10 de junho de 2023

Altaneira poderá ser o 2º município do Brasil e o 1º do Ceará a ter Estatuto da Equidade Racial

 

Entrada de Altaneira-CE. (FOTO | Prof. Nicolau Neto).

Por Nicolau Neto, editor

Nos dia 13 e 26 de maio de 2021, mês em que as atenções se voltaram para relembrar e debater os 133 anos da abolição inconclusa da escravização no Brasil, ocorreu no município de Altaneira, no cariri cearense, e no formato remoto, a apresentação do Plano de Combate ao Racismo e de Promoção da Equidade. A ação partiu deste professor e fundado do blog.

Como já relatado aqui, as apresentações se deram junto às secretarias de governo, de educação, de cultura, além de contar com a participação de diretores/as e coordenadores/as das escolas no município, de formadores/as educacionais e de representantes do Sindicato dos Servidores Municipais (Sinsema) em um primeiro momento (dia 13) e posteriormente para o poder legislativo (dia 16).

Das 11 propostas do plano, duas já foram aprovadas por meio de lei na Câmara e sancionadas pelo executivo municipal: a transformação do dia 20 de novembro em feriado municipal de autoria do presidente da casa, o vereador Deza Soares (PT); e a criação do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CMPPIR) oriunda do poder executivo.

Agora, mais uma propostas poderá sair do papel. Durante a solenidade de posse da mesa diretora da Câmara para o biênio 2023/2024 ocorrida em janeiro do ano ano em curso, a vereadora Rafaela Gonçalves (PT), agora na função de vice-presidente,  destacou em seu discurso de posse que uma de suas prioridades para este ano era a aprovação e promulgação do Estatuto Municipal da Equidade Racial que adotará os parâmetros do Estatuto da Igualdade Racial do Governo Federal aprovado em 2010.

Pioneirismo

Ainda de acordo com a vereadora, o Estatuto encontra-se na Comissão Permanente da casa para emissão de parecer. Ainda não há previsão para que o PL do estatuto étnico-racial vá a votação em plenário. Se for aprovado, o município de Altaneira entrará mais uma vez para a história no enfrentamento ao racismo por meio de dispositivos legais. Poderá ser o 2º município do país a contar com um estatuto dessa envergadura e o 1º do Estado do Ceará.

Dos mais de 5.000 municípios brasileiros, apenas Olinda, no Estado de Pernambuco, tem um Estatuto de Igualdade Étnico-Racial. O Projeto de Lei foi aprovado e sancionado em 2021 pelo prefeito Lupércio (SDD), primeiro negro a governar a cidade.

Em Altaneira, o prefeito Dariomar (PT) se autodeclarou negro para a justiça eleitoral nas eleições de 2020 ao identificar-se pardo. Conforme o IBGE, a população negra brasileira é a somatória de pretos e pardos.

É importante destacar que o enfrentamento as desigualdades advindas do racismo é uma responsabilidade e um dever de todos e os poderes constitucionalmente instituídos precisam assumir seu papel na luta antirracista disseminando o debate a respeito da questão racial, contribuindo para desarranjar todas as formas de discriminação e preconceito presentes diariamente.

APP Educaya: percursos urbanos e memórias de bairro negro do Cariri cearense

 

Imagem do aplicativo Educaya. (FOTO | Reprodução).


Educaya é uma junção das palavras educação e Aya, sendo Aya parte de um conjunto de símbolos africanos conhecidos como Adinkra e está relacionado à resistência e à superação. Foi assim que surgiu o nome do aplicativo Educaya, desenvolvido na esfera do projeto “O currículo e os processos de formação no campo das relações étnico-raciais na educação básica numa perspectiva inter e transdisciplinar”.

Coordenado por Cicera Nunes, o projeto surgiu de uma trajetória de trabalho junto ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais, que tem em sua centralidade a proposta de recontar e ressignificar a história do Cariri cearense a partir de perspectivas negras e indígenas, no bairro negro Comunidade do Gesso, localizado na cidade do Catro (CE).

A ideia é estabelecer parceria e aproximação com agentes escolares e moradores da comunidade, para que se percebesse influências, referências e presenças negras e indígenas na história desse lugar.

Segundo Cícera, o aplicativo Educaya foi desenvolvido em parceria com a equipe de informática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia IFCE/CE, justamente para identificação dos pontos de memória do Território Criativo do Gesso.

