um avanço significatico. “A sociedade e o estado brasileiro passaram a compreender que o racismo no país é estrutural”, diz.

“Especialistas, e eu faço parte desse grupo, entendem que estamos em uma era pós-democracia racial. A narrativa de que não há racismo não cola mais”, afirma.

O historiador destaca também como importantes avanços o reconhecimento das comunidades remanescentes quilombolas, o que lhes deu o direito de titulação das terras, e a Lei Caó (1985), que tornou o racismo crime inafiançável.

Foi uma longa jornada de lutas, e ela começou antes mesmo de surgir a Frente Negra Brasileira.

Por volta de década de 1920, começaram a pipocar algumas associações de negros, em geral de cunho recreativo. Uma delas, o Centro Cívico Palmares, foi fundado em 1926 e dissolvido em 1929. Dois anos depois, alguns de seus membros criaram a Frente Negra, em São Paulo.

De acordo com o historiador Petrônio Domingues, a perspectiva era a de unificar a luta contra o racismo o Brasil, e a Frente Negra tornou-se a maior organização em defesa dos direitos do negro no período pós-abolicionista.

A primeira sede da entidade foi no Palacete Santa Helena, na Praça da Sé (centro de São Paulo), mas o número de filiados cresceu tanto que precisaram se mudar para uma casa maior na rua da Liberdade, onde atualmente é a Casa de Portugal.

Grupo posa para foto em frente a sede da delegação da Frente Negra Brasileira (FOTO/ Acervo Biblioteca Nacional)

A adesão ao movimento frentenegrino expandiu de maneira tão rápida que, em menos de um ano, a entidade já estava no interior paulista. Não demorou muito para que suas ideias ganhassem adeptos em outros estados, como Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Não há consenso entre os especialistas sobre quantos filiados aderiram ao movimento. Alguns calculam que podem ter sido 50 mil. Outros estimam números entre 100 mil e 200 mil.

“Além da ausência de políticas públicas para essa população no período pós-abolição, o que a destinava ao desemprego ou aos subempregos, havia também uma situação de precariedade na área de saúde, com muitos casos de tuberculose”, diz Márcio Barbosa.

A entidade possuía diversos departamentos. Segundo especialistas, o da instrução se destacou ao oferecer aulas de alfabetização para crianças e turmas noturnas para adultos.

Crianças na escola da Frente Negra Brasileira (FOTO/ Arquivo pessoal de Márcio Barbosa)

A educação era um pilar fundamental da proposta frentenegrina de elevação moral, intelectual e social da população negra. Por meio da educação, homens e mulheres poderiam superar a situação de marginalização, ganhar respeitabilidade e participar ativamente do cenário político”, afirma o autor.

Para escrever seu livro, Márcio Barbosa ouviu o depoimento de cinco frentenegrinos. Nas conversas, ficou evidente na memória deles o impacto da FNB nas situações mais cotidianas.

Para essas pessoas, a situação econômica era um obstáculo, mas, a partir de sua inserção na FNB, elas conseguem fazer a associação dessa situação econômica com o racismo estrutural e conseguem sair do plano individual para o coletivo”, diz o autor.

Aristides Barbosa afirma, por exemplo, que para ele a FNB era uma segunda casa, ele ia para lá todas as noites. Lá ele encontrava um local de sociabilidade, de convivência, afinal havia palestras, saraus, apresentação de peças teatrais, entre outras coisas”, afirma o escritor.

A entidade chegou a ter também uma banda e um time de futebol, além de oferecer assistência jurídica e médica e promover atividades culturais.

Mulheres negras tiveram papel fundamental na formação da associação. Entre os diversos grupos que elas criaram dentro da FNB, havia um voltado para promover atividades lúdicas, artísticas e culturais, chamado Rosas Negras. Outro fomentava atividades assistencialistas, tais como ações beneficentes.

Grupo Rosas Negras (FOTO/ Arquivo pessoal de Márcio Barbosa)

Francisco Lucrécio também fala da importância das Rosas Negras e da mulher em geral para a FNB. Ele afirma que elas eram maioria e que tinham mais condições do que os homens de arcar com as mensalidades da associação, pois tinham mais ofertas de emprego trabalhando como cozinheiras”, diz Márcio Barbosa.

Ainda assim, não ocupavam cargos de diretoria, o que mostra que sua participação em postos de poder ainda estava submetida a uma lógica de exclusão, segundo o autor.

