15 de novembro de 2022

O racista não encontra-se só

 

Valéria Rodrigues. (FOTO/ Acervo Pessoal).

Por Valéria Rodrigues, Colunista

Sabemos que o racismo existiu, existe e sempre existirá. Por pior que seja, essa é a mais pura verdade. Infelizmente a sociedade encontra no “racismo” formas de justificar a falta de caráter e de humanidade em algumas pessoas.

Quando você acha que a política de cotas raciais é bobagem e que os negros simplesmente estão se vitimizando você consegue expor em um mesmo momento a falta de caráter e de humanidade que há em si. Mas é muito mais “agradável” ouvir alguém o chamando de “racista” do que de desumano ou mau-caráter. Afinal, o racismo é comum na mídia, no futebol, na política e dessa forma você não se encontra tão só. Até porque ser chamada de mau-caráter e desumano parece ser mais grave do que de “racista”.

A nossa sociedade tem pessoas diferentes a depender da situação, da condição e do momento onde venha a ocorrer um ato racista. E o pior é que sempre terá alguém para justificar o injustificável.

Portanto, o combate ao racismo tem que ser uma luta cotidiana. Não adianta querer combater em um momento midiático ou durante o mês da “Consciência Negra”, pois isso não terá o efeito esperado. Ao contrário, isso mostra o quanto gostamos de manter as “aparências” e fingir que realmente estamos combatendo esse câncer social.

A máquina de fotografar poesia

 

Alexandre Lucas, Colunista. (FOTO/ Reprodução/Facebook).

 

Por Alexandre Lucas, Colunista

A lente permanece suja. A máquina fotografa com manchas a realidade e o fotógrafo se ilude, acreditando que elas realmente estão impregnadas na paisagem. É quente para um café. Melhor seria um banho frio e rever as fotos do tempo em que não saia sozinho na rua, por não ter noção e nem tamanho suficiente para encarar os perigos que assombram a vida dos adultos.

A máquina quebra de tanto insistir em olhar. O fotógrafo agora é poeta, escreve com danação. Cria imagens, suja o texto, destrói as lentes, grita, faz mistério, arrota porque não quer incômodos presos, liberta os seus desejos.  Escreve sobre as fotografias queimadas e as verdadeiramente mentirosas. Finge que não é com ele  a história que  conta e mente sobre a história que quer.

O poeta triturou a máquina em versos e fotografou a dor banhada de poesia.

“Ordem e Progresso”: um país sem amor?

 

Vinícius Araújo/Alma Preta jornalismo.

Baseado na expressão “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por meta”, do filósofo positivista francês Auguste Comte, o lema "Ordem e Progresso", contido na bandeira do Brasil, é a frase norte da presente estrutura social. Excluindo-se o termo “amor” da frase original, o lema Republicano brasileiro se atém a “Ordem e Progresso” deixando de lado a moral "viver para os outros”, como aponta Wolf Paul, professor da Universidade de Johann Wolfgang Goeth, na Alemanha.

Idealizada por Raimundo Teixeira Mendes e desenhada pelo artista Décio Villares, a bandeira brasileira poderia ter sido escrita com o emblema completo - Amor, Ordem e Progresso. Segundo o professor de História Djalma Augusto, a elite brasileira que instituiu a República foi muito influenciada pelo positivismo e pode ter suprimido a palavra amor na versão final da bandeira brasileira. Porém, o professor ressalta que não há uma consideração teórica ou uma referência muito clara sobre a supressão da palavra amor, o que torna a questão difícil de ser discutida.

Janaína Costa, natural da comunidade Quilombola do Macuco (Mg), no Vale do Jequitinhonha e mestra em História pela Pontifícia Universidad Javeriana de Bogotá aponta que o amor, não apenas na bandeira de um país, mas na vida e na existência humana é um conceito político, e para que ele possa ter esse papel precisa-se levar em conta a assimilação e o comprometimento com uma “perspectiva futura pautada no bem-estar social, numa ética amorosa que passa pelo individual e pela luta de construção coletiva”.

Ela afirma que o governo republicano não necessariamente significou uma participação popular maior nos espaços de tomada de decisões políticas, penso que, ocorreu uma grande concentração de riquezas e poder nas mãos da nova elite dominadora que surgia e herdava privilégios econômicos do antigo sistema. Os interesses econômicos que norteiam a movimentação de militares e civis não se estendiam a uma grande massa da população daquele período, a população anteriormente escravizada.

Neste cenário de pós abolição da escravatura, assumir o amor como princípio e somado aos conceitos de ordem e progresso, apenas teria sentido concreto se fosse entendido como prática política de ruptura. Para que a população deste período pudesse vislumbrar um futuro republicano pautado no amor como mecanismo de construção, muito deveria ser reconsiderado em relação ao período anterior”, pondera a especialista.

