O
ano de 2015 foi terrível para a causa democrática em nosso país. De um lado,
uma Casa Grande sem votos que se cansou de perder eleições e resolveu com
visível concertação externa, produzir uma crise institucional sem precedentes,
destruindo a estabilidade econômica e disseminando um ódio político poucas
vezes visto na História brasileira. De outro lado, ferido gravemente pelo
envolvimento/conivência com casos de corrupção, o Partido dos Trabalhadores e a
coalizão governista, parecem com dificuldades de unir o campo democrático e
travar o debate no parlamento e nas ruas, na defesa de um legado de mudanças
importantes para o Brasil e de aprofundamento do processos de inserção social e
política da Senzala.
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Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso. |
Sob
a batuta de Dilma Roussef, o Governo Federal parece perdido, deixando-se muitas
vezes pautar por uma agenda conservadora, na esperança de agradar a Casa
Grande. Como disse o Presidente Lula, não agradou e perdeu a nossa gente. As
políticas de austeridade fiscal com a finalidade de produção de uma poupança,
encheu as burras dos rentistas com mais quinhentos bilhões de reais, sufocou o
crédito para o mercado interno, produziu desemprego, conteve a política de
distribuição de renda.Ao retirar bilhões da Educação, restringiu ações de
sucesso, símbolos de um governo que se preocupa com os grupos subalternos.
Do
ponto de vista da diáspora africana organizada, o Movimento Negro, tal postura
significou redução, bloqueios, não execução de políticas duramente pactuadas no
interior dos espaços de controle social do Governo Federal. Para nós foi um ano
de derrotas, refletida na não indicação de um negro/negra para ministro do
Supremo Tribunal Federal, na subrepresentação da população negra nos lugares de
comando do poder executivo, em especial, a perda de status da SEPPIR. De fato é
um governo para nós, mas não conosco.
Entretanto,
o que parecia ruim pode ser lido como uma oportunidade histórica para o
movimento negro. Dilma Rousseff, nos deu a possibilidade de quebrarmos a
subordinação política e ideológica com os partidos da esquerda branca e de
questionarmos o longo processo de cooptação de lideranças e entidades negras,
tornando-as ONGS, responsáveis pela execução de políticas públicas não
prioritárias para o governo. Estratégia, verdade seja dita, construída nos anos
1990, sob orientação do Banco Mundial. A presidenta com um canetaço apontou o
fracasso de uma estratégia de luta institucional sem o suporte e envolvimentos
dos grupos populares.
Todos
nós, brasileiros e brasileiras continuaremos apoiando o respeito as
instituições democráticas, representada na continuidade de um governo
legitimamente eleito. No entanto, nós negros precisamos repensar nossa ação.
Refletirmos onde nós contribuímos para a nossa fragilidade política e pouca
legitimação, que torna possível que questões importantes sobre nossas vidas
sejam tomada por outras pessoas sem nos consultar.
Pode
parecer acadêmico demais para alguns, mas a melhor forma de construir uma
unidade é debatendo visões de mundo, as análises de conjuntura e as posturas
ideológicas. Afinal, a opção pela luta institucional também está embasada numa
perspectiva ideológica.
Está
mais do que na hora de compreendermos o momento vivido a partir de um balanço
de trinta anos de experiência democrática e mais uma década de um governo
social-democrata, representado por Lula e Dilma Roussef.
Gostaria
de acrescentar um termo que falta: colonialismo. Nosso país nunca passou a
limpo sua herança colonial, o que faz com que os privilégios dos colonos e seus
descendentes expresso no exercício de uma branquitude só agora começam a ser
questionados. Neste mundo, nossa inserção se dá de forma individual e na medida
que dominamos os códigos da cultura ocidental. Leia-se, na medida em que nos
tornamos assimilados. Assim, nossa própria resistência se dá nos quadros desse
modo de apreensão e expressão do real, no controle de sua linguagem. Sem
perceber nos tornamos para além de eurófonos, eurófilos e, parafraseando Kwame
Appiah, herdamos determinados antolhos intelectuais que nos impedem de ver
qualquer virtude nas massas negras, sua violência como código de honra, sua
cultura do baixo ventre, sua paixão pelo pagode, pagode baiano e funk, como me
lembrou Ivy Guedes . A maior evidência disto, como todo assimilado é o gosto de
uma parte significativa da liderança negra por homens e mulheres brancas para
constituir suas famílias e a aceitação tácita dos brancos de esquerda como
direção e orientação da ação política.
Avançar
na direção contrária exigirá capacidade de articulação e coordenação do
Movimento Negro, de modo a termos nossas próprias agendas e não sermos pautados
pela esquerda branca. Neste sentido, as reuniões da Convergência Nacional
Anti-Racista, reunindo as principais entidades do movimento negro (Salvador,
dezembro de 2015, Porto Alegre, janeiro de 2016), constituem a oportunidade,
por meio do exercício da paciência, de estabelecer laços de confiança que nos
possibilite pactuar agendas e dirimir controvérsias. Por outro lado, o Fórum de
Promoção de Igualdade Racial (FOPIR), reunindo as principais organizações não
governamentais anti-racistas, em especial, as feministas negras, com sua vasta
experiência internacional, de diálogo com agenciais multilaterais, de clareza
estratégica da comunicação e capacidade de advocacy, pode-se constituir numa
plataforma chave para o debate com a opinião pública e a qualificação da ação
do Movimento Negro.
Segundo,
nós, militantes antirracistas, necessitamos nos apropriar do patrimônio
cultural produzidos autonomamente pelos afrodescendentes: samba, escolas de
samba, terreiros, congás, maracatús, cacumbís, cordões, jongos, congadas,
sociedade recreativas, irmandades, territórios e outros lugares de vivência
cultural onde estes inventam e reinventam modos de ser e estar no mundo,
baseados em nossas memórias, nossas linguagens, nossas cosmovisão e cosmogonia.
Lugares furtivos, onde, na falta de um outro termo, nos movemos baseadas em
estruturas civilizatórias africanas.
Por
fim, como já disse alguém, nós precisamos estar presentes no cotidiano de
nossas gente, no momentos de suas dificuldades e sofrimentos, de modo a
construir uma empatia entre o MN e os afros. O que aprendi com Mandela, Angela
Davis, ML King e Malcon X, é a que legitimação institucional se dá com o povo
na rua sustentando a liderança. Vamos avançar e consolidar estas conquistas
quando os afros entenderem que só é possível transformar suas vidas por meio da
luta do movimento Negro.