A imprensa também teve papel importante na época, tanto que, em 1933, a Frente Negra criou o seu próprio jornal, chamado “A Voz da Raça”.

A FNB compreendia sua luta em termos nacionalistas, por entender que a população negra era a mais brasileira de todas. Segundo Márcio Barbosa, essa concepção se deu por causa de seu primeiro presidente, Arlindo Veiga dos Santos, que tinha uma ideologia monarquista e era anticapitalista e anticomunista.

Arlindo também tinha amizade com o integralista Plínio Salgado, por isso se tornou comum dizer que a FNB apoiava o integralismo”, afirma.

Por outro lado, é interessante notar que vários personagens brancos conhecidos, e que foram integralistas ou simpatizantes, não tiveram sua imagem ligada a essa corrente ideológica tão intensamente como a FNB tem tido”, diz. “Temos uma tendência de julgar o passado a partir da nossa experiência presente, utilizando as mesmas referências”, afirma.

Para Petrônio Domingues, na Frente Negra nunca existiu um pensamento único. Ela reunia várias tendências e uma diversidade de ideias e pensamentos a ponto de ter socialistas, comunistas, monarquistas, fervorosos getulistas e anti-getulistas.

Na Revolução Constitucionalista de 1932, por exemplo, um setor minoritário da FNB apoiou São Paulo contra Getúlio Vargas. O episódio fez com que houvesse uma divisão entre seus membros, e do racha surgiu a Legião Negra.

Como última ação da entidade, em 1936, os frentenegristas criaram um partido político. Um ano depois, porém, Getúlio aboliu todos os partidos.

Segundo os especialistas, o episódio foi crucial para o destino da entidade. “Depois do decreto de Getúlio, a FNB encerrou suas atividades. Francisco Lucrécio, entretanto, não atribui só ao fato político o fim da FNB, mas também ao esgotamento físico e mental de seus membros”, diz Márcio Barbosa.

Após o episódio houve ainda uma tentativa de criar uma nova entidade chamada União Negra para dar continuidade ao trabalho da FNB, mas ela não vingou.

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Por Priscila Camazano, publicado na Folha de S. Paulo e reproduzido no Geledés.

Documentário celebra os 100 anos de nascimento de Paulo Freire

(FOTO/ Reprodução).

Na semana em que se comemoram os 100 anos de nascimento de Paulo Freire, a TV Cultura exibe documentário inédito sobre o educador pernambucano. Apresentada pelo jornalista e diretor Leão Serva, a produção vai ao ar neste sábado (18/09), às 22h. O livro “Pedagogia do oprimido” é um marco na obra de Freire, grande pensador brasileiro das ciências humanas e um dos educadores mais reconhecidos no mundo.

Ele foi professor das universidades de Harvard, nos Estados Unidos, e Cambridge, na Inglaterra, e recebeu cerca de 40 títulos de doutor honoris causa em universidades, entre elas Oxford, na Inglaterra, e Coimbra, em Portugal. “Paulo Freire, 100 anos” reúne os principais estudiosos da obra do pensador para explicar a sua importância e, ao mesmo tempo, os motivos de ele ter se tornado vítima de tantos ataques extremistas.

Paulo Freire foi preso pela ditadura militar por ser considerado subversivo, perigoso, inimigo do povo e de Deus. Seu exílio de 16 anos começou pela Bolívia, em 1964, ano do golpe militar, e, de certa forma, enriqueceu sua obra, baseada nas experiências dele pelo mundo. No Chile, ele concebeu a teoria da pedagogia do oprimido.

Na Suíça, onde trabalhava para o Conselho Mundial de Igrejas, ganhou projeção mundial e participou da alfabetização de populações pobres no continente africano. Com a anistia e o retorno ao Brasil, Paulo Freire continuou a produzir obras importantes, como a “Pedagogia da esperança”, e retomou as aulas e atividades na universidade.

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Com informações do EM.

Após repercussão, livro republicado pela Companhia das Letras que mostra crianças em navio negreiro, é retirado do mercado

 

(FOTO/ Reprodução).

