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A vida e a luta de Angela Davis, desde os anos 1960 até o discurso na Marcha das Mulheres nos EUA / Foto: Divulgação - Reprodução - Hypeness. |
Negra,
mulher, ativista, marxista, feminista e, acima de tudo, lutadora, a educadora e
professora americana Angela Davis certamente pertence ao segundo time – e não
exatamente por escolha: mulheres negras que quiseram um mundo mais justo,
especialmente no início dos anos 1960, não tinham outra possibilidade que não o
árduo caminho da luta.
Quando mais de 5 mil pessoas, mulheres em sua maioria, marcharam nesse dia pelas ruas de Birmingham, no estado do Alabama, nos EUA – como parte das quase 3 milhões de pessoas que formaram a mais populosa manifestação política da história dos EUA – em parte elas também, mesmo sem saber, iluminavam a história de Angela Davis.
Quando ela nasceu, uma das mais populares organizações civis da época era a Ku Klux Klan, simbolizada pelo hábito de perseguir, linchar e enforcar qualquer negro que lhe cruzasse o caminho. Assim, quando fala sobre as forças racistas, os extremistas conservadores e as consequências do racismo, machismo e da desigualdade social, Angela Davis sabe o que diz.
Em 1963, uma igreja foi explodida em um bairro negro de Birmingham, e as 4 jovens mortas no atentado eram amigas de Angela. Tal acontecimento funcionou como o estopim necessário para que Angela tivesse certeza que não poderia ser outra coisa que não uma ativista na luta por direitos iguais – pelas mulheres, as mulheres negras, as mulheres negras e pobres.
Angela Davis, portanto, segue simplesmente lutando, com as armas e crenças que possui, desde os anos 1960, por um mundo melhor e mais justo. A boa notícia é que, mais uma vez, ela não está sozinha.
Figura
símbolo da causa negra na década de 1960 nos EUA, Angela voltou recentemente ao
centro das atenções da mídia americana após seu contundente discurso na Marcha
das Mulheres, em Washington, D.C., nos EUA – no dia seguinte à posse de Donald
Trump. Sua história de resistência e luta, no entanto, é em muito a história da
mulher negra americana do século XX – e volta muitos anos atrás.
“Nós
representamos as poderosas forças de mudança que estão determinadas a impedir
que as moribundas culturas do racismo e do patriarcado heterossexual se ergam
novamente”, ela disse, em seu recente e histórico discurso.
Quando mais de 5 mil pessoas, mulheres em sua maioria, marcharam nesse dia pelas ruas de Birmingham, no estado do Alabama, nos EUA – como parte das quase 3 milhões de pessoas que formaram a mais populosa manifestação política da história dos EUA – em parte elas também, mesmo sem saber, iluminavam a história de Angela Davis.
Nascida
em Birmingham quando esta ainda era uma cidade segregada, Angela cresceu em um
bairro marcado pela monstruosa tradição de se explodir casas de famílias e
igrejas nos bairros negros –
preferencialmente com as famílias ainda dentro dos locais.
Quando ela nasceu, uma das mais populares organizações civis da época era a Ku Klux Klan, simbolizada pelo hábito de perseguir, linchar e enforcar qualquer negro que lhe cruzasse o caminho. Assim, quando fala sobre as forças racistas, os extremistas conservadores e as consequências do racismo, machismo e da desigualdade social, Angela Davis sabe o que diz.
Ainda
adolescente ela organizou grupos de estudo inter-raciais, que acabaram
perseguidos e proibidos pela polícia. Quando migrou para o norte dos EUA,
Angela foi estudar filosofia na universidade de Brandeis, no estado de
Massachussetts, onde calhou de ter como professor ninguém menos que Herbert
Marcuse, o pai da “nova esquerda” americana, que advogava justamente em favor
dos direitos civis, do movimento gay e da desigualdade de gêneros, entre outras
causas.
Em 1963, uma igreja foi explodida em um bairro negro de Birmingham, e as 4 jovens mortas no atentado eram amigas de Angela. Tal acontecimento funcionou como o estopim necessário para que Angela tivesse certeza que não poderia ser outra coisa que não uma ativista na luta por direitos iguais – pelas mulheres, as mulheres negras, as mulheres negras e pobres.
“A
luta por liberdade do povo negro, que moldou a própria natureza da história
desse país, não pode ser apagada com um gesto. Nós não podemos ser forçados a
esquecer que a vida negra importa. Esse é um país ancorado na escravidão e no
colonialismo, o que quer dizer, para o bem e para o mal, que a história dos EUA
é uma história de imigração e escravidão. Espalhar xenofobia, atirar acusações
de assassinatos e estupros e construir muros não vai apagar a história”.
Angela
Davis era tudo que o status quo masculino e branco não tolerava: uma mulher
negra, inteligente, altiva, senhora de si, orgulhosa de suas origens e de seu
lugar, desafiando o sistema que oprimia e violentava seus pares sem jamais
baixar a cabeça ou o volume de sua voz.