Janaína tem 29 anos, é ativista pela categoria do trabalho doméstico no Brasil, e é babá desde a adolescência. Ela estuda a obra de bell hooks - ativista e escritora expoente do movimento negro estadunidense, que se aprofunda no conceito de amor de forma ampla. Para ela, bell hooks ajuda na construção de uma “alternativa de sociedade pautada no amor como ponto de partida e ponto de chegada”.

O impacto do amor como princípio

Costa defende que talvez o impacto do lema do amor como princípio político para a população desprivilegiada naquele início republicano brasileiro tivesse sortido efeito semelhante ao que ocorreu aos Haitianos colonizados pela França, que se rebelaram contra o seu colonizador.

A Revolução Francesa que tinha a liberdade, igualdade e fraternidade como princípios, não estendia essas ideias às colônias de negros livres e escravizados, que se rebeleram contra isso. Liberdade, igualdade e fraternidade para quais franceses?”, questiona Janaína.

Dessa forma, a pesquisadora afirma que, o amor, tanto no período escravista, republicano ou democrático só poderia animar e cultivar esperança nas pessoas, se viesse atrelado à prática construindo solo para seu crescimento.

Tanto para 1889 como em 2022, o amor ganharia sentido e significado se estampado nossa bandeira, se ele pudesse ser visto como comprometimento assumido por todos nós como intenção e rastro de caminho percorrido”, argumenta.

Então, Janaína salienta que a abolição da escravidão e a proclamação se configuraram como marcos politicos, econômicos e sociais. Porém, para ela, tanto no período escravista, republicano e mesmo em nossa recente democracia, grande parte da sociedade vive o desamor, o descaso e o desprezo que advém daqueles que detêm o poder.

O amor empregado na política hoje

O lema de Bolsonaro “Deus, Pátria, Família” tem sentido muito diferente da frase utilizada por apoiadores de Lula em sua campanha: “O amor vai derrotar o ódio”. Sobre essa dicotomia, Janaína explica que o que se pode identificar nestes quatro anos do Bolsonaro no poder é uma forte naturalização do desamor, da ambição e do descaso como atalhos para a obtenção e concentração recursos econômicos nas mãos dos mais ricos. “Para pensar o desamor, a inexistência do cuidado, basta que pensemos sobre o descaso do governo durante a pandemia da Covid-19, que agora já soma mais de 700 mil mortos”. 

Para a pesquisadora, os governos anteriores de Lula foram construídos ao redor do compromisso de oferecer condições dignas de existência para os mais vulneráveis. Dessa forma, Lula traria o amor como ordem do dia e se apresentaria como um possível entendedor da proposta de bell hooks, a proposta de assumir o amor como prática, intenção e comprometimento político cotidiano.

Neste cenário, quando estamos honestamente engajados na construção de um mundo regido pela igualdade de condições dignas de existência para todos, podemos dizer que a dimensão do amor político pode e deve ser acionada como mecanismo essencial. Se o amor não é um estrondo surgido de um momento ao outro, mas é resultante da interação de ingredientes como, honestidade, comunicação aberta, confiança, respeito, reconhecimento, entre outros... como nos convida a pensar bell hooks, a nossa existência política também carece de muitos ingredientes”, conclui.

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Com informações do Alma Preta.

14 de novembro de 2022

"Incêndios da alma – a beata Maria de Araújo e o milagre de Juazeiro”, da escritora caririense Edianne Nobre é abordado no Enem

 

Edianne Nobre.  (FOTO | Reprodução).


O milagre da hóstia convertida em sangue na boca de uma beata foi tema de uma pergunta da prova de ciências humanas, aplicada no primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2022, neste domingo (13).

Na questão, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) associa a crença na conversão da hóstia em sangue — suposto milagre não reconhecido formalmente pela Igreja Católica — ao catolicismo popular.

O texto da questão na prova do Enem é do livro “Incêndios da alma – a beata Maria de Araújo e o milagre de Juazeiro” fruto da tese da escritora juazeirense Edianne Nobre. @dianobre_

Dia Nobre, como é conhecida, é escritora e Ph.D em História. Natural do Cariri cearense, atualmente trabalha em Petrolina, Pernambuco, como professora universitária desenvolvendo projetos ligados à literatura, história, e feminismo.

Publicou dois livros de não-ficção, O teatro de Deus (Ed.UFC, 2011) e Incêndios da Alma, (Multifoco, 2016), tendo recebido três prêmios por este último, incluindo o Prêmio Capes de Teses (2015).