A Companhia das Letras se manifestou em nota com um pedido de desculpas no último sábado (11), sobre a repercussão do livro infantil Abecê da Liberdade. A obra conta a história do abolicionista Luiz Gama, mas narra em primeira pessoa relatos de diversos momentos supostamente vividos por Gama durante a escravização na infância, como se não se tratasse de uma vivência traumática e amedrontadora, usando tons de ironia.

Lamentamos profundamente que esse ou qualquer conteúdo publicado pela editora tenha causado dor e/ou constrangimento aos leitores ou leitoras. Assumimos nossa falha no processo de reimpressão do livro, que foi feito automaticamente e sem uma releitura interna, e estamos em conversa com os autores para a necessária e ampla revisão”, diz um trecho da nota, que também afirma que a edição já está fora de mercado e não voltará a ser comercializada.

A obra é de autoria de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, com ilustrações de Edu Oliveira. A reimpressão foi publicada em 2020, sem alterações, e foram vendidas cerca de duas mil cópias em todo o Brasil. Mas, o livro foi lançado originalmente em 2015 pelo selo Alfaguara da Editora Objetiva, e automaticamente incorporado ao catálogo da Companhia das Letrinhas quando a Objetiva foi adquirida pelo grupo.

Em um trecho específico, o narrador conta em primeira pessoa como teria sido a viagem de Gama em um navio negreiro da África até a América quando criança, descrevendo brincadeiras como se os personagens estivessem em um ambiente leve. No entanto, se tratava de um espaço insalubre, com condições precárias e muitas mortes pelo caminho, não um local para brincadeiras lúdicas.

Eu, a Getulina e as outras crianças estávamos tristes no começo, mas depois fomos conversando, daí passamos a brincar de pega-pega, esconde-esconde, escravos de Jó (o que é bem engraçado, porque nós éramos escravos de verdade), e até pulamos corda, ou melhor, corrente”, diz o trecho, que também traz uma ilustração das crianças brincando.

Página do livro Abecê da Liberdade.

Em entrevista ao portal UOL, Marcus Aurelius Pimenta explicou que a produção do livro não foi acompanhada por nenhum especialista ou autor negro. Já Torero afirma que o livro é um romance histórico para crianças, uma obra de ficção, onde não há a busca de exatidão histórica.

Em suas redes sociais, o doutorando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-RIO, Davi Nunes, que também é escritor do livro infantil “Bucala: a pequena princesa do Quilombo do Cabula”, opinou sobre o caso.

Os dois escritores antipretos fabulam, gozam, regozijam-se, romantizam toda a nossa desgraça, horror e violência extrema que vivemos nos séculos de escravidão e que vivemos até hoje nesse país”, escreveu “Há de se notar que quando a polícia chega na favela e atira em jovens e crianças negras como se fossem baratas, coisas, objetos descartáveis, esse imaginário sobre pessoas negras feito por esses escritores brancos já engatilhou a arma e o resultado a gente já sabe qual é. Ainda utilizaram o nome sagrado de Luiz Gama para propagar toda a perversão e violência que está entranhada no livro que escreveram”.

Editora Malê se desliga de projeto da Companhia de Letras

Com a repercussão do caso, a Editora Malê comunicou em nota nesta segunda-feira (13) o seu desligamento do projeto “Por uma escola afirmativa: construindo escolas antirracistas”, idealizado pela Editora Companhia das Letras e do qual participa um coletivo de editoras. A Malê edita literatura afro brasileira com o objetivo de colaborar com a ampliação da diversidade do mercado editorial brasileiro.

Entendemos como ofensiva à dignidade e à história da população negra brasileira a publicação “ABECÊ da Liberdade: a história de Luiz Gama” […]. O livro, voltado para as crianças, relativiza os horrores da escravidão e os horrores dos navios negreiros — conhecidos também como tumbeiros”, diz um trecho da nota.

A Malê reafirma o seu compromisso com as vidas negras, com uma educação antirracista — que se coloca anterior à questão mercadológica. Repudiamos a desumanização dos indivíduos negros na literatura e entendemos que práticas discursivas racistas (inclusive na literatura) refletem diretamente na permanente situação de vulnerabilidade à morte em que vive a população negra”, finaliza.

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Por Andressa Franco, publicado originalmente na Revista Afirmativa.

Documentário conta história de Zélia Amador, 1ª reitora negra de uma universidade

(FOTO/ Divulgação).

