Abecê da liberdade para deleite da casa grande

 

Escritora Cidinha da Silva (FOTO/ Elaine Campos)


Você conhece um escritor chamado José Roberto Torero?

___ Conheço sim, avaliei um livro de crônicas dele num concurso no ano passado.

­­___ E o que você achou?

___ Gostei muito, um dos melhores.

___ E os livros dele para crianças, você já leu?

___ Não, nem sabia que escrevia para elas. Por quê?

___ Porque uma colega historiadora aqui da UFRB mandou para a gente trechos absurdos de um livro que inventa cenas da infância do Luiz Gama dentro de um navio escravagista.

___ Sem novidades, mas me conta o tipo de absurdo?

­­­___ Ele e o outro autor deliraram uma brincadeira de roda para crianças que, se ali estivessem, estariam famintas, amarradas, aterrorizadas por todas as cenas cruéis e indescritíveis que vivenciavam. Mas, eles conseguiram descrever com humor mórbido (de criança para criança), a cena de alguém marcado por ferro quente. Essas romantizações que os brancos se permitem fazer da expropriação da humanidade dos negros que os brancos mesmos praticam.

___ O livro é novo? Lançaram agora?

___ Não é de 2015, parece. Reimprimiram.

___ E como é que deixaram passar esse descalabro?

___ De autor branco passa tudo, você sabe.

___ O que vocês vão fazer?

___ Vamos lotar a caixa da editora de reclamações, da Companhia das Letras.

___ Menina, uma no cravo, outra na ferradura.

___ Você quer ver o livro? Poderia escrever algo?

___ Não posso, estou completamente sem tempo, tudo atrasado.

___ Ah, pena!

Cinco dias depois dessa conversa com uma amiga, professora na UFRB, acordo com a notícia de uma nota pública da editora lamentando o erro e os constrangimentos causados – me perguntei se não seria o caso de ela, a editora, sentir-se constrangida por reiterar um erro que pode ter provocado efeitos deletérios à vida de milhares de crianças negras desde 2015, quando o livro foi lançado pelo selo Alfaguara Infantil (objetiva), editora incorporada ao grupo Companhia das Letras. Enfim, consideraram a crítica recebida “correta e oportuna” e prometeram convocar os autores (Torero e Marcus Aurelius Pimenta) para realizar “necessária e ampla revisão”. Tem também um comentário meigo sobre a atenção da empresa à mudança dos tempos.

O caso é que o tal “Abecê da Liberdade”, seria uma aberração em qualquer tempo (2021, 2015, 1915…), pois só uma mentalidade branca, completamente apartada da dor das outras pessoas e de noções rasteiras de direitos humanos conseguiria licença poética para devanear cenas lúdicas no interior de um navio escravagista. Faltaram sensibilidade, respeito, ética, acima de tudo, e teve de sobra olhar branco e abordagem racista que permitem a negação e, ou, o ingênuo desconhecimento da produção historiográfica séria e fundamentada sobre o tráfico atlântico.


Trecho do livro (FOTO/ Imagem retirada do site Cidinha da Silva)

Mas, de toda sorte, trata-se do mundo branco, feito pelos bancos, para os próprios brancos viverem confortavelmente. Imagino algum hipotético integrante negro da cadeia editorial que aprovou este livro-excrecência, seria o bode expiatório da narrativa. Entretanto, como está tudo entre brancos, o livro será modificado, reimpresso, venderá milhares de cópias e será adotado em programas institucionais importantes e lido por milhares de crianças. Querem apostar?

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Por Cidinha da Silva, reproduzido no Geledés.

Coletivo cria biblioteca online com livros de escritoras negras para trocas

 

(FOTO/ credito arquivo MNB).

O coletivo Mulheres Negras na Biblioteca (MNB) criou uma biblioteca on-line que disponibiliza aproximadamente 200 livros de escritoras negras. São obras entre romances nacionais e internacionais, ensaios, poesias e biografias, livros infantis e infanto-juvenis, todos de autoras negras.

No acervo estão disponíveis também a opção de trocas entre obras com opções como as autoras beel hooks, Cidinha da Silva, Maya Angelou, Jarred Arraes. E, segundo as organizadoras, a iniciativa online que começou no início da pandemia como uma alternativa a não-realização de eventos presenciais, deu  tão certo que vai ser mantida.