Seu primeiro livro de poemas, Todos os meus humores, foi publicado em junho de 2020 pela Editora Penalux. Participa ainda das Antologias Coletânea VISÍVEIS – I Anuário Filipa Edições e Antes que eu me esqueça – 50 autoras lésbicas e bissexuais hoje (Quintal Edições, 2021).

Em maio de 2021 lançou o livro de ficção No útero não existe gravidade que foi finalista do 3° Prêmio Mix Literário 2021.

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Com informações do No Cariri Tem.


Enem tem o menor número de inscritos em 17 anos

 

Estudantes e professores/as da EEMTI Santa Tereza, em Altaneira. (FOTO | Reprodução | Facebook).

A primeira etapa de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2022 aplicada neste domingo (13) teve questões marcadas por temas sociais, como o Estado Democrático de Direito, em especial, o reconhecimento do resultado das eleições, a participação das mulheres no universo do skate, a valorização da cultura nordestina e uma redação como o tema: “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil.”

Nas redes, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) comemorou sobre o tema da redação e se manifestou sobre a importância dos estudantes refletirem sobre o assunto. “Neste momento, milhões de estudantes estão pensando e escrevendo sobre os povos originários do Brasil”.

A luta do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), o maior movimento social urbano do Brasil, também foi lembrado sobre a legalidade de suas ações que estão garantidas pelo preceito constitucional. “Urgente: MTST ocupa o Enem”, escreveu.

A prova é realizada em dois dias de aplicação. São quatro provas objetivas, com 180 questões, sendo 45 de cada área do conhecimento. O segundo dia de provas ocorrerá no próximo domingo (20), com aplicação das provas de ciências da natureza e suas tecnologias, e matemática e suas tecnologias.

Declínio no número de candidatos

Milhões de brasileiros participaram do primeiro dia de provas, porém o número de inscritos no exame vem caindo nos últimos anos – e a proporção de candidatos negros, também. Embora ainda sejam maioria, os candidatos que se autodeclaram pretos ou pardos formam 54,8% dos total de quase 3,4 milhões de inscritos. Em 2019, esse percentual era de 59,1%.

Neste ano, o número de inscritos para o Enem foi o menor desde 2005, quando o exame ainda não era um “vestibular nacional”. Entre os fatores apontados por especialistas a diminuição do número de inscritos esta a pandemia e a má gestão na Educação durante o governo de Jair Bolsonaro. O número de candidatos ao Exame caiu ano após ano no governo Bolsonaro, passando de 5,09 milhões em 2019 até o patamar atual de 3,4 milhões.

O Enem se tornou o principal passaporte para a entrada do ensino superior no Brasil. Para a professora e pesquisadora de Educação das Relações Étnicos-Raciais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Rosely Tavares, a participação de negros sendo a maioria dos inscritos provoca uma transformação das universidades, principalmente as públicas, e fortalece o combate ao racismo e discriminação.

A universidade, além de um lugar de estudo e desenvolvimento de pesquisa, é um espaço também de ascensão social porque sabemos que representa uma melhor colocação mercado de trabalho, mas, acima de tudo, de ter essa população negra no Ensino Superior implica também tensionar esse lugar, sobretudo as universidade públicas, que historicamente são espaços ainda conservadores, de pessoas brancas, e tensionar as leituras os próprios autores, as pesquisas”, analisa ela em entrevista ao Alma Preta Jornalismo.

Lei de Cotas Raciais

Umas das ações de políticas afirmativas no enfrentamento ao racismo implantadas pelo governo no Brasil que tem contribuído para este aumento de inscritos negros no Enem é a Lei de Cotas Raciais. Desde 2012, a legislação instituiu que 50% das vagas ofertadas pelas universidades públicas devem ser destinadas a estudantes pretos e pardos oriundos do Ensino Público.

A Lei Federal de Cotas completou dez anos em 2022 e o governo Bolsonaro encerra o mandato sem reavaliar o programa pelo Governo Federal.

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Com informações do Alma Preta, Metrópole e Mídia Ninja.

13 de novembro de 2022

‘Pantera Negra: Wakanda Para Sempre’ exalta a força e o poder feminino

 

Foto: Divulgação/ Marvel.

Com uma história tocante sobre como superar o luto através da luta, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (10) o filme ‘Pantera Negra: Wakanda Para Sempre’.

A expectativa para o filme era grande, já que a morte de Chadwick Boseman, que faleceu aos 43 anos vítima de um câncer colorretal, pegou a todos de surpresa em 2020. O ator nunca havia declarado publicamente a sua luta contra a doença.

Com a decisão da Marvel de não substituir o ator principal, o filme explora como o reino de Wakanda lida com a partida de seu líder. Com isso, o filme também presta uma grande homenagem ao legado de Boseman.

