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Cuba tem convênios para atendimento médico em mais de 60 países. Brasil está sendo o único a criar empecilhos. (Foto: Araquém Alcântara/Via Jornal Granma). |
“O Brasil com certeza sofre com essa saída.
Vamos ter de fato uma catástrofe sanitária”, disse o médico
Thiago Henrique Silva sobre o fim da participação de Cuba no Programa Mais
Médicos, criado em 2013. Integrante da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares
e mestre em Saúde Pública, Thiago lembrou, em entrevista à TVT, que são em
torno de 8 mil médicos cubanos atuando no Brasil e que devem sair até dezembro
por conta de exigências do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que não fazem
parte do contrato firmado com Cuba até o final de 2019.
“O que ocorre é que o Brasil tem com Cuba uma
parceria de cooperação. Os países que buscam essa parceria com a Empresa
Estatal Cubana de Serviços Médicos buscam porque estão precisando de um força
de trabalho extra porque a interna não dá conta de atender as pessoas",
explica o especialista. Segundo ele, Cuba tem acordos de cooperação com mais de
60 países. "O único em que há esse debate da revalidação dos diplomas é o
Brasil”, lamenta.
O
médico relata que desde os anos 1960 Cuba prepara brigadas de solidariedade
para atender catástrofes naturais e biológicas, como o ebola na África, os
terremotos no Haiti, no Paquistão. “Quando
outros países mandavam armas, Cuba mandava médicos para os países que estavam
passando dificuldade. Cuba é referencia em saúde reconhecida inclusive pelos
norte-americanos. Com o relaxamento das relações entre Cuba e EUA, muitos estão
procurando Cuba para fazer tratamento médico.”
O
profissional, que atua como médico da família e comunidade, critica os
questionamentos de Bolsonaro sobre a qualificação dos médicos cubanos. “Ele está tentando mascarar uma questão
ideológica para tentar combater a qualidade técnica dos médicos cubanos. Vieram
aqui doutores em cardiologia, em oftalmologia, em gastrenterologia, em medicina
de família e comunidade.”
Assim
como no Brasil, ele explica, há médicos com pouca experiência também. “Vieram no total, desde o início, 14 mil
médicos para cá. Quando você traz 14 mil
médicos vai ter médicos excelentes, medianos, médicos nem tanto. Isso
acontece com a nossa força de trabalho no Brasil. Tanto é que algumas entidade
médicas vêm voltando a discutir a questão do exame de ordem da Medicina. Temos
um problema muito grande na formação dentro do Brasil.”
À
parte qualquer possível deficiência, para ele a formação dos médicos cubanos é
conceituada. “Se pegar o medico
norte-americano e trazer para a realidade brasileira, colocar numa realidade
como muitos cubanos estão atendendo hoje, comunidades ribeirinhas, por exemplo,
não vai conseguir dar conta porque não conhece as outras complexidades. As
formações são diferentes, só que a formação de Cuba é parecida com a nossa pela
realidade que passou nos últimos 40 anos de avanço nos serviços de saúde. E são
bem mais avançados que nós hoje em dia.”
Bravatas do presidente eleito
Em
visita hoje (16) ao Comando do Primeiro Distrito Naval, no Rio de Janeiro,
Bolsonaro voltou a defender o fim do contrato com Cuba. Afirmou que nunca viu
uma autoridade ser atendida por um médico cubano e que esse atendimento não
deveria ser relegado aos mais pobres.
Para
Thiago, as manifestações de Bolsonaro que culminaram com o fim do contrato com
Cuba tratam-se de mais uma bravata do presidente eleito que sabe que não vai
recuperar a economia com a agenda do seu economista que quer combater a China,
o maior parceiro comercial do Brasil.
“Ele acabou de nomear um chanceler que diz
que a China é maoísta e tem de ser combatida. Você está falando da segunda
maior economia do mundo, que nem Trump (Donald Trump, presidente dos EUA) tem
coragem de falar uma coisa dessas. E o chanceler do Bolsonaro fala isso",
diz Thiago, sobre a indicação do diplomata Ernesto Henrique Araújo para
comandar o Itamaraty. Araújo é alinhado com Donald Trump e já chegou a dizer
que a preocupação com mudanças climáticas e aquecimento global é coisa de
comunista.
Levantar
uma cortina de fumaça ideológica é o que Bolsonaro quer fazer, na opinião de
Thiago. “E é essa cortina que vai fazer
com que 8 mil médicos saiam daqui e 30 milhões de brasileiros fiquem sem
atendimento médico.”
Sem médicos as pessoas morrem
O
mestre em Saúde Pública reforça que serão desassistidos os lugares mais pobres
do Brasil. “Para ter ideia, 90% dos
médicos que estão nas comunidades indígenas são cubanos.” E alerta: “Não tinha nada, absolutamente nada preparado
para isso. Ele fez um esforço de que Cuba rompesse o acordo e para não ter que
fazer isso em janeiro. E Cuba com razão e com integridade o fez antes de
colocar seus médicos aqui a partir de janeiro em risco".
Thiago
revela que o programa federal não pretendia continuar funcionando com médicos
cubanos eternamente. “Tinha uma
preparação de abrir vagas em faculdades de Medicina, em programas de residência
médica, no interior, onde a gente pudesse fixar médicos. A programação era, em
alguns anos, deixar de depender dos médicos estrangeiros e conseguir utilizar a
própria forca de trabalho médica brasileira. Esse era o objetivo, sempre foi.
Mas essa estratégia foi desmontada após o golpe de 2016 e Bolsonaro nem sonha
em colocar algo parecido.”
Para
ele, o Brasil precisa de programas como o Mais Médicos já que a categoria é a
única que goza de pleno emprego. “Sou
médico, mas não concordo com que tenhamos uma reserva de mercado e que a gente
possa ficar chantageando prefeitos, diretores de hospitais, gestores: ah, se
não fizer do jeito que eu quero eu saio do serviço” diz. “E acho um absurdo chantagear o serviço
público de saúde porque quando isso acontece pessoas morrem. A gente tem de
estar mais comprometido com a vida das pessoas do que com a chantagem para ter
uma renda maior.”
Plano de governo privatista
Sobre
o novo governo, Thiago não tem boas expectativas. “O que está colocado para o futuro do país na saúde é um avanço do setor
privado de uma forma absolutamente desregulamentada. Essa é a agenda de saúde
do Bolsonaro”, ressalta, lembrando que “os míseros quatro slides que estão
colocados no programa de saúde dele, a gente percebe que a única coisa concreta
é a desregulamentação”.
O
médico relata que a proposta do presidente eleito é de 40 anos atrás. “É o cadastramento universal de médicos,
como se fazia na época do Inamps. Significa cadastrar o médico que ele manda a
conta para o setor público pagar depois a partir do atendimento no seu
consultório privado. Isso aí era um mar de roubalheira, um mar de fraude. O
Inamps caiu por conta dessas fraudes.” (Com informações da RBA).