O projeto já existe há quase cinco anos, desde 2016, atuando na promoção de atividades para escritoras, para o público leitor e outros profissionais que atuam na produção, venda e divulgação de livros de mulheres negras. Dentre as iniciativas tem clubes de leitura, bate-papos com educadores e escritoras negras, oficinas de mediação de leitura e o que elas denominam “cantação” de histórias.

Essa diversidade de atuação, tem relação com as integrantes do projeto profissionais de Biblioteconomia e Letras, que tem como motivação “contribuir para a formação e o aumento do público leitor de livros de autoria de mulheres negras”, como se apresentam no site do projeto. Conheça o acervo do projeto AQUI.

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Com informações do Notícia Preta.

IFCE abre inscrições para concurso com 181 vagas e salários iniciais até R$ 9.616

 

Fachada do IFCE. (FOTO/ Divulgação).

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) abriu inscrições para concurso público com 181 oportunidades de trabalho e salários iniciais até R$ 9.616.

O certame foi dividido em dois editais: técnico administrativo (TAE) e docentes, com 49 e 132 vagas imediatas, respectivamente.

O edital de TAE oferece 24 diferentes cargos, com salários de até R$ 4.180. São exigidas formações de ensino médio, ensino profissionalizante e superior.

Já para os docentes são 59 cargos com salários iniciais de R$ 4.472 - podendo chegar a R$ 5.367, com especialização; R$ 6.708, com mestrado; e R$ 9.616, com doutorado.

Os interessados devem acessar o site da organizadora do concurso, o Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e Assistencial Nacional (Idecan) até as 23h59min do dia 7 de outubro de 2021.

As taxas de R$ 80, R$ 100 e R$ 150, dependendo do cargo pleiteado, deverão ser pagas até 24 horas após a emissão do boleto no ato da inscrição.

As provas objetivas serão realizadas nos dias 11 e 12 de dezembro nas cidades de Fortaleza, Juazeiro do Norte e Sobral. O concurso tem validade de dois anos, podendo ser prorrogado por mais dois.

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Com informações do O Povo.

Oposição convoca ato unificado pelo impeachment em 2 de outubro

Manifestantes tomam a Avenida Paulista para protestar contra Bolsonaro. (FOTO/ Roberto Parizotto/ Fotos Públicas).

A Coordenação da Campanha Fora Bolsonaro convoca as entidades participantes para nova manifestação no próximo dia 2 de outubro (sábado) pelo impeachment. A data foi escolhida em reunião realizada na noite desta sexta-feira (10).

Conforme os organizadores, a nova convocação é a “continuidade da pressão pelo fim deste governo genocida e criminoso, responsável pelo desemprego, fome, inflação, miséria e a morte de quase 600 mil pessoas”.

E está em está em sintonia com os partidos de oposição e movimentos sociais que se reuniram e apontaram a construção de mobilizações para o início do mês de outubro.

Impeachment de Bolsonaro

A coordenação da Campanha informou, ainda, que não faz parte da organização e nem da convocação de manifestantes para o ato deste domingo (12), articulado pelo Movimento Brasil Livre ou convoca as manifestações anunciadas para o próximo domingo, 12 de setembro.

No meio da semana a CUT já havia divulgado que “não participará, não convocará e não faz parte da organização de nenhuma manifestação/ato, anunciada para o próximo dia 12 de setembro”. Mas reforçou seu compromisso a luta pelos direitos da classe trabalhadora e pelo impeachment de Jair Bolsonaro. Outras centrais, porém, anunciaram participação no ato. Entre elas, Força Sindical, UGT e Nova Central.

Integrante da Campanha Fora Bolsonaro, a Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD) divulgou nota informando que não vai participar das manifestações convocadas para este domingo. Para a entidade, o MBL “vem tentando vender o discurso de “união” contra Bolsonaro para chamar atos.

Incoerente

Mas o ato deste domingo é convocado, divulgado e organizado pelo Movimento Brasil Livre (MBL), “sem qualquer participação da sociedade civil organizada em seus diversos movimentos, entidades, coletivos plurais. Um convite para aderir a eles, com diversas limitações sobre identificação, não guarda coerência com a estruturação horizontal que defendemos”.

O ex-deputado Jean Wyllys, filiado ao PT, elencou em nota diversos motivos pelos quais não participará da manifestação. Todos eles relacionados ao histórico de MBL e de seu líder, o deputado Kim Kataguiru (DEM-SP) na campanha golpista que derrubou Dilma Rousseff e abriu caminho para seu então aliado, Jair Bolsonaro, chegar ao poder.