O primeiro filme da franquia bateu recordes de bilheterias, com a arrecadação de 1,3 bilhão de dólares, e trouxe para as telas a representatividade tão esperada pelos fãs do primeiro herói negro no universo da MCU (‘Universo Cinematográfico da Marvel’, em tradução livre).

Agora sem a estrela principal, a direção de Ryan Coogler com o roteiro de Joe Robert Cole, acerta ao trazer as personagens de Angela Bassett (rainha Ramonda) e Letitia Wright (Shuri) aos papéis principais.

A gente tem que destacar o protagonismo das mulheres do filme. São elas que estão no centro da história”, diz Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça de Geledés.

Além das personagens já conhecidas pelo público, a trama apresenta Riri Williams, a ‘Coração de Ferro’. No longa, ela é uma jovem cientista que cria uma máquina capaz de captar o vibranium, poderoso minério que todos acreditavam existir apenas em Wakanda. É a partir desta descoberta que a história se desenvolve.

O filme equilibra bem as cenas de ação e os diálogos de comédia. Mas aqui, o foco principal é mostrar a importância dos laços afetivos para enfrentar as adversidades.

O amor na sua forma mais simples é muito importante e é disso que o filme trata. A gente vem vivendo momentos muito difíceis em relação a todo o cenário, não apenas brasileiro, então acho importante que esse tema seja uma referência para as pessoas negras”, reflete Suelen Girotte, coordenadora do Centro de Documentação de Geledés.

O personagem Namor, interpretado por Tenoch Huerta, se destaca ao trazer um anti-herói humanizado que tenta proteger o seu povo da escravidão e exploração dos colonizadores.

No entanto, o maior trunfo do filme que foi aplaudido e levou a plateia às lágrimas aconteceu na cena pós-créditos. O filme resgata a emoção do princípio da narrativa ao frisar que o legado de Boseman e do Pantera Negra seguem vivos. Para sempre.

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Com informações do Geledés.

12 de novembro de 2022

Apologia ao nazismo em escolas reforça a urgência de uma educação antirracista

 

(FOTO | Reprodução).


Se ele (Hitler) fez com judeus, eu faço com petistas também.” “Pela reescravização dos nordestinos.” “Quero sua mãe aquela negrinha (sic)“. Junto a emojis e figurinhas de ódio, essas e outras frases abjetas circularam nos últimos dias em um grupo de WhatsApp de alunos de um colégio particular de Valinhos, interior de São Paulo.

Não foi o único caso recente do tipo: em Brasília (DF), algo semelhante aconteceu entre estudantes de um colégio privado no dia 31 de outubro. Em Porto Alegre (RS), o Ministério Público está investigando falas discriminatórias de alunos de duas escolas particulares em aplicativos de mensagem e durante transmissões ao vivo no TikTok.

Além de ofensas e da apologia a regimes de extrema direita por adolescentes, essas denúncias têm em comum o período em que ocorreram: logo após o fim do segundo turno das eleições presidenciais. Se o clima de ódio que se acirrou nos últimos meses no país por conta do contexto político corrói famílias e outros ambientes de sociabilidade, não seria diferente com crianças e jovens em ambiente escolar.

O público infantojuvenil também é suscetível a discursos extremistas. Portanto, não estão imunes a um cenário que vem se radicalizando e envenenando a democracia brasileira por meio de narrativas revisionistas, conteúdos desinformativos e teorias conspiratórias. Somente no que se refere ao neonazismo, dados da Safernet mostram que o número de denúncias anônimas de conteúdos do tipo na internet cresceu 60,7% somente entre 2020 e 2021.

Como os casos recentes em colégios mostram, o que ocorre nas mídias sociais, refletindo a tensão política atual, não está dissociado do clima de sala de aula. Portanto, a escola não pode se eximir de debater situações de racismo e xenofobia que envolvem seus estudantes e professores. Fingir que o preconceito não existe ou tentar minimizar as ocorrências só contribui para a potencialização do problema, desperdiçando a chance de atuar no momento de formação de cidadãos e cidadãs mais empáticos e responsáveis.

Declarações xenofóbicas, racistas e elitistas não podem ser tratadas como brincadeira de adolescentes. Da mesma forma, a discussão em torno do nazismo e do fascismo não pode se referir apenas a períodos históricos do século XX: deve ser atualizada para que alunos e alunas compreendam o potencial genocida dessas ideologias que, infelizmente, seguem vivas.

Sendo assim, abordar as relações étnico-raciais é fundamental para que educadores e instituições revejam sua postura e comecem a atuar de forma pedagógica para combater o ódio. A legislação brasileira garante isso desde janeiro de 2003 por meio da Lei 10.639, que obriga as escolas de ensino fundamental e médio a discutirem em sala de aula a história e cultura afro-brasileira.