O aplicativo está associado a placas indicativas dos pontos de memória da comunidade e direciona os percursos urbanos para traçar uma cartografia étnico-racial nos apresentando à uma parte importante da história do lugar”, explica a coordenadora.

Neste sentido, Educaya aparece relacionado à forma como a comunidade ressignifica a relação com a linha férrea no processo de organização do Sítio Urbano com a plantação de ervas medicinais e plantas frutíferas gerando remédios, alimento, sombra, arejando o ambiente, diminuindo a poluição e embelezando os ambientes.

Os percursos urbanos no Território Criativo do Gesso foram uma das etapas da metodologia do projeto onde, na companhia dos/as moradores/as do lugar, percorremos as ruas e os pontos de memória contextualizando a história do lugar, conhecendo as histórias de vida de pessoas que preservam o legado ancestral negro e indígena e identificando os pontos que guardam a memória coletiva desse território”, completa Cícera.

Projeto

O aplicativo é um dos produtos do Edital Equidade Racial na Educação Básica: pesquisa aplicada e artigos científicos, lançado em 2019, iniciativa do Itaú Social coordenada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), em parceria com o Instituto Unibanco, a Fundação Tide Setubal e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Outros/as pesquisadores/as mapearam exemplos de práticas pedagógicas antirracistas e também têm obras disponibilizadas para download gratuitamente no acervo digital “Equidade Racial na Educação Básica: Pesquisas e Materiais”, que pode ser acessado na Biblioteca Dinâmica do Observatório Anansi, pelo site: https://anansi.ceert.org.br/biblioteca

Até dezembro deste ano, o acervo digital vai abrigar mais de 50 produções, entre livros, teses acadêmicas, artigos, e-books, jogos didáticos e vídeos, que serão lançados periodicamente.

A iniciativa foi lançada oficialmente em 9 de janeiro deste ano, em comemoração aos 20 anos da Lei 10.639, que alterou a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), tornando obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras.

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Com informações do CEERT e do Observatório Anansi.

9 de junho de 2023

Universidades africanas existem antes das europeias

 

(FOTO | Reprodução).


Existe um imaginário no Brasil e em grande parte do mundo, de que as universidades são construções brancas europeias quando na realidade existiam universidades antes de existir centros de altos estudos europeus.

O povo africano produziu conhecimentos sofisticados milênios antes de existir universidades na Europa. Temos exemplos de centros de altos estudos no Egito, Etiópia, Mali, Marrocos e Tunísia. Essa informação é muito importante para que se conheça e se questione a ideia de que os brancos trouxeram a civilização para o continente africano quando na realidade o continente africano é a base de todo o conhecimento existente.

Há uma disputa política desde o século 15 para que só uma voz seja reconhecida, essa voz é a da população branca do Ocidente e sua história oficial. No Brasil criou-se um imaginário de que a emoção é negra e a razão branca, mas se analisarmos mais detidamente veremos que os africanos e descendentes de forma coletiva realizavam diversos ofícios do século 16 ao 19, com suas tecnologias ancestrais africanas e legaram soluções em diversas áreas do conhecimento como agricultura, pecuária, arquitetura, mineração, metalurgia, medicina, artes, guerra, esportes, culinária e espiritualidade.

Haviam instituições de ensino superior na África antes do colonialismo asiático e europeu. Essas altas instituições de ensino produziram e transferiram novos conhecimentos pertinentes à sociedade contemporânea para entender o mundo, a natureza, a sociedade, a religião, agricultura, medicina, saúde, literatura e filosofia.

Norte da África: kmt/Kemet/Egito Antigo

Os antigos keméticos, no Vale do Nilo, estabeleceram uma organização de ensino superior – o Per Ankh, que significa “Casa da Vida” – por volta de 2600 a.C. Ficava anexa aos grandes templos do país como Sais, Menfis, Akhetaton, Abidos, Tebas, Edfu, etc. Funcionava como universidade, biblioteca, arquivo ou oficina de cópia de papiros. Seu principal objetivo era a conservação e criação do conhecimento tanto científico quanto espiritual. Servia como instituição cultural destinada a estudos avançados. Entre os ensinamentos ministrados estavam os de medicina, astronomia, matemática, doutrina religiosa e línguas estrangeiras. No século 3 a.C, durante a dinastia ptolomaica, o Serapeum, Mouseion e a Biblioteca de Alexandria serviram como organizações de ensino superior em Alexandria. No Cairo, Al-Azhar, fundada em 970 d.C, está anexa à mesquita homónima. Foi fundada como escola de teologia no Califado Fatímida, em 988, sendo uma das mais antigas universidades do mundo e serve como uma organização de ensino superior até hoje.