E se dirigindo às esquerdas que se respeitam e respeitam a memória, pediu que seja traçada uma linha clara, “que não permita que o MBL se misture com elas e que impeça esses criminosos de lavarem suas biografias sujas para as eleições do ano que vem”. “A rua é livre, mas cada qual no seu quadrado!

Movimento mudou

A princípio, o ato do MBL era pelo impeachment de Bolsonaro e contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas para atrair mais adesão de movimentos e lideranças do campo progressista, focaram o ato somente no Fora Bolsonaro. E as adesões vieram. Anunciaram participação a deputada estadual em São Paulo Isa Penna (Psol-SP), os deputados federais Alessandro Molon (PSB-RJ), Alexandre Frota (PSDB-SP), Tabata Amaral (PDT-SP), Joice Hasselmann (PSL-SP), André Janones (Avante-MG), Marcelo Van Hattem (Novo-RS).

O ato, que será realizado em 15 estados, mas terá peso maior em São Paulo.

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Com informações da RBA.

Cacique Raoni recebe prêmio em congresso mundial de conservação, em Marselha, na França

 

Cacique Raoni: 90 anos de vida e uma vida em defesa da natureza  (FOTO/ Ricardo Stuckert).

Ropni Metyktire, mais conhecido como Cacique Raoni, liderança mundialmente conhecida do povo indígena Kayapó, recebeu o título de Membro Honorário da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). O anúncio foi feito na última quarta-feira (8) durante a programação do Congresso Mundial da União, que acontece em Marselha, na França, até 11 de setembro, quando se celebra, no Brasil, o Dia Nacional do Cerrado. 

Na cerimônia de abertura do evento internacional, o presidente francês Emmanuel Macron saudou o premiado ao lado do ator Harrisson Ford e do fotógrafo Sebastião Salgado.

A honra é concedida a cada quatro anos como reconhecimento pelo excepcional serviço para a conservação da natureza e dos recursos naturais. Cacique Raoni foi homenageado ao lado de outras três personalidades: o ornitólogo de Fiji Richard John Watling, o ambientalista libanês Assad Serhal, e a cientista britânica Jane Goodall, cuja contribuição revolucionou a compreensão sobre a relação entre primatas e humanos.

A indicação de Cacique Raoni ao prêmio foi feita pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), com intenção de ampliar o conhecimento sobre a grande contribuição da liderança para o equilíbrio climático global. 

Indicamos Raoni como representante da importância dos Povos Indígenas e das Comunidades Tradicionais para a conservação da natureza”, comenta Fabio Vaz, coordenador-geral do ISPN. Vaz destaca que essa importância foi reiterada recentemente em um estudo publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Achamos que a contribuição histórica do Cacique Raoni nas lutas pela conservação da natureza e na defesa dos direitos indígenas foi, e continua sendo, fundamental para o campo socioambientalista”, parabeniza o coordenador. 

Como forma de agradecimento, a liderança Kayapó, que habita uma região de transição entre Amazônia e Cerrado, no estado do Mato Grosso, enviou sua mensagem pedindo o fim da guerra contra indígenas e o fim do desmatamento. 

"Não quero que a guerra volte entre nós. Eu só quero que convivamos em paz", diz Raoni na gravação. Ela lembra que seus antepassados chegaram primeiro na região das Américas e que os colonizadores europeus retiraram todas as riquezas dos povo originários.

"Eu não gosto de coisa ruim de verdade. O que é ruim? Ameaça. Vocês, brancos, se matam. Desmatam a floresta, que é algo ruim. Isso é ruim para nós indígenas. Para vocês, brancos, isso é bom", prossegue o cacique. 

Ele conclui pedindo um basta na destruição da floresta e dos recursos naturais. "Por isso que eu digo: 'me ouçam!'. Parem com isso, para que possamos conviver em paz. Esse é o meu trabalho. Muito obrigado".

Quem é Raoni?

Aos 91 anos, Cacique Raoni coleciona uma trajetória de resistência em busca da paz. Nacionalmente, teve destaque na década de 1970, quando liderou protestos contra a construção da BR-080 (hoje MT-322) em defesa da demarcação da TI Capoto Jarina. Em 1987 e 1988, teve protagonismo, ao lado de outras lideranças indígenas, na garantia dos direitos dos povos indígenas na Constituição Federal.