Mas esse debate deve caminhar junto à reflexão sobre as relações sociais e culturais que as novas gerações têm construído com as tecnologias. Fazer uma leitura crítica daquilo que chega até as nossas mãos e desenvolver uma postura ética nas mídias sociais são habilidades que a escola deve incentivar, para que crianças e jovens compreendam que o uso das ferramentas digitais para propagar racismo fere direitos humanos, promove violência e reforça estruturas excludentes – e, claro, é crime.

Para isso, educadores e educadoras devem contar com formações iniciais e continuadas que deem conta dos desafios contemporâneos que o cenário de desinformação e pós-verdade nos trouxe, em que direitos constitucionais como a liberdade de expressão são distorcidos para disseminar elogios a políticas de aniquilamento de minorias étnicas e raciais. As redes de ensino públicas e privadas devem investir em ações de letramento racial e educação midiática de suas equipes pedagógicas, sem confundir essas práticas com “doutrinação ideológica”.

Como apontou Pap Ndiaye, doutor em História e ministro da educação da França: “Não nascemos racistas, nos tornamos racistas.” Portanto, se é na escola que formamos pessoas para o exercício da cidadania e da democracia, não deve haver em seu ambiente espaço para o cultivo de valores higienistas e xenofóbicos. Educação e antirracismo são indissociáveis.

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Texto de Elisa Tobias e Mariana Mandelli, originalmente na Folha de São Paulo e reproduzido no Geledés.


11 de novembro de 2022

Enem: cinco temas de Redação que podem cair na prova

Caderno de provas do Enem 2021 — Foto: Ana Carolina Moreno/G1).

Para fazer uma boa redação do Enem, é preciso conhecer bem o modelo de correção do exame. A banca confere cinco competências diferentes, que precisam ser contempladas pelo estudante em seu texto.

O GLOBO convidou cinco professores, especialistas na prova, para criarem textos com temas possíveis para a prova deste ano.

Tema: Parcerias entre indústrias e universidades

Em 2015, a fim de garantir um futuro mais justo para o mundo, a comunidade internacional comprometeu-se com um pacto de 17 metas que deverão ser cumpridas até 2030. Nelas, os 157 países signatários definiram objetivos para a industrialização inclusiva e estabeleceram, como uma das principais ações, tornar sustentável o setor secundário. Entretanto, no Brasil, é possível apontar uma série de obstáculos à construção de infraestruturas industriais resilientes e, consequentemente, ao cumprimento integral do acordo. Torna-se fundamental, dessa forma, destacar que um dos principais entraves está na relação da indústria com a universidade.

Nessa perspectiva, os polos de pesquisa são essenciais para o desenvolvimento de possibilidades sustentáveis. A USP e a Universidade Presbiteriana Mackenzie são exemplos que têm apontado soluções para questões como a da promoção da eficiência energética ou da responsabilidade com o entorno, preocupações concatenadas a outros tratados, como o Acordo de Paris. Posto isso, à medida que há um plano de adoção de tecnologias socioambientais, faz-se necessário o setor ampliar o investimento na produção científica.

Ademais, quando a indústria absorve as inovações sustentáveis produzidas pelas universidades, por conseguinte, ocorre um impacto positivo na sua rentabilidade. Aliás, empresas que têm se preocupado com o nível de biodegradabilidade do produto fabricado e com processos industriais limpos agregaram um valor social maior à marca e estabeleceram diferenciais na venda. Dessa forma, falta à própria indústria nacional compreender que investir em ciência não contribui somente para atingir as metas de sustentabilidade impostas pelas agências externas e órgãos de controle e avaliação, mas também para a sua competitividade no mercado internacional.

Em síntese, a alocação de recursos em ciência e educação deve ser entendida como uma implementação do acordo global. Para alcançá-la, cabe ao setor secundário, em parceria com o Ministério da Educação, apoiar redes e laboratórios universitários que desenvolvem pesquisas relacionadas à industrialização inclusiva e sustentável, por meio de financiamentos de projetos, bolsas de estudo e patrocínios em eventos acadêmicos. Essas ações poderão colaborar na formação de jovens estudantes, criar situações de troca de conhecimentos entre indústria e universidade para formar uma visão crítica e responsável a respeito da problemática. Assim, a universidade poderá ser a mais importante parceira na melhoria das capacidades tecnológicas, sociais e ambientais de setores industriais brasileiros.

Por Luis Octavio Alves, professor de Produção de Textos e Storytelling do Colégio Presbiteriano Mackenzie São Paulo, em parceria com Cassia Dutra, professora de Produção de Textos e Análise Linguística do Colégio Presbiteriano Mackenzie São Paulo.