E
pagou por isso: em 1969, foi demitida do cargo de professora de filosofia da
Universidade da California por sua associação com o partido comunista americano
e com os Panteras Negras, ainda que fizesse parte de uma frente pela
resistência não-violenta (e apesar da suposta liberdade de expressão de que os
EUA tanto se orgulham). Nos primeiros anos da década de 1970, Angela viria a
ser perseguida, colocada na lista dos 10 criminosos mais perigosos do país,
condenada e presa sem provas e com altas doses de espetacularização.
Sua
militância ganhou foco definido também na luta por reformas no sistema
prisional e contra aprisionamentos injustos – e foi essa luta que a levaria
justamente para dentro da prisão. Angela estudava o caso de três jovens negros,
acusados de matarem um policial. Durante o julgamento, um dos três jovens,
armado, tomou o tribunal e o juiz como reféns. O evento terminaria em confronto
direto, com a morte dos três réus e do juiz. Angela foi acusada de ter comprado
as armas utilizadas no crime, o que, pela lei da California, a ligava
diretamente aos assassinatos. Angela Davis foi tratada como uma terrorista de
alta periculosidade, e condenada e confinada em 1971.
A
reação à sua prisão foi intensa, e centenas de comitês pela libertação de
Angela Davis criaram um verdadeiro movimento cultural por todo o país.
Para
se medir o impacto da prisão e a força do movimento, basta saber que as canções
“Angela”, de John Lennon e Yoko Ono, e “Sweet Black Angel”, dos Rolling Stones,
foram compostas em tributo à Angela. “Irmã, há um vento que nunca morre. Irmã,
estamos respirando juntos. Angela, o mundo olha por você”, escreveu Lennon.
Em
1972, depois de um ano e meio de encarceramento, o júri (composto
exclusivamente por pessoas brancas) concluiu que, mesmo que fosse comprovado
que as armas haviam sido adquiridas no nome de Angela (o que não aconteceu),
isso não era suficiente para liga-la diretamente aos crimes, e considerou a
ativista enfim inocente.
“O
esforço para salvar o planeta, para parar as mudanças climáticas (..) para
salvar nossa flora e fauna, para salver o ar, esse é o marco zero do esforço
por justiça social. (…) Essa é uma marcha das mulheres e essa marcha representa
a promessa do feminismo contra os poderes perniciosos da violência do estado. E
o feminismo inclusivo e interseccional nos chama a resistir contra o racismo, a
islamofobia, o antissemitismo e a misoginia”, seguiu, já aos 73 anos, em sua
fala na marcha recente.
Depois
da prisão, Angela se tornou uma destacada professora de história, estudos
étnicos, estudos femininos e história da consciência em diversas das maiores
universidades dos EUA e do mundo. A militância e a política, no entanto, jamais
deixaram de fazer parte de suas atividades, e Angela foi uma voz forte desde os
anos 1970 até hoje, contra o sistema carcerário americano, a guerra do Vietnã,
o racismo, a desigualdade de gêneros, o sexismo, a pena de morte, a guerra ao
Terror de George W. Bush e em apoio à causa feminista e gay de maneira geral.
Passadas
mais de sete décadas de luta, Angela foi um dos nomes mais importantes da
Marcha das Mulheres, um dia após a posse do novo presidente dos EUA, Donald
Trump – e para melhor entender o que está em jogo com as falas e as políticas
de caráter racistas, xenófobos e autoritárias do novo presidente, basta ler as
palavras ditas por Angela em seu discurso, no dia da Marcha.
“Nós
nos dedicamos à resistência coletiva. Resistência contra a biolionária
especulação imobiliária e sua gentrificação. Resistência contra os que defendem
a privatização da saúde. Resistência contra os ataques aos muçulmanos e aos imigrantes.
Resistência contra os ataques aos deficientes. Resistência contra a violência
do estado perpetrada pela polícia e pelo sistema carcerário. Resistência contra
a violência de gênero institucionalizada, especialmente contra as mulheres
trans e negras”, ela disse.
A
Marcha reuniu mais de 3 milhões de pessoas pelo mundo, superando, em
Washington, por muitas milhares de pessoas a própria posse de Trump, deixando
claro não só que as posturas e políticas misóginas e sexistas perpetradas pelo
novo governo americano não serão toleradas, como as tentativas de uma guinada
conservadora, racista e xenófoba ainda maior por parte do país encontrarão
resistência intensa por parte dos próprios americanos.
Angela Davis, portanto, segue simplesmente lutando, com as armas e crenças que possui, desde os anos 1960, por um mundo melhor e mais justo. A boa notícia é que, mais uma vez, ela não está sozinha.
“Pelos
próximos meses e anos nós teremos de intensificar a exigência por justiça
social e nos tornarmos mais militantes em defesa das populações vulneráveis. Os
que ainda defendem a supremacia do homem branco heterossexual patriarcal não
passarão. Os próximos 1,459 dias do governo Trump serão 1,459 dias de
resistência: resistência no chão, resistências nas salas de aula, resistência
no trabalho, resistência na arte e na música. Isso é só o começo, e nas
palavras da inimitável Ella Baker, ‘nós, que acreditamos na liberdade, não
podemos descansar até que ela venha’. Obrigado.” (Com informações do Hypeness)
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