Tunísia

A Universidade Ez-Zitouna, em Tunis, fundada em 737 d.C. no Califado Omíada e serve como uma organização de ensino superior. É a mais antiga universidade do mundo em funcionamento.Junto com as disciplinas de teologia – como a exegese do Alcorão (tafsir) – a universidade ensinava fiqh (jurisprudência islâmica, gramática árabe, história, ciência e medicina. Também tinha um kuttab ou escola primária que ensinava os jovens a ler, escrever e memorizar textos religiosos.

Marrocos

Em Fez, Fatima al-Fihri estabeleceu uma mesquita em 859 d.C. que se tornou a organização de ensino superior, a Universidade de al-Qarawiyyin. A educação na Universidade de al-Qarawiyyin concentra-se nas ciências religiosas e jurídicas islâmicas, com forte ênfase e pontos fortes em gramática/linguística árabe clássico eMaliki Sharia, embora também recebam aulas sobre assuntos não islâmicos aos alunos. O ensino ainda é ministrado nos métodos tradicionais. A universidade é frequentada por estudantes de todo o Marrocos e da África Ocidental muçulmana, com alguns também vindos do exterior.

África Oriental: Etiópia

No século 4 d.C. durante o reinado do rei de Axum Ella Amida (ou Ousanas), a Igreja Imperial Axumita serviu como uma organização de ensino superior.

África Ocidental: Mali

No ano de 988 a Universidade de Sankore, construída no Império do Mali sob o reinado de Mansa Musa, começou como a Mesquita de Sankore, serviu como uma organização de ensino superior na cidade de Timbuctu. A Mesquita de Sankore, a Mesquita de Sidi Yahya e a Mesquita de Djinguereber constituem o que é referido como a Universidade de Timbuctu. A Universidade de Sankoré tem suas raízes na Mesquita de Sankoré, que foi construída em 988 d.C. com o apoio financeiro de uma mulher Malinke. Mais tarde, foi restaurado entre 1578 e 1582 d.C. pelo Imam Al-Aqib ibn Mahmud ibn Umar, o Chefe Qadi de Timbuctu. Imam al-Aqib demoliu o santuário e o reconstruiu com as dimensões da Caaba em Meca. A Universidade Sankore prosperou e se tornou um ponto de aprendizado muito significativo no mundo muçulmano, especialmente sob o reinado de Mansa Musa (1307–1332) e a dinastia Askia (1493–1591).

Para que nós povo negro possamos avançar é necessário uma educação que ensine para as novas gerações o real papel do continente africano, berço ancestral, para o desenvolvimento da humanidade. Nunca é demais lembrar que somos a maioria da população brasileira e não podemos aceitar a continuidade de uma educação eurocentrada que esconde a nossa importância para nós e para a humanidade. Brancos existem por volta de 8.000 anos e nós povo negro existimos há pelo menos 300 mil anos! Descolonize-se.

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Com informações da Revista Raça.

Em 2022, analfabetismo cai, mas continua mais alto entre pretos e pardos e no Nordeste

 

Pela primeira vez, mais da metade (53,2%) da população de 25 anos ou mais tinham pelo menos o Ensino Básico Obrigatório. (FOTO | Renato Araújo/Agência Brasília).


A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais recuou de 6,1% em 2019 para 5,6% em 2022, uma redução de pouco mais de 490 mil analfabetos no país, chegando a menor taxa da série, iniciada em 2016. No total, eram 9,6 milhões de pessoas que não sabiam ler e escrever, sendo que 55,3% (5,3 milhões) delas viviam no Nordeste e 54,2% (5,2 milhões) tinham 60 anos ou mais.

Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua: Educação 2022, divulgada hoje pelo IBGE. Essa é a primeira divulgação do módulo após a pandemia. Devido à redução na taxa de aproveitamento da amostra, causada pela mudança na forma de coleta implementada emergencialmente durante o período de distanciamento social, a divulgação do suplemento foi suspensa em 2020 e 2021, retornando agora com os resultados para 2022.

O analfabetismo segue em trajetória de queda, mas mantém uma característica estrutural: quanto mais velho o grupo populacional, maior a proporção de analfabetos. Isso indica que as gerações mais novas estão tendo maior acesso à educação e sendo alfabetizadas ainda crianças, enquanto permanece um contingente de analfabetos, formado principalmente, por pessoas idosas que não acessaram à alfabetização na infância/juventude e permanecem analfabetas na vida adulta”, observa a coordenadora Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE, Adriana Beringuy.

As taxas ficaram em 16,0% entre as pessoas de 60 anos ou mais, 9,8% entre as pessoas com 40 anos ou mais, 6,8% entre aquelas com 25 anos ou mais e 5,6% entre a população de 15 anos ou mais. Por outro lado, a taxa de analfabetismo das pessoas de 60 anos ou mais foi a que mais caiu, reduzindo-se em 2,1 p.p frente a 2019 e 4,5 p.p. ante 2016.

Taxa de analfabetismo de pretos e pardos é duas vezes maior que a dos brancos

Em 2022, entre as pessoas pretas ou pardas com 15 anos ou mais de idade, 7,4% eram analfabetas, mais que o dobro da taxa encontrada entre as pessoas brancas (3,4%). No grupo etário de 60 anos ou mais, a taxa de analfabetismo dos brancos alcançou 9,3%, enquanto entre pretos ou pardos ela chegava a 23,3%.

Na análise por sexo, a taxa de analfabetismo das mulheres de 15 anos ou mais, em 2022, foi de 5,4%, enquanto a dos homens foi de 5,9%. Entre os idosos, a taxa das mulheres foi de 16,3%, ficando acima da dos homens (15,7%).

Beringuy destaca que “a tendência de queda do analfabetismo se verifica nos grupos onde ele é maior: população mais velha e pessoas de cor preta ou parda. É como se tivesse mais espaço para queda nesses grupos, uma vez que a população jovem já está mais escolarizada. De todo modo, temos um panorama no qual persiste mais de 20% da população de 60 anos ou mais de cor preta ou parda na condição de analfabeta”.

Taxa de analfabetismo do Nordeste é quatro vezes maior que a do Sudeste

A taxa de analfabetismo para as pessoas de 15 anos ou mais também reflete desigualdades regionais: o Nordeste tem a taxa mais alta (11,7%) e o Sudeste, a mais baixa (2,9%). No grupo dos idosos (60 anos ou mais) a diferença é maior: 32,5% para o Nordeste e 8,8% para o Sudeste.

A taxa de analfabetismo é uma das metas do atual Plano Nacional de Educação (PNE), que tem vigência até 2024. Um dos itens seria a redução da taxa da população de 15 anos ou mais para 6,5% em 2015 e a erradicação em 2024. A meta intermediária foi alcançada em 2017 na média Brasil, porém, no Nordeste e para a população preta ou parda, ainda não foi alcançada”, ressalta a coordenadora.

Entre as 27 unidades da federação, as que mostraram as três maiores taxas de analfabetismo foram Piauí (14,8%), Alagoas (14,4%) e Paraíba (13,6%). Já as três menores taxas foram as do Distrito Federal (1,9%), Rio de Janeiro (2,1%) e de São Paulo e Santa Catarina (ambos com 2,2%).

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Com informações do IBGE.

8 de junho de 2023

Povo Tabajara teme novo extermínio com possível aprovação do marco temporal

 

Mulheres tabajara reivindicam demarcação no ATL 2023 - Niaras Tabajara.

No site da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), as terras dos povos Tabajara na Paraíba ainda se encontram no status "em estudo". Mas após o Ministério Público Federal ajuizar no ano passado uma liminar para que a Justiça e a Funai concluam a demarcação, o processo andou. E segundo as lideranças, seria finalizado até agosto deste ano. A aprovação da tese do marco temporal, no entanto, pode interromper a conquista.