Comentário dos professores: Colocamos no texto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODSs), plano de ação assinado pelos países da ONU. Na maioria dos temas do Enem, esses objetivos podem ser usados, o que conta como repertório. No ano passado, o tema da invisibilidade era um objetivo detalhado por um ODS. Isso já aconteceu em anos anteriores. Outro ponto importante: é preciso estar atento aos conectivos, que não precisam ser arcaicos, mas bem usados.

Tema: Insegurança alimentar

No curta-metragem brasileiro “Ilha das Flores”, premiado com Urso de Prata no Festival de Berlim, observa-se, de forma bem pragmática, o drama da insegurança alimentar vivido por milhões pessoas no país. Entretanto, a gravidade da situação não tem servido de estímulo a mudanças significativas e céleres em relação a esse triste cenário. Tal fato ocorre em vista da falta de políticas públicas em alimentação e da desigualdade social no país.

Sob esse viés, é fundamental a percepção de que, no Brasil, em função de a produção do agronegócio ainda estar muito voltada às commodities – mercadorias destinadas prioritariamente aos grandes mercados consumidores para a fabricação de outros bens diversos –, a população fica bastante prejudicada em termos do acesso aos alimentos e tal situação promove impactos significativos, no que diz respeito ao agravamento do quadro da insegurança alimentar brasileira. Nesse sentido, o documentário “10 bilhões – O que tem para comer?”, lançado em 2015, identifica-se um desafio real e atual, o qual envolve a cadeia do agronegócio, traduzido pela dúvida acerca de como alimentar a população mundial em 2050. A essa discussão, associa-se também a incerteza da existência de alimentos para países como o Brasil. Dessa forma, é notória a necessidade do combate à fome no país.

Ademais, é crucial ressaltar que a insegurança alimentar tem como uma das causas a desigualdade no Brasil. Nesse contexto, na obra “Amar Elo”, protagonizada pelo rapper Emicida, sinaliza-se um país repleto de disparidades sociais, principalmente, em relação aos negros que, historicamente, foram excluídos e, em consequência, não tiveram acesso a diversos espaços na sociedade. Tal cenário gera um efeito dominó, uma vez que a injustiça social provoca o afastamento de oportunidades que poderiam garantir melhores condições de vida às pessoas e não a vulnerabilidade social vigente, que se traduz, hoje, em insegurança alimentar invariavelmente. Assim, percebe-se que a fome passa a antagonista dentro de uma narrativa construída ao longo da história, cujo desfecho dramático é bastante conhecido pelo povo brasileiro.

É evidente, portanto, que a insegurança alimentar é uma realidade lamentável no país. Para combatê-la, é mister que o Ministério da Agricultura, órgão responsável pela gestão de políticas públicas de estímulo à agropecuária, integre desenvolvimento sustentável e abastecimento de mercado, por meio de controle econômico e de reestruturação de investimentos, a fim de extinguir a fome. Além disso, é vital que o Estado subsidie pequenos produtores, principalmente, das áreas rurais, com o fito de fortalecer o setor produtivo nacional. Somado a isso, vale lembrar que a manutenção de programas como o Bolsa-família é essencial, em caráter assistencialista, com o objetivo de se reduzir, consideravelmente, a situação de miséria em que vivem muitos indivíduos. Dessa maneira, a abominável realidade retratada no documentário “Ilha das Flores” não mais chocará a sociedade, visto que passará à ficção.

Por Tatiana Nunes Camara, professora de língua portuguesa e produção textual do colégio Mopi

Comentário da professora: É fundamental que o candidato atente à frase-tema contida na proposta de redação e observe as palavras-chave nela contidas. Na sequência, é importante que ele retome tais termos na elaboração da sua tese. Além disso, o estudante deve observar a qualidade de seus repertórios e se eles dialogam, de forma produtiva, com os argumentos apresentados já na introdução do seu texto. Outro aspecto importante é a análise crítica que o candidato precisa realizar, com o intuito de costurar com coerência o argumento ao repertório, o que trará unicidade ao texto. Por fim, destaco a atenção especial à proposta de intervenção na conclusão da redação, no que tange ao cumprimento dos 5 elementos que a compõem: agente, ação interventiva, meio/modo, finalidade e detalhamento.

Tema: Endividamento

A série “Round 6” narra a história de pessoas que, desesperadas por dinheiro e altamente endividadas, submetem-se a um jogo mortal em busca de um prêmio milionário. Mesmo ficcional, a obra evidencia uma triste realidade presente na contemporaneidade brasileira: o endividamento. Nesse sentido, compreender os fatores que potencializam esse preocupante cenário de crescente descontrole financeiro torna-se urgente.

