(FOTO | Patrícia de Melo Moreira |AFP). |
(FOTO | Patrícia de Melo Moreira |AFP). |
Mão de uma idosa de 84 anos em abrigo, no Rio; ela foi resgatada de condições análogas à escravidão após 72 anos em maio deste ano - Reprodução Globonews - 14.mai.22. |
Uma
denúncia é a porta de entrada para revelar casos de trabalho análogo à
escravidão ligados a serviços domésticos, que ocorrem dentro de residências e
envolvem vítimas em situação de vulnerabilidade social, com baixa escolaridade
e pouco acesso aos canais de investigação.
Segundo
o auditor Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação
do Trabalho Escravo, é difícil identificar as situações que envolvem atividade
doméstica se não for por meio de um relato. “Geralmente a denúncia não é feita
pela vítima, é alguém que está fora e observa, então chegar essa informação é
extremamente importante.”
“Às
vezes, [a vítima] não tem acesso a pessoas ou a lugares nos quais a denúncia
pode ser feita. Às vezes, não tem nem sequer consciência do grau de exploração
a que é submetida, porque o trabalho escravo afeta principalmente pessoas em
grande situação de vulnerabilidade social, afirma Medina.
O
tema ganhou mais debate e espaço, nas últimas semanas, com o podcast A Mulher
da Casa Abandonada, produzido pela Folha. Ele retrata a história de uma
brasileira que manteve uma empregada doméstica em condições análogas à escravidão
durante 20 anos nos EUA.
O
trabalho análogo à escravidão pode estar presente em qualquer setor, no meio
urbano ou rural. Segundo Italvar Medina, procurador do MPT (Ministério Público
do Trabalho), a maior parte dos resgates de 2021 foi feita de lavouras de café,
no meio rural, e dos setores de construção civil e trabalho doméstico, no meio
urbano.
As
condições que caracterizam o trabalho análogo à escravidão estão previstas no
artigo 149 do Código Penal. Trabalho em condições degradantes, trabalho
forçado, jornada exaustiva e situações que configuram escravidão por dívidas
são recorrentes.
Não
é necessário que todos os aspectos estejam presentes; qualquer uma destas
situações já pode configurar trabalho análogo à escravidão e, em caso de
suspeita, a denúncia pode ser feita por meio de Sistema Ipê.
VEJA COMO IDENTIFICAR UM CASO DE
TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO
CONDIÇÕES DEGRADANTES
Há
negação dos direitos básicos para a dignidade do trabalhador. “Ele não tem garantida uma alimentação digna,
muitas vezes não tem acesso a água potável, a um alojamento com a mínima
qualidade e conforto, acesso a medidas de saúde e segurança do trabalho, não há
respeito ao repouso, não há às vezes até mesmo pagamento de remuneração”,
explica Medina.
Há
situações em que trabalhadores do meio rural são resgatados em barracos de
lona, obrigados a buscar a própria comida e a beber água de riachos e açudes.
TRABALHO FORÇADO
Ameaças,
agressões físicas, restrição de uso de meios de transporte e retenção de
documentos, como passaportes de trabalhadores imigrantes, são medidas usadas
para impedir ou dificultar a saída da vítima do local de trabalho.
JORNADA EXAUSTIVA
A
jornada exaustiva tem longa duração e é tão intensa que pode levar ao total
esgotamento das energias e ao adoecimento.
ESCRAVIDÃO POR DÍVIDAS
O
empregador leva o trabalhador a constituir dívidas de forma fraudulenta. O
funcionário nunca consegue quitar a falsa dívida que teria contraído.
“Então o empregador, por exemplo, cobra os
próprios instrumentos de proteção, cobra os mantimentos para o trabalhador por
preços superfaturados, cobra o meio de transporte para o trabalhador ir à
fazenda, e com isso praticamente todo o dinheiro que o trabalhador ganha reverte
de volta ao empregador.”
QUANDO E COMO FAZER UMA DENÚNCIA?
Caso
desconfie de que alguém está sendo submetido a trabalho análogo à escravidão,
denuncie a situação no formulário do Sistema Ipê: www.ipe.sit.trabalho.gov.br
ou presencialmente, nas unidades do Ministério Público do Trabalho ou em
Superintendências Regionais do Trabalho, por telefone das unidades ou por meio
do Disque 100.