Um dos nomes mais expoentes na luta antirracista e pelos direitos da população negra, a paraense Zélia Amador de Deus terá um filme em sua homenagem. O curta-metragem “Amador, Zélia”, de gênero documental, narra suas vivências enquanto mulher negra. Referência também na luta dos povos quilombolas, indígenas e pessoas LGBTQIA+, Zélia terá sua história mais conhecida nas telas partir desta segunda-feira (13).

Filha de uma empregada doméstica natural da ilha do Marajó, no Pará, Zélia Amador é professora da Universidade Federal do Pará, coordenadora da Assessoria de Diversidade e Inclusão Social, atriz, diretora de teatro e ativista do Movimento Negro. Foi uma das fundadoras do Centro de Estudo e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa) e do Grupo de Estudos Afro-Amazônicos (GEAM-UFPA). Foi presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negro, participou da criação do sistema de cotas negras nas universidades e, dentro do ambiente acadêmico, recebeu o título de primeira reitora negra do país.

Para retribuir a sua contribuição e espalhar os seus feitos - principalmente em tempos de conservadorismo e retrocessos políticos -, o diretor Glauco Melo e o roteirista Ismael Machado fundem os relatos da homenageada com recortes de sua vida em uma dramatização simulando um monólogo teatral e inserção de animações. Ao todo, o filme conta com 24 minutos.

Em trailer divulgado nas redes sociais, é possível ouvir um trecho da fala de Zélia pontuando a sua relação com a autoestima, enquanto mulher negra, e seu processo de aceitação. “O black power foi a minha libertação. O meu cabelo cresceu, foi-se. Bem, eu tinha orgulho do meu black, aí passei a me aceitar e a entender que esse meu corpo tem uma história, história de um povo que foi vilipendiado, história de um corpo que carrega história”, conta.

Para esses e outros depoimentos, o filme estará disponível a partir das 19h, de forma gratuita, no canal do YouTube da produtora Floresta Urbana. “Amador, Zélia” contou com incentivo da Lei Aldir Blanc, via Secretaria de Cultura do Pará. Assista pelo no canal da produtora Floresta Urbana.

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Com informações do Alma Preta.

Mulheres indígenas ocupam Brasília em marcha histórica; STF retoma julgamento

 

Indígenas contra o projeto que prevê que os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse ou sob disputa judicial até o dia da promulgação da Constituição Federal. (FOTO/ Tiago Miotto/Cimi).

Nesta quarta-feira (15), volta para a pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) a votação sobre a demarcação de terras indígenas no Brasil. Na sessão realizada na última quinta-feira (9), o ministro Edson Fachin, relator da matéria, votou contra o marco temporal e defendeu que a posse indígena é diferente de posse civil. Além disso, ele reafirmou o caráter fundamental dos direitos constitucionais indígenas, que ele caracterizou como cláusulas pétreas. Na sexta-feira (10), mulheres indígenas fizeram uma grande marcha com mais de cinco mil mulheres de diversas etnias. Na ocasião, elas atearam fogo em um boneco do presidente Jair Bolsonaro.

A sessão desta quarta-feira está prevista para começar às 14h. Essa é a sexta sessão do julgamento, nos territórios indígenas e em Brasília, os povos seguem mobilizados

Marcha histórica

 A 2ª Marcha das Mulheres Indígenas foi realizada depois de ter seu cronograma oficial alterado. A marcha deveria ter ocorrido na quinta-feira (9), mas devido a intimidações provocadas por bolsonaristas, o ato foi adiado.

O percurso também foi alterado. Previsto, inicialmente, para ter oito quilômetros, o ato se alongou para 11 quilômetros e antes de saírem em uma marcha histórica, as mulheres foram até a quadra 703 da Asa Sul, na W3, local onde o indígena Galdino Jesus dos Santos foi queimado enquanto dormia em uma parada de ônibus por ter se perdido dos seus parentes, em 20 de abril de 1997.

O integrante da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, foi assassinado por jovens de classe média brasiliense que alegaram que seria “uma brincadeira”.

Há semanas, mais de cinco mil indígenas estão acampados na Esplanada dos Ministérios para pressionar o governo pela não aprovação do marco temporal, tese defendida, sobretudo, por integrantes do setor do agronegócio.

Quais os próximos passos da votação?