Diante disso, cabe analisar o consumismo presente no país. Inegavelmente, essa marca dialoga com o fato de sermos um povo altamente ligado às mídias e influenciado por elas. Decerto, quando o assunto em questão é o consumo, o que se observa é um imaginário popular levado a crer na íntima ligação entre o comprar e a felicidade. Essa construção se deve à máxima capitalista do lucro e ao favorecimento do sistema a partir desse estímulo ao gasto desnecessário. A consequência direta é um cenário de propagandas persuasivas e capazes de criar necessidades de consumo; a indireta, uma população endividada, que parcela no cartão suas frustrações e seus anseios.

Além disso, é fundamental destacar o aumento do desemprego e seu impacto na renda do trabalhador brasileiro. Inegavelmente, desde 2015, uma crise financeira, capaz de limitar o acesso a oportunidades no mercado de trabalho e de ampliar as disparidades socioeconômicas, já era observada. Acontece que a chegada da pandemia e a negligência governamental em torno de seu enfrentamento intensificaram o problema e potencializaram o cenário de reduzida empregabilidade. Como consequência, acessar direitos mais básicos, alimentação, por exemplo, tornou-se um privilégio, o que levou parcela significativa da população a parcelamentos e a dívidas no cartão de crédito. Prova disso é que, segundo a Confederação Nacional do Comércio, o endividamento mínimo das famílias brasileiras chegou a 76,6% em fevereiro de 2022.

Evidencia-se, portanto, uma realidade de crescente endividamento nos lares brasileiros. Para reverter esse cenário, cabe ao Ministério da Educação, em parceria com as secretarias e a grande mídia, o fomento da educação financeira nas escolas, nas redes sociais e na televisão aberta por meio da criação de cursos populares com economistas e matemáticos. Tais cursos contarão com práticas didáticas que simulem a realidade, entendendo as diferenças existentes nas diversas classes sociais, bem como com “lives” e diversas propagandas educativas nos intervalos do horário nobre, a fim de iniciar um processo de organização monetária que contemple a sociedade como um todo. Além disso, compete ao Congresso Nacional a ampliação de projetos de transferência de renda à população mais marginalizada. Desse modo, a partir de importantes ações, será possível construir uma realidade brasileira sem a necessidade de jogos mortais para lidar com o endividamento.

Por Roberta Panza, professora de Redação do Colégio pH

 

Comentário da professora: O texto apresenta dois bons repertórios socioculturais: um dado estatístico e uma série televisiva, esta já no início do texto; traz uma escrita dentro dos preceitos gramaticais, sem desvios e com complexa construção sintática; faz uso de um repertório diversificado de recursos coesivos e apresenta 3 operadores argumentativos entre parágrafos (diante disso, além disso e portanto). Além disso, constrói uma tese clara na introdução e dois bons argumentos com forte embasamento e justificativa argumentativa; configura autoria, ao escrever propostas de intervenção para os dois problemas apresentados e ao retomar no desfecho da conclusão a série que inicia o texto, construindo um texto circuito; e desenvolve uma proposta completa com agente, ação, meio, detalhamento e finalidade.

Tema: Envelhecimento da população brasileira

A Revolução Industrial, iniciada a partir do século XVIII, foi um marco na evolução da longevidade em todo o mundo devido aos avanços da Medicina e do surgimento de infraestruturas de saneamento básico de higiene. A partir desse contexto, observa-se, no Brasil, o aumento da expectativa de vida da população, o que traz inúmeros desafios para o País. Dessa maneira, é necessário analisar as consequências de tal quadro na vida do cidadão.

Sob esse viés, observa-se uma inversão da pirâmide etária brasileira, a qual faz com que a população economicamente ativa (PEA) diminua ao longo dos anos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a esperança de vida dos brasileiros era de 76,8 anos em 2020, o que leva a uma preocupação com os fundos previdenciários, uma vez que, sem o devido planejamento, há o risco real de muitos cidadãos não terem assegurado o direito de receber sua aposentadoria. Nesse sentido, é inadmissível que o Estado se omita diante dessa questão.

Ademais, é evidente o impacto da longevidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar dos avanços tecnológicos na Medicina, um população predominantemente idosa necessita, obrigatoriamente, de maior atenção à sua saúde. Essa necessidade é, inclusive, reafirmada no Estatuto do Idoso, o qual assegura tal direito de maneira gratuita e de qualidade a essa parcela social. Em função dessa demanda, os hospitais serão pressionados e, sem os investimentos necessários, haverá o comprometimento dos serviços hospitalares.