"O marco temporal é a catástrofe dos povos indígenas. Tanto daqueles que já lutavam antes da constituição, tanto daqueles que só reivindicaram depois, por todo um processo de silenciamento, por todo um processo de exclusão da sociedade. Ele vem trazer para cada um de nós a perda de direitos já garantidos", pontua Natália Tabajara, liderança do Niaras Tabajara, grupo de mulheres da Aldeia Vitória.

Nesta quarta-feira (7), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a votação para definir se é constitucional ou inconstitucional a tese jurídica que considera o dia 5 de outubro de 1988 - data da promulgação da Constituição - como o marco temporal de demarcação de terras indígenas.

Caso a Suprema Corte julgue constitucional a tese defendida pelo agronegócio brasileiro, centenas de grupos indígenas que foram expulsos de forma violenta de seus territórios perderão o direito à terra, como é o caso do povo Tabajara.

"A nossa cultura foi arrancada de nós. A gente foi proibido de falar a nossa língua, a gente foi proibido de pintar o nosso rosto. A gente foi proibido de colocar o nosso cocar para que não acontecesse o extermínio total. E hoje eu tenho dois filhos, Cauã e Cauê, eles já aprenderam sobre a cultura dos povos indígenas. Nós estamos aqui revitalizando", completa a indígena.

A luta pela terra

A luta dos Tabajara pela terra começou há séculos, em 1641. Foi quando a etnia recebeu dos portugueses a concessão das antigas sesmarias da Jacoca e Aratagui, no sul da Paraíba, zona de ocupação colonial mais antiga do estado. É o que consta nos estudos coordenados pelo antropólogo Fábio Mura, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Com o tempo, após serem expulsos de suas terras por usineiros e grandes latifundiários, as famílias do Povo Tabajara no estado se espalharam pelas periferias de João Pessoa ou em lotes da reforma agrária nos municípios de Conde, Pitimbu e Alhandra.

"Nossa maior luta hoje perante a sociedade brasileira é que a sociedade nos entenda como Tabajara, que foi um povo tão importante nos séculos passados. Nossos caciques, Piragibe, Arakem, Arapuã, Arcoverde, esses caciques que fundaram Nossa Senhora das Neves, que hoje é João Pessoa, e em troca recebemos três seis Marias, que é o Conde, a metade de Alhandra, e a metade de Pitimbu, e também a Ilha do Bispo. E de uma hora para outra esse povo desaparece", pontua o Cacique Ednaldo Tabajara.

O início da retomada

Em 2006, sob liderança de Ednaldo, os indígenas iniciaram a retomada do território. É neste ano que o cacique, através de um tio, passa a conhecer o Mito da Profecia, herdado dos anciãos tabajara, que dizia que um jovem iria novamente reunir o seu povo para conquistar o seu território.

Na época, o Cacique Tabajara era um jovem de 19 anos que pretendia deixar a Paraíba e partir para a Europa, para ser jogador profissional de futebol.

"Deixei de lutar meu direito pessoal para lutar no direito coletivo e não me arrependo porque através disso nós conseguimos respeito no município, no estado, no Nordeste, no Brasil . O cacique Ednaldo fundou uma aldeia, duas aldeias e três aldeias. Ele está revitalizando a língua do povo Tabajara. Ele está revitalizando a cerâmica, a cultura do povo de Tabajara e garantindo o território pro seu povo viver", relembra.

Antes da retomada, o cacique passou um longo período percorrendo as sedes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Funai e se reunindo com advogados, indigenistas e outras lideranças indígenas para tratar do reconhecimento oficial dos Tabajara como etnia.

Foi nesse contexto que o cacique liderou a entrada em uma área Tabajara onde seria construída uma fábrica de cimento pela empresa Elizabeth Cimentos. A concessão do território para o surgimento da primeira das três aldeias da etnia surge de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado entre a empresa e os indígenas.

"Nós Tabajara éramos muito presentes do século XV até o finalzinho do século XVI. Depois houve o silenciamento da gente. E depois vem o nosso ressurgimento. No nosso silenciamento, os coronéis, latifúndios que vêm de fora do Brasil, começam a tomar o território nosso. Hoje o marco temporal é muito isso. Como não vale mais nós ter língua cortada, pescoço cortado, cabeça cortada, óleo queimado e jogado em cima do nosso corpo, casa queimada, agora eles estão legalizando da forma que podem no Congresso Nacional. É uma covardia com toda a memória do ser humano dentro do Estado brasileiro", explica o cacique.

