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(FOTO /Reprodução/ Brasil de Fato). |
“Urge enfrentar o tempo como ele nos procura.”
Shakespeare,
Cimbelino
Muitas
pessoas ficaram estarrecidas com a fala do “influencer” Monark, apresentador do
Flow Podcast, no último dia 8, ao afirmar que: “Deveria existir um partido
Nazista legalizado no Brasil”, que “as pessoas têm o direito de ser idiotas” e,
ainda, “se o cara for anti-judeu ele tem o direito de ser anti-judeu”. As falas
resultaram na perda de patrocinadores e, finalmente, em seu próprio
desligamento. Em sua defesa, o apresentador alegou que “estava bêbado”.
Se
você está entre aqueles que não se escandalizaram com a afirmação de Monark e
não entende o motivo de tanta repercussão, esse texto é para você. Vamos
explicar, em cinco tópicos, porque afirmações desta natureza são criminosas e
não podem ser toleradas.
1) Não é liberdade de expressão
Inicialmente,
é conveniente lembrar que o regime nazista, instaurado a partir da ascensão ao
poder do Partido Nacional Socialista alemão, na década de 30, conduziu a
Alemanha a uma guerra que resultou em “mais de 6 milhões e meio de alemães
mortos, (...) a divisão e a repartição do país, o fim de sua existência como
Estado”. Todavia, o que caracteriza o nacional-socialismo alemão é o fato de se
tratar, inicialmente de um movimento e, posteriormente, um regime político
assumidamente racista, xenófobo, misógino e homofóbico. Ou seja, o nazismo
elevou a ideologia da supremacia racial, já presente nas guerras coloniais do
século XIX, ao “status” de verdadeiro “paradigma” para todos os ramos do
conhecimento: a ciência, a educação, a política, a organização administrativa e
militar do Estado Alemão e o próprio direito alemão da época, todos se fundaram
no “mito da raça ária, adotado como central na concepção nazista do mundo”.
A
execução de leis destinadas esterilizar e, depois, simplesmente eliminar
pessoas com deficiência; proibir o casamento entre judeus e não judeus,
desapossá-los de seus bens, de suas casas, de suas profissões, de suas
nacionalidades, encerrá-los em guetos e posteriormente, exterminar mais de 6
milhões de pessoas, entre judeus - a população mais atingida -, poloneses,
ciganos, negros, homossexuais e adversários políticos nos campos de
concentração são parte do legado macabro que o nazismo deixou para a história.
Esse
brevíssimo e, ainda assim, atroz retrospecto tem a finalidade de demonstrar que
o regime nazista é intrinsecamente criminoso, pois se assenta na ideia de
desumanização e extermínio de grupos populacionais inteiros. Não se trata da
defesa de um movimento, regime político ou de um partido político como qualquer
outro, mas da defesa de crimes em massa, praticados em escala industrial, numa
organização fria e calculada de “massacres administrativos”, como qualificou a
filósofa Hannah Arendt.
Não
há uma “parte boa” no nazismo.
A
defesa de um partido nazista incorpora, necessariamente, o endosso a práticas
resultantes de decisões políticas voluntárias e conscientes de implementação de
programa radicado nos paradigmas da inexistente divisão da humanidade em raças
e da supremacia de uma suposta raça, em detrimento das demais.
Ora,
se os direitos fundamentais consistem em projeções do princípio fundante da
dignidade humana, não é possível conceber exercício do direito fundamental à
liberdade de expressão que inclua, em seu âmbito normativo, a defesa do
extermínio de seres humanos em razão de critérios de identidade ou opções
fundamentais. Não há direito fundamental à defesa da aniquilação da dignidade
humana ou do extermínio de fração da humanidade.
2) Não se trata do mero “direito de ser
idiota”
Uma
das frases utilizadas por Monark em sua defesa foi a existência de um suposto
“direito de ser idiota”.
Sem
deixar de registrar que a expressão “idiota” já traz em si uma carga
pejorativa, preconceituosa e discriminatória, não é preciso grande esforço para
entender que qualquer direito, seja ele qual for, tem como limite a esfera
jurídica de terceiros.