Para a sessão desta quarta-feira (15) está previsto o voto do ministro Nunes Marques. Para Samara Pataxó, coordenadora jurídica da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib), o ministro “vai entrar no mérito do seu voto, no qual ele pode concordar com o voto do relator, o que seria muito positivo para os direitos territoriais dos povos indígenas, mas pode também divergir, no todo ou em parte, do voto do ministro relator”.

Depois do voto do ministro Nunes Marques, serão aguardados os votos dos outros oito ministros. No entanto, eles podem podem solicitar uma nova suspensão do processo para análise, o que é chamado de “vistas do processo”.

O último a votar deve ser o presidente do STF, ministro Luiz Fux, isso depois que todos os ministros votarem.

Veja alguns pontos sobre o marco temporal:

O que é o marco temporal?

O projeto prevê que os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse ou sob disputa judicial até o dia da promulgação da Constituição Federal foi promulgada, no dia 5 de outubro de 1988.

Por que está se discutindo o marco temporal atualmente?

O processo começou com o chamado Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação é um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Funai e o povo Xokleng.

A terra em disputa reivindicada pelo IMA é a TI Ibirama-Laklanõ. O território além de ter tido o seu tamanho original reduzido já foi ratificado por estudos antropológicos da Funai.

Por que esse julgamento é central para o futuro dos povos indígenas no Brasil?

Em decisão do dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a “repercussão geral” do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do Judiciário.

Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre TIs que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, o STF reconhece, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

Um processo movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) pode afetar o futuro dos povos indígenas do Brasil.

O que está em jogo?

O reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra.

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Com informações da RBA.

Inscrições para o XII Artefatos da Cultura Negra seguem abertas até 20 de setembro

 

(FOTO/ Reprodução).

Por Nicolau Neto, editor

Entre os dias 20 e 25 de setembro ocorrerá a décima segunda edição do Congresso Internacional Artefatos da Cultura Negra. O evento é voltado à formação de professores(as) da educação básica, gestores(as) públicos, pesquisadores(as), estudantes, integrantes de movimentos sociais, que se dedicam a temática e, ou, tenham afinidades com ela.

Pelo segundo ano consecutivo e sobre os efeitos catastróficos da pandemia da Covid-19, as ações ocorrerão no formato virtual. Nesses quase dois anos, o Brasil já registrou quase 600 mil vidas ceifadas pela COVID-19. Segundo a organização do Artefatos, “tem-se uma política nacional de genocídio da população brasileira, com foco mais forte sobre as populações negra, indígenas e periféricas” e “é sobre este contexto que se pretende refletir novos e velhos desafios no XII Congresso Artefatos da Cultura Negra”.

Para o professor Gustavo Ramos, da Pró-Reitoria de Cultura – PROCULT da UFCA, “aos novos, somam-se os Desafios de outrora, que já se conhecem: o racismo anti-negro, a negação aos direito básicos à população negra, a falsa democracia racial; e, novos desafios a se refletir, que estão atrelados ao racismo anti-negro junto a situação de pandemia”. Ramos destaca ainda que “pesquisas têm mostrado uma maior incidência de morte entre as populações negras, ao passo que, são os que menos se beneficiaram com os programas de vacinação”.

A pandemia contribuiu para aumentar as desigualdades raciais corroborada com a atual conjuntura política brasileira onde problemas foram mais sentidos com ênfase, a exemplo do desemprego e da miséria com recorte racial que atinge com maior intensidade a população negra. E é com base nessa triste realidade que o XII Congresso Internacional Artefatos da Cultura Negra traz como tema “Democracia racial, ações afirmativas e educação: dos movimentos de luta antirracista à universidade pública.”.

Com mais de uma década de existência, o evento vem se tornando um importante espaço de formação de docentes, estudantes de graduação e pós-graduação e ativistas dos movimentos sociais, além de ser um celeiro de produção acadêmica na temática étnico-racial.

As inscrições podem ser realizadas até o dia 20 de setembro. Clique aqui para fazê-la.

Clique aqui e acesse o Instagram do evento.

Negros são minoria no serviço público federal e ocupam apenas 27% de cargos com ensino superior

Negros são minoria no serviço público federal e ocupam apenas 27% de cargos com ensino superior. (FOTO/ Reprodução/ Alma Preta)

Servidores públicos do Executivo federal autodeclarados pretos e pardos recebem salários inferiores em relação aos brancos, apesar de possuírem os mesmos níveis de qualificação profissional e formação em nível superior. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o salário médio para negros com formação completa em universidades representa 78% da remuneração paga aos brancos.

