Manual gratuito orienta escolas para práticas antirracistas

 

(FOTO | Reprodução | Porvir).

Existe muita coisa que não te disseram na escola/Cota não é esmola”, diz um trecho da canção de Bia Ferreira que tomou as caixas de som do Centro Cultural São Paulo nesta quinta-feira (25). Outras músicas, de Elza Soares a Gilberto Gil, com suas letras de resistência, também recepcionaram os convidados para o evento de lançamento do “Manual para escolas antirracistas”. Produzido pela comissão de professoras e professores de referência em relações raciais da Camino School, escola particular e trilíngue em São Paulo, o livro de 97 páginas, disponível gratuitamente para download, compartilha orientações pedagógicas para a construção de uma educação contra o racismo.

Hoje, muito mais do que falar, é essencial promover o antirracismo em todas as esferas, especialmente na esfera educacional. Queremos abrir o diálogo para a educação antirracista e somos ambiciosos: pretendemos levar o debate para o Brasil inteiro”, afirma Leticia Lyle, cofundadora da Camino Education, da plataforma digital de aprendizagem Cloe e diretora da Camino School, escola que conta com um programa de bolsas de estudos para estudantes negros, pardos e indígenas de baixa renda. “O material foi feito com pais, com leitores críticos, para que possamos fazer uma educação que tenha todas as vozes, a fim de gerar e promover consciência de toda a comunidade.”

No glossário, são apresentados conceitos para o letramento racial. O capítulo “Antirracismo na prática escolar” sugere ações voltadas a gestores, docentes, famílias e estudantes. Uma lista com sugestões de livros e um mapa sobre ações antirracistas no Brasil e no mundo também compõem a publicação. “O manual não se encerra em si. Temos um trabalho de casa para fazer, de formação continuada, de trazer pessoas para dialogar constantemente. Um trabalho árduo: sabemos que não vamos acabar com o racismo de uma hora para outra. Mas esperamos que possamos melhorar nossas práticas internas e servir de espelho para que outras escolas pensem em ações antirracistas dentro de seus ambientes”, acredita o professor Leonardo Bento, coordenador do projeto. “Precisamos todos entender que a sociedade é racista e o racismo dá as caras a todo momento”, reforça.

Protagonismo negro

A roda de conversa contou com representantes da Camino: as integrantes do comitê de diversidade racial da escola, Fernanda Cimino (servidora do Tribunal Regional do Trabalho e especialista em direitos humanos) e Adriana Arcebispo (assistente social e digital influencer da página @familiaquilombo), além do professor Rodrigo Bueno.

O manual é capaz de garantir para as pessoas brancas o nível básico de letramento racial, capacidade de transformá-lo em práticas e ações antirracistas, promovendo direitos humanos. Nessa construção coletiva, o papel das pessoas responsáveis por crianças e adolescentes é fundamental”, opina Fernanda. “Pensando no contexto de uma escola particular, majoritariamente branca, uma andorinha só não faz verão. Quanto mais atuação, mais chance de as ações serem efetivas. As pessoas brancas devem tomar frente da luta por uma educação antirracista, respeitando o protagonismo negro”, complementa.

Para o professor Rodrigo, o manual é algo muito necessário, tanto externa quanto internamente. “A questão do lugar de fala apareceu em uma aula minha, no nono ano. Os alunos fizeram uma batalha de SLAM, movimento bastante comum da periferia paulistana, e, no começo do debate, os estudantes brancos disseram que não tinham lugar de fala. Discutimos isso o tempo todo. Achamos a resposta em um discurso da [filósofa e feminista] Djamila Ribeiro: o lugar de fala do branco é o lugar de fala da raça branca, raça minoritária no nosso país que posa de majoritária, mas não é. Isso precisa ser exposto na escola”, comenta. “Fizemos um evento muito legal, que parou a escola toda, com poemas impactantes e conversas sobre política e feminismo”, diz. Nenhuma criança nasce racista, mas a sociedade a transforma, afirma o educador.

Precisamos ver qual é o alimento do racismo e cortá-lo. Um é a ignorância, e falo isso como historiador branco que aprendeu nas universidades. Eu não conhecia nada da história brasileira até fazer uma especialização em relações raciais”, diz Rodrigo. “O Brasil misturou duas coisas cruéis: a sociedade escravista e a sociedade de consumo. Esse racismo vai empurrando o tema para longe dos brancos. E espero que os brancos se incomodem com a minha fala”, complementa o educador, que finalizou a participação com uma frase do ativista afro-americano Malcolm X (1925-1965): “Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor”. O professor aponta que a branquitude está do lado do opressor e isso precisa ser desconstruído.

Práticas antirracistas

Mãe dos alunos Akins (10) e Dandara (6), matriculados na Camino School desde 2018, Adriana usa as redes sociais para falar sobre sua experiência de existência e resistência. Na escola, apoia a promoção de encontros e rodas de conversas entre as famílias. “Ganhamos com a Camino por estarmos nesse espaço, mas a escola também ganha com a nossa presença nesse movimento antirracista. Uma escola diversa ganha com essa valorização”, pontua.

Akins sofreu racismo na escola e Adriana não hesitou em conversar com a direção da Camino para, juntos, pensarem como resolver a situação. Para ela, é fundamental que a escola seja diversa em todas suas esferas, inclusive na coordenação. “Quando chego em um espaço todo tocado por pessoas brancas, esse espaço é opressor para pessoas pretas. Precisamos garantir que dentro da escola as estratégias sejam colocadas em prática, que as crianças e as famílias sejam ouvidas e acolhidas. É preciso contratar pessoas pretas e ter compromisso com isso, para construir o antirracismo.”

Entre as sugestões levantadas pela digital influencer, uma é urgente: implementar e fiscalizar o cumprimento das leis 10.639, que institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, e 11.645, com a cultura e história indígena em todo o sistema educacional. “Com esse manual, a Camino School fecha um compromisso público com a questão antirracista e suas concretudes”, diz. 

Para Caio Garcez, vice-diretor da Camino School, a proposta é fazer o “Manual para escolas antirracistas” ganhar vida Brasil afora. “Esse é o primeiro, segundo, terceiro passo de uma maratona. Precisamos ganhar fôlego para correr atrás desse movimento. É uma iniciativa que deve ser espalhada”.

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Com informações do Porvir.

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