Se o
alegado “direito de ser idiota” resultar em dano unicamente a si próprio, não
há nada a responder, do ponto de vista criminal. Quebrar ovos sobre si mesmo,
jogar tortas na própria face, dizer coisas tolas e sem sentido, sem
consequências que desbordem sua própria esfera de disponibilidade de direitos
são condutas que, a princípio, são indiferentes para o direito penal.
Entretanto,
se o suposto “direito de ser idiota” atingir direitos de outras pessoas, não se
está diante de um direito, mas sim de uma conduta ilícita e que, a depender de
sua gravidade, pode ser considerada crime.
A
defesa pública do nazismo, nesse sentido, atinge de maneira frontal o direito
de outras pessoas, não apenas daquelas comunidades diretamente atingidas pelos
horrores do Holocausto, mas de toda a sociedade que se assenta no primado da
dignidade humana.
3) Não se trata de mera opinião pela “descriminalização
de uma conduta”
Há
quem defenda, ainda, que as afirmações de Monark consistiram em mera defesa da
descriminalização de condutas, de forma similar ao discurso de descriminalização
das drogas, por exemplo.
O
argumento é claramente inaceitável.
Ora,
apenas um conhecimento rudimentar da história contemporânea já permite
identificar que a fala do apresentador consistiu na defesa da “legalização” de
um partido com plataforma reconhecidamente genocida. Não há nenhuma base de
comparação entre as duas situações. A criminalização do uso de drogas envolve
outra ordem de argumentação, notadamente, o direito à autonomia e à
autodeterminação, entre outros.
Já a
defesa da “legalização” de um partido nazista parte da ideia de que o genocídio
é uma prática tolerável e que poderia, dentro de um quadro institucional
democrático, ter alguma aceitação, o que é, evidentemente, um grande absurdo.
4) Não é brincadeira
Qualquer
pessoa com o mínimo conhecimento histórico tem condições de discernir que o
legado de horror do nazismo não pode ser defendido sob hipótese alguma, nem por
brincadeira. Não se trata de intolerância ou de uma postura de rigidez
“politicamente correta”, mas sim de não permitir que determinadas ideias
desumanizadoras e que naturalizam extermínios circulem em nossa sociedade, mesmo
sob a dissimulada forma de humor.
Ademais,
como bem afirmou Adilson Moreira em sua obra “Racismo Recreativo”, o suposto
“dolo de brincar” é um recurso largamente utilizado para que os responsáveis
por delitos de racismo sejam isentos de qualquer consequência no campo penal. A
ampla aceitação desta tese defensiva pelos tribunais brasileiros é mais um
sintoma do racismo estrutural e institucional que constituem o sistema de
justiça.
5) Partidos políticos devem defender, e
não destruir, direitos fundamentais
A
ordem constitucional brasileira somente admite partidos políticos que se
comprometam a resguardar os direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17 da
Constituição Federal). A Lei nº 9.096/95 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos
– prevê que os partidos políticos se destinam a defender os direitos
fundamentais (art. 1º).
Essas
normas jurídicas inviabilizam por completo, no direito brasileiro, a
possibilidade de “legalizar” um partido cuja ideia central é a defesa da
supremacia racial e a prática do genocídio.
Ademais,
a partir da ideia de que os partidos políticos integram o quadro institucional
das democracias, é no mínimo paradoxal que, após a experiência da 2ª Guerra
Mundial ainda se conceba a possibilidade de defesa de partidos nazistas ou fascistas,
já que a própria ideia de institucionalidade, no período pós-1945, se assenta
no valor da dignidade humana. Ou seja, existência e o funcionamento das
instituições, dentre as quais os partidos políticos, somente se justificam no
interesse de defender e concretizar a dignidade das pessoas, sem
discriminações.
Todas
essas 5 razões podem parecer óbvias.
Mas,
se o melhor argumento em debate é o suposto “direito de ser idiota”, o óbvio
precisa ser dito.
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Com informações do Brasil de Fato.