Politicamente, ao longo dos anos, reuniu-se com líderes políticos para visibilizar a causa indígena. Lutou contra a Usina de Belo Monte e, em 2020, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz (saiba mais). Neste ano de 2021, contraiu covid-19, chegou a ser internado, mas se recuperou e segue uma inspiração para todas as pessoas que lutam pela conservação ambiental em todo o mundo.

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Com informações do Brasil de Fato.

STF reconhece omissão do governo Bolsonaro na proteção dos quilombolas

(FOTO/ Lizely Borges).

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a omissão do governo Bolsonaro na proteção das comunidades quilombolas e determinou um prazo de 15 dias para a União, a Fundação Cultural Palmares (FCP) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) apresentarem um cronograma completo de metas e orçamento para a titulação de terras quilombolas de todo o país.

A decisão é do ministro Edson Fachin e visa reparar os danos causados pelo Estado a esse grupo populacional, principalmente na pandemia, com base em uma ação movida pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que contou com o apoio de partidos de esquerda e do Movimento Terra de Direitos (TDD).

A titulação e regularização das terras quilombolas é a proteção territorial, pois é a partir disso que se garante a segurança jurídica das comunidades. Sem a titulação, continua o avanço da mineração, do agronegócio, até porque os empreendimentos continuaram durante a pandemia”, explica a advogada Vercilene Dias, assessora jurídica da Conaq e da Terra de Direitos.

Relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742/2020, Fachin e os demais ministros da Corte já tinham determinado ao governo bolsonarista a adoção de medidas de urgência no combate e proteção à pandemia nos quilombos. Naquele momento, o Supremo designou a elaboração, com participação das comunidades, e implementação de um plano de enfrentamento ao coronavírus, projeto que apresentou falhas, como noticiado pela Alma Preta Jornalismo.

Fachin também intimou a União para apresentar um método de acompanhamento das denúncias apresentadas pelas comunidades no canal online de diálogo com Incra e Fundação Palmares. “Independentemente da fase do processo de certificação ou titulação”, diz a decisão.

Exigido pelos quilombolas no Grupo de Trabalho da ADPF, o canal online deveria servir para relato de denúncias sobre violações aos territórios quilombolas e acompanhamento do status da denúncia pela comunidade. Segundo a Terra de Direitos, a plataforma atual apenas permite o envio do e-mail para a Fundação Palmares, sem possibilidade de acompanhamento de como o órgão irá proceder diante da denúncia. Além disso, a organização destaca que os quilombos “tampouco têm uma resposta à denúncia feita”.

Um simples painel de denúncia não resolve a inércia da autarquia em atuar na resolução de conflitos nos territórios, porque além de limitar a denúncia apenas às comunidade quilombolas certificadas, o formulário não oferece meios de retorno aos quilombolas sobre o acompanhamento das demanda ou conflito denunciado, além de não integrar as ações dos órgão responsáveis pela proteção territorial conforme determinação do STF”, ressalta Vercilene.

Com informações da Alma Preta. Leia aqui o texto completo.

Conferência de Durban completa 20 anos: conheça o documento e seus avanços

 

Conferência de Durban completa 20 anos. (FOTO/ CEERT).

Entre os dias 31 de agosto e 8 de setembro daquele ano, 173 países, 4 mil organizações não governamentais (ONGs) e um total de mais de 16 mil participantes discutiram temas urgentes e polêmicos. O Brasil estava presente com a maior delegação do mundo, com 42 delegados e cinco assessores técnicos.

O CEERT fez parte do momento histórico, com a participação dos diretores Cida Bento, Daniel Teixeira e Mario Rogério. A equipe integrou a mobilização brasileira desde as conferências regionais preparatórias, promovidas nas cinco regiões do país, além de participar dos  debates junto a países da América Latina e da África, até chegar ao encontro mundial.

A Declaração de Durban influenciou diversas áreas no Brasil e comprometeu o país na implementação de políticas de combate ao racismo e à promoção da equidade racial, inspirando também as leis criadas posteriormente.

O documento também insta as organizações governamentais e não-governamentais, as instituições acadêmicas e o setor privado a coletarem o dado cor/raça. Tornam-se mais visíveis estudos a respeito das condições de vida da população negra, favorecendo o monitoramento de desigualdades e o desenho de políticas públicas.

Além disso, foi realizada a elaboração do Estatuto da Igualdade Racial, mostrando ao mundo a importância de criar mecanismos de erradicação de todas as formas de preconceito.