Portanto, é importante atentar para os desafios que o aumento da esperança de vida impõe à sociedade brasileira. Assim, cabe ao Ministério da Cidadania revisar as falhas no sistema previdenciário por meio de uma reunião com especialistas em Economia, para que os idosos tenham uma aposentadoria justa. Além disso, o Ministério da Saúde deve ampliar o acesso dos cidadãos aos serviços públicos de saúde. Tal ação deve ocorrer a partir do investimento em infraestrutura hospitalar, a fim de assegurar esse direito aos mais velhos. A partir dessas mudanças, a longevidade impulsionada pela Revolução Industrial não mais representará uma perspectiva problemática.

Pela Equipe de Redação do Colégio Qi

Comentário dos professores: É muito importante que o candidato observe o começo e o final do texto e perceba que recuperar o repertório utilizado (citação/ alusão) é uma boa estratégia para conquistar a banca em relação à competência 2. Na maioria dos problemas sociais, existe a participação tanto do poder público quanto da população, portanto usar o Estado e a sociedade como argumentos junto à tese representa uma boa alternativa para uma introdução mais prática de ser refletida no desenvolvimento. Utilizar expressões conectivas no início de cada parágrafo e entre as frases internas do texto é muito relevante para a competência 4, que avalia a qualidade e a quantidade das conexões empregadas.

Tema: Educação financeira

De acordo com o filósofo Kant, o homem é fruto da educação que recebe. Inegavelmente, tal máxima se confirma quando observamos o cenário brasileiro: por não terem acesso à educação financeira, os brasileiros sofrem com obstáculos para gerenciar e, consequentemente, ampliar a própria renda. Nesse cenário, tal problema ocorre por conta de questões políticas e culturais, que precisam ser combatidas.

Com efeito, é inegável que há um descaso governamental acerca da situação. Segundo Rousseau, as leis existem para encaminhar a justiça ao seu objetivo. Ocorre, porém, que a realidade nacional se afasta dessa premissa: mesmo que uma lei institua desde 2010 a educação financeira como conteúdo transversal a ser tratado nas escolas, são raras as instituições que orientam acerca do tema. Tal contexto se dá por conta da histórica precarização da educação pública e da evidente dinâmica conteudista que domina o sistema educacional do país. Por conseguinte, crianças e adolescentes desinformados acerca de como gerir as próprias finanças se tornam adultos inadimplentes no futuro.

Além disso, outro fator que interfere nesse contexto é o elitismo em torno da discussão. Apesar de ser inegável a recente democratização do acesso a informações sobre o tema, principalmente na internet – a partir de Youtubers como Nathalia Arcuri e Nath Finanças, por exemplo -, a compreensão acerca de produtos e conceitos financeiros ainda é restrita, de maneira geral, a certo grupo socioeconômico. Isso ocorre, muitas vezes, por conta da mentalidade de que esse tipo de educação deve ser destinado a quem tem altos rendimentos e de que estaria vinculado simplesmente à gestão de ações e outros investimentos. Assim, por desconhecerem noções básicas de economia, muitos indivíduos se encontram em condições de descontrole financeiro que podem prejudicar não só o presente, mas dificultar a velhice de muitos, visto que, nesse período, é necessária certa reserva para que se possa ter uma aposentadoria com qualidade de vida.

Torna-se evidente, portanto, que o problema é grave e deve ser combatido. Nesse sentido, é urgente que o governo aplique a lei que institui a educação financeira como conteúdo obrigatório em todas as escolas. Por sua vez, a mídia – já que é uma instituição com forte papel social – deve divulgar mais informações sobre o tema por meio de reportagens e notícias que abordem os benefícios de saber movimentar as próprias finanças. Essa medida tem o intuito de democratizar esse tipo de conteúdo e, com isso, diminuir a percepção de que apenas pessoas com muita renda precisam dessas orientações. Com a execução dessas propostas, é inquestionável que a premissa kantiana será percebida de forma mais positiva.

Por Marina Ferraz, professora do Colégio e Curso AZ, parceiro da Plataforma AZ

Comentário da professora: A redação apresenta a problemática a partir de uma máxima do filósofo Kant, na introdução, a qual configura repertório sociocultural legitimado, pertinente e produtivo. No desenvolvimento, argumenta acerca da falta de educação financeira no Brasil, relacionando a falta de atuação do governo e certa mentalidade da população como causas do problema. Nessa etapa, também são usados repertórios como a frase de Rousseau e referências a figuras públicas como Nath Finanças e Nathalia Arcuri. É importante frisar que basta uma referência legitimada, pertinente e produtiva para atingir a pontuação máxima no que diz respeito ao repertório. Na conclusão, o texto apresenta duas propostas: a primeira, curta; já a segunda, completa, pois apresenta todos os elementos exigidos pelo Enem. A proposta completa traz dois detalhamentos, do agente e do efeito, mas basta um para atingir a pontuação máxima nessa competência.

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Com informações do Geledés e do Extra.