"Nós vamos voltar para a favela"

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Com informações do Brasil de Fato.

7 de junho de 2023

STF retoma nesta quarta julgamento do Marco Temporal

 

(FOTO | Reprodução).

O STF ignora pressão do Congresso, dobra aposta e mantém marco temporal de terras indígenas na pauta. Nesta quarta-feira, 07/06, o STF retoma o julgamento do século. A votação não deve ser concluída nesta semana, encurtada pelo feriado de Corpus-Christi.

Em Brasília, milhares de indígenas estão acampados na Praça da Cidadania onde irão acompanhar o julgamento no STF. A programação do acampamento foi dividida em três eixos, sendo eles: Por demarcação já, pelo futuro do planeta e pelo direito originário. Ontem foi realizado um ato de apoio ao Ministério dos Povos Indígenas e ao Ministério do Meio Ambiente, atacados pelo Congresso Nacional com a aprovação da MP 1554 que retira a competência das demarcações das terras indígenas do MPI, uma conquista do movimento indígena brasileiro.

Povos indígenas promovem mobilizações contra o marco temporal em todo o Brasil, convocadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas sete organizações regionais, com o tema “Pela justiça climática, pelo futuro do planeta, pelas vidas indígenas, pela democracia, pelo direito originário/ancestral, pelo fim do genocídio, pelo direito à vida, por demarcação já. Campanhas com artistas e ambientalistas também foram lançadas nas redes sociais, para tentar mobilizar a opinião pública.

O processo foi pautado em um momento em que o debate sobre o tema avança no Congresso. A Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, um projeto de lei para restringir as demarcações a territórios ocupados antes de 1988 – data da promulgação da Constituição. A proposta seguiu para o Senado.

Ao colocar a ação na pauta, a presidente do STF, Rosa Weber, contrariou a bancada ruralista e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), simpático ao projeto de lei. Deputados e senadores ligados ao agronegócio esperavam dissuadir a Corte de retomar o julgamento.

O Supremo dobrou a aposta e agora está com a bola na mão. O Estadão apurou que a pressão do Congresso não caiu bem entre uma ala do Tribunal, que identificou uma tentativa de encurralar os ministros. Quem acompanha o caso, não descarta que algum magistrado peça vista – mais tempo para análise do caso – e adie novamente a votação, o que na prática daria tempo para acalmar os ânimos entre os Poderes.

Se os ministros decidirem que a tese é inconstitucional, o projeto de lei será colocado em xeque. O PL trata de outros temas, que podem seguir tramitando, mas o trecho sobre o marco temporal precisará ser revisto, segundo especialistas.

Qualquer decisão legislativa incompatível com a eventual decisão do Supremo, especialmente por ser um projeto de lei, tende a não prosseguir e a não ter legitimidade“, explica o advogado Gabriel Sampaio, que acompanha o julgamento no STF como representante da ONG Conectas Direitos Humanos.

Com a mudança de governo e o alinhamento da gestão Luiz Inácio Lula da Silva com a defesa dos direitos indígenas, o tempo passou a correr a favor dos povos originários. O petista prometeu acelerar demarcações.

O advogado Eloy Terena, ex-coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), é uma das principais vozes no Judiciário contra a tese do marco temporal. Ele é hoje secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, o que reforça a mudança de posicionamento em relação ao governo Jair Bolsonaro (PL). Na gestão do ex-presidente, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu o marco temporal como uma garantia de “paz social”.

Julgamento

O julgamento do Marco Temporal está paralisado há quase dois anos e é apontado pela Apib como uma tese anti-indígena, pois a teste afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

O julgamento trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.

Em 2021, o julgamento foi suspenso após pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do ministro Alexandre de Moraes. A suspensão ocorreu após os votos do ministro Nunes Marques, favorável à tese anti-indígena, e do ministro relator, Luiz Edson Fachin, que votou contra ao marco temporal e favorável aos direitos indígenas.

Edson Fachin, foi taxativo em seu voto: NÃO EXISTE marco temporal para a demarcação de terras, e os direitos indígenas na Constituição são cláusula pétrea e não podem ser retrocedidos – nem por Emenda Constitucional e, muito menos, por um PL ordinário.