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Com informações do CEERT. Para saber mais sobre a Declaração de Durban, clique aqui.

Direitos Humanos e Talibã: uma breve reflexão, por Cristina Tadielo

 

Fuga do Afeganistão. (FOTO/ Reprodução).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos observa em seus preceitos “como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade” a liberdade, a igualdade em dignidade e direitos bem como o “espírito de fraternidade” entre os povos.

Traz ainda, a potencial responsabilidade dos países em promover e tutelar a Paz mundial respeitando as sociedades em suas características próprias e culturais, a partir do momento em que não sejam permissivas em práticas e ataques graves e severos aos Direitos Humanos.

Pois bem, nos últimos dias a comunidade mundial assistiu estarrecida, cenas da tentativa de fuga em massa do Afeganistão, país cuja história é descrita sob égides de extrema ditadura religiosa que, misturadas a objetivos sociais próprios, impôs práticas extremistas e de violação dos declarados direitos humanos.

Tais praticas, comandadas pelo Talibã, grupo fundamentalista islâmico formado no fim da invasão soviética do Afeganistão (1979-1989) por estudantes, defendem uma rígida interpretação do Alcorão (livro sagrado do Islã) para governar o país. O grupo acredita na sua representação como sendo os verdadeiros portadores do islamismo e tem uma visão peculiar da religião na qual, não há brechas para diversidade.

 Cristina Tadielo. (FOTO/ Divulgação).

A volta do Talibã ao poder após 20 anos de ter sido expulso por tropas norte-americanas faz emergir na população afegã, bem como de toda comunidade internacional, a preocupação quanto a violação dos direitos humanos e as ações extremistas de tal governo, o que justifica a tentativa de fuga. A formação do Talibã, no Afeganistão, é um dos muitos efeitos colaterais da bipolarização entre Estados Unidos e URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) durante a Guerra Fria (1945-1991) e em seus contornos revanchistas, atingem a política e economia internacional de forma efetiva e com conseqüências sociais de peso humanitário. O conflito é um misto de política e religião em suas formas mais radicais e extremistas. A laicidade é coloca a termo e direitos culturais e humanos são colocados em xeque.

Tomando em conta a igualdade de direitos e a dignidade do ser humano, um recorte há ser minuciosamente observado, diz respeito a condição das minorias e, principalmente, à condição da mulher afegã todo este contexto de tomada de poder pelo Talibã.

O ser humano “mulher”, sob a interpretação radical, extremista e severa do grupo, é desprovido de autonomia e, portanto de direitos. Mulheres têm que estar sempre subjugada às ordens dos homens. Enquanto o Talibã esteve no poder, as mulheres foram tolhidas em liberdade, respeito, dignidade e, em inúmeras vezes, punidas violentamente por “desobedecerem”.

Ainda no período em que estiveram fora do poder, demandavam perseguições aqueles que defendiam direitos universais humanos, principalmente mulheres. Exemplo disso é a história de Malala Yousafzai baleada por combatentes do grupo após se tornar conhecida mundialmente defendendo o direito das mulheres e que meninas como ela tivessem pleno acesso às escolas.

Repercutindo os fatos narrados, e para além de relativismos culturais e articulações feministas o recorte social e de gênero insere aspectos imersos na Declaração dos Direitos Humanos e a necessidade de um discurso objetivo acerca da tutela humana bem como na defesa efetiva de Direitos fundamentais. A demanda é complexa e existe um histórico de violação aos direitos humanos, aos tratados e acordos internacionais por parte do Talibã que não pode ser ignorado. Assim como não pode ser ignorado um ocidente que, guardadas as proporções, em nome de divindades descarta as humanidades de acordo com interpretações próprias na intenção de guerra de poderes e domínios territoriais.

O que se vê é uma enorme lacuna entre declarações universais e realidades de sistemas políticos impostos. É fundamental que sob o véu midiático como um indicativo de solidariedade, estejam os reais mecanismos mundiais de assistência e cumprimento dos preceitos humanitários declarados em pactos e tratados internacionais. A preocupação precisa se embasar no refazimento de nações, não pelo espectro do terrorismo, mas moldado na silhueta e na culturalidade da pessoa humana com o atento olhar as minorias regimentadas pela isonomia de seus direitos.

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Publicado originalmente no Notícia Preta.

Cristina Tadielo é  advogada, Educadora, Psicopedagoga e Pesquisadora. Membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/MG.