“A pessoa não precisa nem usar a palavra
‘trabalho escravo’ se ela não quiser, ela precisa descrever os fatos”, diz
Medina.
É
possível fazer a denúncia de forma anônima, mas Krepsky ressalta a importância
de deixar ao menos um telefone de contato: “Muitas
pessoas têm medo de denunciar e se identificar, mas precisamos entrar em
contato com o informante em algum momento, até para garantir a eficiência da
ação fiscal, às vezes ter algum detalhe que a pessoa não citou e a gente
precisaria saber.”
Os
dados do denunciante são sigilosos e não são divulgados, assim como a própria
existência da denúncia e seu conteúdo.
“Por obrigação legal, a gente não pode nem
mesmo dizer se a ação fiscal é objeto de denúncia, quanto mais revelar a fonte”,
explica o auditor Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para
Erradicação do Trabalho Escravo.
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Por Natalie Vanz Bettoni, da Folha de S.Paulo e reproduzido no Geledés.
Imagem retirada do site Piaui. |
A
escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do
Brasil.” A frase é certamente a mais conhecida de Minha Formação, autobiografia
que Joaquim Nabuco publicou em 1900, doze anos depois de o moribundo governo
imperial promulgar a Lei Áurea. Para o diplomata, historiador e abolicionista
recifense, a servidão imposta às populações negras originárias da África
insuflou no país “sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas
sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua
felicidade sem dia seguinte”. Em 2000, Caetano Veloso transformou a célebre
frase e outros trechos do livro na letra da canção Noites do Norte, que integra
o disco de mesmo nome. Lenta e soturna, a música evidenciava que o terrível
presságio de Nabuco continuava em vigor às portas do século XXI. Agora, uma
iniciativa liderada pelo jornalista mineiro Tiago Rogero pretende demonstrar,
mais uma vez, que a sombra do período escravista ainda paira sobre boa parte das
mazelas brasileiras.
Desenvolvido
ao longo dos últimos dois anos e sete meses, o projeto Querino lança seus três
primeiros frutos no dia 6 de agosto: um podcast de oito episódios, um site e
uma reportagem na piauí. “A ideia é aproveitar o bicentenário da Independência
para rever a história do país sob uma ótica afrocentrada”, explica Rogero.
“Queremos mostrar que o Brasil não apenas nasceu da escravidão como continua
orbitando em torno da lógica que a sustentou. Praticamente toda a riqueza
material e imaterial do país deve muito à exploração da força, do conhecimento
e da sensibilidade de indígenas e negros.” O projeto também almeja “botar o
dedo na ferida das elites”. “Vamos apontar quem se beneficiou da máquina
escravocrata e cobrar responsabilidades”, diz o jornalista.
Ele
se inspirou numa ação do New York Times para criar o Querino. Em agosto de
2019, o jornal iniciou o 1619 Project, um trabalho de fôlego que refletia sobre
a persistência do racismo entre os norte-americanos. Na ocasião, a chegada dos primeiros
escravizados à colônia inglesa da Virgínia – uma das treze que iriam compor o
futuro Estados Unidos – estava completando quatro séculos.
Poucos meses depois que o 1619 surgiu, Rogero procurou o Instituto Ibirapitanga com a intenção de fazer algo semelhante por aqui. A organização sem fins lucrativos, que busca promover a equidade racial no Brasil, gostou da proposta e topou financiá-la. Em seguida, o jornalista levou a sugestão para a Rádio Novelo, produtora de podcasts que também lhe deu sinal verde. Por fim, a piauí* aderiu à ideia. O nome do projeto homenageia o baiano Manuel Querino (1851-1923), intelectual e abolicionista que realizou estudos pioneiros sobre o papel dos africanos e de seus descendentes no desenvolvimento do país. A equipe responsável pela empreitada conta, até agora, com 42 profissionais. Desses, 28 são negros, incluindo Rogero.
Os
episódios do podcast que o Querino lançará irão durar entre 50 e 59 minutos.