Ainda que os cargos que exigem nível superior geralmente são os de remuneração mais alta, a ocupação desses postos ocorre de forma bastante desigual. A divisão racial desse tipo de vínculo comprova que, embora a participação geral dos negros tenha crescido nos últimos anos, ela tende a se concentrar no escalão mais baixo. Em 2020, 65,1% dos cargos de ensino superior no Executivo federal pertenciam a brancos, enquanto apenas 27,3% eram ocupados por negros.

“Faz parte do mecanismo do racismo institucional que a população negra seja percebida como aquela que deve estar subalternizada e inferiorizada. O que impede os negros de assumir cargos de liderança. Deste modo, empresas geram menos oportunidades de ascensão às posições superiores. E esse é um motivo que faz com que os salários sejam mais baixos, além do próprio racismo atuando no pagamento”, afirma o advogado Daniel Bento Teixeira, diretor do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert).

O Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade) realiza censos desde 1990 que mostram dados de diversidade, igualdade e inclusão através de uma análise da população economicamente ativa, tendo em vista os recortes de classe e gênero, além de racial. 

De acordo com um estudo da instituição não governamental, dentre os desafios de jovens pretos está a falta de acesso à educação e os critérios excludentes de processos seletivos no mercado de trabalho. Segundo a pesquisa, realizada em 2020, dos 12 milhões de desempregados, 4,36 milhões são jovens negros de faixa etária de 14 a 29 anos, que buscam oportunidades de emprego. Atribuída a análise de disparidade no ensino, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que, enquanto brancos com ensino superior ganham em média R$33,90 por hora, pretos e pardos recebem R$25,50 - uma diferença de 44%.

“O trabalho executado por pessoas negras é pouco valorizado. Justamente pela desumanização dos processos. E, quando estamos defronte a um mercado de trabalho majoritariamente embranquecido, a gente também não encontra tantas oportunidades dentro de empresas que se preocupam com questões raciais, como um dos pilares de promoção de igualdade, e principalmente, de construir relações amistosas entre as pessoas que trabalham nas empresas”, justifica Wellington Lopes, Cientista Social e militante da Uneafro Brasil.

Um levantamento do IBGE indica que, entre 2010 e 2019, houve aumento de 400% no número de alunos negros no ensino superior. Dentre os matriculados, estes chegaram a 38,15% do total de ingressantes. O percentual ainda está abaixo de sua representatividade no conjunto populacional de 56% - o que também reflete na baixa inserção do grupo no mercado de trabalho quando exigida a formação em ensino superior.

No país, 65% dos jovens que não estudam ou não concluíram a universidade são negros, segundo o IBGE. A disparidade no ensino afeta diretamente o desempenho no mercado de trabalho. Para o diretor do Ceert, há uma sobrerrepresentação de homens brancos em posições que exigem formação de nível superior.

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Com informações do CEERT. Leia o texto completo clicando aqui

É preciso arar na guerra

 

Alexandre Lucas, Colunista. (Foto/ Reprodução).

Por Alexandre Lucas, Colunista

Os destroços percorreram todos os caminhos da manhã. A flor perdeu quase todas as pétalas. A lama escondia os pés, o baú se abria e deixava escapulir as feridas guardadas ao longo do tempo.  O suor temperava o corpo cansado e encardia as ideias.

O dia interminável, durou outras manhãs, carregadas de terremotos. Já estava difícil decifrar como seria o dia seguinte e de planejar a temporada da colheita e da fartura de felicidade. Poderia durar alguns vinte e um, vinte e uma horas, vinte e um dias, vinte e um anos, ou mais.

O tempo que durasse poderia encolher a esperança, esfacelar a coragem e debulhar a insensibilidade. A dor tende a escavacar as profundezas construídas nas manhãs de escombros. Ela, a dor, não é franquia para apresentar a mesma face, como as semelhanças dos grãos de arroz, que só se diferenciam dos lugares.

Em alguma manhã, nascerá flores imensas, com cores vibrantes e suaves, brotarão frutos para um longo período. É preciso arar na guerra, nos dias em que os pedaços de gente não se juntam, nada nascerá amanhã sem que as pernas, as mãos e os desejos se movimentem. O acaso é sempre uma mentira para explicar a realidade.