O marco temporal para nós é um retrocesso e uma negação dos nossos direitos. Todos os parentes, territórios, aldeias e cidades devem permanecer mobilizados nesse momento tão decisivo para os povos indígenas. A gente sempre fez a nossa luta. Tudo o que conquistamos até hoje foi a partir das mobilizações do movimento indígena e não será agora que vamos recuar. Vamos fazer a nossa voz ecoar em todos os cantos do Brasil e enterrar de vez a tese do marco temporal”, afirma Val Eloy, coordenadora executiva da Apib pelo Conselho Terena.

Não podemos permitir que o Brasil colônia volte a reinar sobre nossas cabeças, com a lei da bala e do fogo. O Brasil é um país democrático, onde cabem os biomas bem cuidados e a agricultura para o bem viver. E a demarcação de Terras Indígenas faz parte desse presente e desse futuro. Ou não haverá futuro para ninguém.”

Hoje, a partir das 14h, use a tag #MarcoTemporalNÃO

E vamos ecoar em uma só voz esse canto pela vida.

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Com informações do Instituto Búzios.


6 de junho de 2023

MEC institui critérios para definir se crianças estão ou não alfabetizadas; o que muda nas escolas?

 

O MEC criou um critério oficial para todos os estados brasileiros sobre o que uma criança de 7 anos precisa saber para ser considerada alfabetizada. (FOTO | Fabiane de Paula).

Estabelecer critérios que possam definir se uma criança está ou não alfabetizada, considerando a realidade dos 5,5 mil municípios brasileiros. Essa foi a tarefa que o Ministério da Educação (MEC) se propôs no início da nova gestão e, na semana passada, apresentou o resultado: traçou parâmetros, estruturados em uma escala de pontuação, que delimitam exatamente o que crianças com 7 anos de idade precisam atender no Brasil para serem consideradas alfabetizadas. Até então, o país não tinha esse tipo de referência.

No Brasil, na relação idade-série, a projeção é que crianças com 7 anos estejam no 2º ano do ensino fundamental, e as normativas educacionais preveem que nos dois primeiros anos dessa etapa, a ação pedagógica deve ter como foco a alfabetização. Porém, as avaliações, até então, não definiam especificamente o que é um estudante alfabetizado.

Agora, novos critérios foram traçados para delimitar se os estudantes desta etapa estão ou não alfabetizados. Esse referencial é proveniente da pesquisa “Alfabetiza Brasil”, realizada pelo MEC e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) com 251 professoras alfabetizadoras em 206 municípios das cinco regiões brasileiras e com especialistas, entre abril e maio de 2023.

Dentre as habilidades necessárias para serem considerados alfabetizados, o MEC estabeleceu que os estudantes precisam:

Ler pequenos textos, formados por períodos curtos e localizar informações na superfície textual;

Produzir inferências básicas com base na articulação entre texto verbal e não verbal, como em tirinhas e histórias em quadrinhos;

Escrever, ainda que com desvios ortográficos, textos que circulam na vida cotidiana para fins de uma comunicação simples como: convidar ou lembrar algo, por exemplo.

Com isso, a partir de características que definem as habilidades básicas de leitura e de escrita, o MEC criou um critério oficial para todos os estados brasileiros sobre o que uma criança de 7 anos precisa saber para ser considerado alfabetizada.

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Com informações do Diário do Nordeste.

4 de junho de 2023

Crato: Sistema Municipal de Cultura e a luta pelos 2%

 

(FOTO | Reprodução | WhatsApp).


Por Alexandre Lucas, Colunista 

O principal marco legal da legislação municipal sobre políticas públicas para cultura no Crato é o Sistema Municipal de Cultura (SMC), o qual norteia os princípios de participação popular, planejamento da política pública e aponta a necessidade de recursos financeiros para a sua execução. O Sistema está amparado numa política de estado, estruturante e compactuada com os entes federativos ( Estado e União). O SMC foi criado em dezembro de 2014. Com menos de 10 anos, caminha a passos lentos, reflexo da conjuntura nacional, que sofreu um processo de desmonte e descontinuidade nos governos Temer e Bolsonaro, mas também pelo olhar distante que fez com que a cultura estivesse fora do orçamento, no sentido de promover a cidadania cultural, desenvolvimento territorial, requalificação e manutenção dos equipamentos culturais. 