Cada um vai se debruçar sobre um assunto: a Independência, a produção de
riqueza, a música, a educação, o trabalho, a religiosidade, a saúde e a
política. Rogero apresentará todos os capítulos. Ele próprio escreveu os
roteiros, com a ajuda de Flora Thomson-DeVeaux, Paula Scarpin e Mariana Jaspe.
Baseou-se em 54 entrevistas e numa ampla pesquisa, que se estendeu por um ano e
ficou sob a responsabilidade de Gilberto Porcidonio, Rafael Domingos Oliveira,
Angélica Paulo e Yasmin Santos. A professora Ynaê Lopes dos Santos atuou como
consultora historiográfica do projeto.
Até
o fim de 2022, a piauí deverá publicar pelo menos quatro reportagens com o selo
do Querino. A primeira irá retratar filhos de empregadas domésticas negras que
cresceram dentro dos minúsculos quartos onde as mães viviam nas casas dos
patrões. Os autores são o repórter Tiago Coelho e o fotógrafo Taba Benedicto.
O
site do projeto, assinado pela designer Maria Rita Casagrande, vai trazer os
links das matérias. Também reunirá os oito episódios do podcast, com conteúdos
extras e as referências bibliográficas que nortearam os roteiros.
“Se tudo sair como planejado, o Querino terá outros desdobramentos: um braço educacional, rodas de conversa, livros, exposições e talvez um documentário”, afirma Rogero. Antes de se dedicar ao projeto, ele concebeu e apresentou dois podcasts com viés histórico-racial. Em 2019, esteve à frente do Negra Voz, produzido pelo jornal O Globo. Um ano depois, fez Vidas Negras, uma parceria do Spotify com a Novelo.
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Com informações do Geledés.
Rua com nome de senhor de engenho, em Olinda - Rua Bernardo Vieira de Melo - Divulgação/Google Street View. |
Na
última quinta-feira, 17, foi divulgada a informação de que vereadores de
Olinda, município de Pernambuco, aprovaram a primeira lei do Brasil que proíbe
homenagens a escravocratas e pessoas relacionadas à ditadura militar no Brasil
(1964 -1985).
Com
a instauração da norma aprovada de forma unânime na Câmara Municipal, a
alteração de nomes de ruas ou de locais públicos que atualmente homenageiam
tais personalidades do passado está permitida.
A
lei nº 6.193/2021 é de autoria do vereador Vinicius Castello (PT), segundo o
político é necessário fazer uma análise de quem está sendo homenageado nas vias
públicas da região. As informações são do portal de notícias g1.
O projeto vem para evidenciar que não mais cabe fazer homenagens dentro de uma democracia a figuras que representem vergonha, genocídio e morte, afirmou Castello.
Segundo
revelado na reportagem, o vereador realizou um levantamento que apontou que
pelo menos 13 escolas, ruas, avenidas, bustos e estátuas podem ter os nomes
alterados, já que não seguem os critérios da nova regra.
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Com informações do Aventuras na História.
Cena urbana no Rio de Janeiro escravocrata do século 19, pintada por Jean-Baptiste Debret | Foto: Acervo Espaço Olavo Setubal/Itaú Cultural. |
Fiscalização do Ministério do Trabalho resgata trabalhadores em situação análoga à de escravo no Pará. (FOTO/Leonardo Sakamoto). |
Como nos lembra Clóvis Moura, dificilmente houve algum movimento pró-independência do país sem a participação dos negros.
Ignoram que o trabalho escravo não era e não é um fenômeno da natureza e veem sempre a “casa grande” e “senzala” numa dialética radical da branquitude
É preciso, antes de tudo, dar voz a quem fala há muito tempo para os surdos epistêmicos, estes sendo aqueles que veem o racismo e o ignoram, tornando-se cúmplices dele.
(Foto: Arquivo Revolta da Chibata). |
Pintura do francês Jean-Baptiste Debred de 1826 retrava escravos no Brasil. Reprodução/ BBC Brasil. |
Segundo Araújo, livros didáticos portugueses continuam a apregoar visão "romântica" sobre colonialismo português. Foro: Jean-Baptista Debret/ Reprodução/ BBC Brasil. |
Livro didático português diz que escravos africanos "movimentaram-se para outros continentes." Marta Araújo/ Reprodução BBC Brasil. |