Vamos
deixar a ilusão da democracia racial de lado e encarar nossa sociedade como ela
é: cheia de separações baseadas em gênero, classe social e raça. Pessoas
brancas convivem, em sua maioria, com pessoas brancas. O mesmo acontece com
pessoas negras. E tudo isso não se dá porque o mundo é assim mesmo, mas porque
certos lugares são reservados a certas pessoas. Você, pessoa branca de classe
média, estudou com quantos negros na sua época de escola particular? E na
universidade? Quantos amigos negros tem? E quantos amigos brancos? Basta
responder com sinceridade que das duas, uma: ou você é a exceção que confirma a
regra, ou é a regra.
Publicado
originalmente no Ondda
Eu,
mulher branca de classe média, estudei com pouquíssimas pessoas negras durante
toda a minha vida. Tive pouquíssimos amigos negros até chegar à idade adulta. E
ao olhar ao redor nos eventos da minha memória não consigo enxergar muitas
pessoas negras frequentando os mesmos lugares que eu. Quando elas estavam ali,
normalmente eram esteriotipadas por nós, os brancos.
O
racismo não é um problema de pessoas negras – apesar de pessoas negras poderem
reproduzir ideias do racismo, já que todos vivemos em uma sociedade que nos diz
que devemos nos parecer com o “vencedor” para conseguirmos vencer também -, mas
de pessoas brancas. Quem atravessa a rua somos nós. Quem não contrata somos
nós. Quem não se relaciona somos nós. Quem acha que vivemos em uma democracia
racial somos nós. Quem tem o poder na mão e, historicamente, sempre o teve
somos nós. Nós, os brancos.
A
gente não fala sobre isso, não toca no assunto e ainda compartilha imagem que
tira uma fala do Morgam Freeman de contexto só para fortalecer essa escolha
questionável. A verdade é que a gente precisa falar sobre racismo. A gente
precisa ouvir o que pessoas negras dizem sobre o que é ser negra e aí comparar
com as nossas vivências de pessoas brancas. Tudo o que existe de diferente
entre uma coisa e outra pode ser chamado de privilégio. E nossa tarefa é abrir
mão desse privilégio e encontrar maneiras que destruir as estruturas que fazem
que alguns privilégios aconteçam mesmo quando a gente luta contra eles.
Uma
questão importante é que pessoas brancas acreditam que ser branco é o padrão, o
normal, o certo, enquanto qualquer pessoa “não-branca” seria a exceção. E isso
não faz o mínimo sentido. Branco é raça. Mas por que quem detém o poder iria se
questionar? Porque no fundo, se olharmos para a farsa da democracia racial,
temos provas suficientes para entender que sabemos que manter esse poder apenas
na mão de pessoas brancas é errado e que isso precisa mudar – caso contrário
não criaríamos essa farsa.
67% das pessoas brancas que usam
redes sociais não falam sobre raça
Esse
é o resultado de uma pesquisa do Pew Research Center com americanos. Enquanto
72% das pessoas negras tendem a ler, participar de discussões e compartilhar
conteúdos sobre raça nas redes sociais, 67% das pessoas brancas dizem que não
se envolvem nesse tipo de discussão.
Se
vivemos em grupos separados, não nos convivemos interracialmente e carregamos
preconceitos que estão nas bases de todas as relações, como pessoas brancas
serão atingidas por esses questionamentos se outras pessoas brancas não forem a
porta de entrada para o tema? Se as pessoas brancas, até mesmo
inconscientemente, não dão ouvido ao que as pessoas negras dizem?
Cada
pessoa branca que luta contra o racismo pode atingir diversas outras pessoas
brancas. E apenas quando somos atingidos por um assunto tão incômodo é que
conseguimos olhar para as nossas atitudes, que muitas vezes nem diagnosticamos
como racistas. Ouvir as pessoas negras é o ideal, mas enquanto não chegamos a
esse momento, cada pessoa pode fazer sua parte para amplificar a voz do
movimento negro.
Lembre-se: não é sobre você
Uma
coisa importante a ser lembrada é que apesar de pessoas brancas serem
importantes na transformação social e no fim do racismo, essa conversa não é
sobre nós. Não importa como eu, branca, me sinto em relação ao racismo, mas o
que pessoas negras, que o sofrem, se sentem.
O
papel das pessoas brancas é olhar para si como mais uma raça, é ser um megafone
e ceder o espaço que nos é entregue de mãos beijadas a quem é realmente o foco
daquilo. Não adianta nada eu falar sobre como uma mulher negra se sente, por
exemplo, então eu posso convidar uma mulher negra para ocupar esse espaço. Se
nenhuma mulher negra puder, o que é praticamente impossível, eu posso
disseminar o discurso dela.
O
mais importante é não querer holofotes e palmas. Sabe aquela coisa que sua mãe
dizia quando você tirava boas notas na escola? Pois é, você não está fazendo
nada além da sua obrigação.
Agora
é hora de agir. O que você fez contra o racismo hoje?
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Crédito: Visualhunt. |