A situação do Crato, no tocante a efetivação das políticas públicas para cultura, apresenta um cenário desanimador e desafiador. Quando se observa o conjunto dos equipamentos culturais do município detectamos a seguinte situação: os que não estão fechados, apresentam péssimas condições de funcionamento e na sua totalidade, todos necessitam de acessibilidade e requalificação. O que é um grande desafio, tendo em vista que alguns prédios se tratam de arquiteturas antigas e de valor histórico para a cidade, o que impõe mão de obra com especificações técnicas. Outro fato diz respeito à política de fomento que ainda não consegue atender aos segmentos da cultura e as linguagens artísticas, previstas no SMC. 

É neste contexto que se fortalece a luta pelos 2% do orçamento do município para cultura. Essa luta surge a partir de um contexto nacional, com a Proposta de Emenda Constitucional - PEC que ficou conhecida como PEC da Cultura – PEC 150, que previa a seguinte destinação: 2% da União, 1,5% para Estados e no mínimo 1% para os municípios. No contexto das eleições de 2012, os segmentos de cultura do Crato entregaram aos candidatos ao executivo municipal a “carta compromisso com a cultura" que dentre outras propostas estavam : Criação do Sistema Municipal de Cultura, criado em 2014, criação da Política Municipal do Cultura Viva, criada em 2021 e a defesa dos 2% do orçamento para a cultura. 

A luta pelos 2% do orçamento do município para cultura está intimamente vinculada à consolidação do Sistema Municipal de Cultura. Em março deste ano foi realizada a Conferência Municipal de Cultural que teve como missão aprovar as diretrizes para a elaboração do Plano Municipal de Cultura como prevê o SMC, a questão é, como será executado o plano? De imediato a resposta é simples: com dinheiro. Essa questão reafirma a posição de que não é possível promover políticas públicas sem recursos. 

A cultura tem caber no orçamento do município. De acordo com dados da própria prefeitura, nos últimos sete anos foram investidos menos de 1% do orçamento em cultura. Em 2022, foi investido cerca de 0,67%, sendo que aproximadamente 85% foi para folha de pagamento e encargos sociais, o restante foram destinados para outras despesas e a política de fomento. A situação demonstra a fragilidade financeira da gestão da cultura no Crato. 

A execução do Plano Municipal de Cultura tem uma dimensão significativa no caráter de transversalidade da cultura, impactando no desenvolvimento econômico, tendo em vista, que a cadeia da economia da cultura tem ramificações em várias áreas. Outro fator é o desenvolvimento e a integração territorial e social, o fortalecimento da hibridização, diversidade e pluralidade e peculiaridade cultural, estética, artística, que vai do campo  popular ao erudito. 

As condições favoráveis para execução do Plano Municipal de Cultura colocará o Crato dentro do circuito da promoção dos direitos humanos e da cidadania cultural, do intercâmbio das culturas e da ampliação da visão social do mundo. 

O Plano Municipal de Cultura precisa de recurso para ser executado. A garantia de recursos é o substrato para alimentar uma política de estado para cultura e conceber que nos diversos segmentos da cultura existem trabalhadoras e trabalhadores da construção do simbólico. O tempo do pires na mão deve ser enterrado, bem como o discurso de que não se tem dinheiro para cultura.

É hora de colocar a dimensão da transversalidade da cultura, mas para isso exige também, colocar a cultura na centralidade da política, inclusive como forma de contribuir para uma nova cultura política e de combate a concepção reacionária, conservadora, opressora e neoliberal que tenta reduzir o papel dos estado tocante a emancipação humana e na acessibilidade cultural. 

No Brasil, iremos executar duas leis que são frutos da mobilização popular, a Lei Paulo Gustavo, que tem caráter ainda emergencial e de proteção social e a Aldir Blanc II que tem um caráter mais estruturante e visa contribuir para consolidação do Sistema Nacional de Cultura nos próximos anos. Ambas devem ser percebidas como complementares aos recursos dos municípios e estados. O que nos impõe vigilância para que estados e municípios não reduzam os seus investimentos a partir dos recursos próprios. 

No Crato, não vai existir execução do Plano Municipal de Cultura sem ampliação de investimentos. Os 2% do orçamento do município para cultura é vital. Essa deve ser compreensão coletiva para unificar os diversos segmentos da cultura e a gestão municipal na defesa do direito à cidade.