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(FOTO | Reprodução). |
Mais
preto e menos branco. Essa é a forma que os brasileiros veem a si
mesmos, de acordo com os números revelados nesta sexta-feira (16)
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidos
pelo último censo realizado pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios, em 2022. Os dados vêm depois de dois anos em que não
foi possível a realização de pesquisas, por conta da pandemia.
O
número de brasileiros que se autodeclaram pretos aumentou no Brasil
nos últimos 10 anos. Se em 2012 eram 7,4 % da população, em 2022
eles foram 10,6% dos entrevistados, sendo o grupo racial que mais
cresceu. Nunca na história do país tantas pessoas se declararam
pretas.
Entre
os que se declaram pardos não houve variações significativas.
Foram 45,3% em 2022 (45,6% em 2012). É o maior grupo racial
brasileiro.
Já
a população branca diminuiu. De 46,3% em 2012, este grupo agora é
42,8%. Houve uma queda da população branca em todas as regiões do
Brasil, sendo mais significativa no Sul, onde em 2012 representava
78,8% da população, para 72,8% em 2022.
Indígenas
e quilombolas têm um censo específico. Os dados também foram
colhidos em 2023 e devem ser divulgados em breve.
MUDANÇA
NO COMPORTAMENTO REFLETE NO CENSO
Os
números do censo fazem sentido quando olhamos a História do Brasil,
o último a abolir a escravatura. Foram quase 400 anos de escravidão
e o reflexo disso, se traduz na cor do seu povo.
Com
a chegada da Internet no começo do anos 2000, o se ver e se
reconhecer se tornou possível e a força da representatividade foi
um fator impulsionador no número de pessoas negras aumentando nas
pesquisas do censo. Para o colunista do Mundo Negro, o professor
Ivair Augusto Alves dos Santos, Mestre em Ciências Políticas pela
Unicamp e Doutor em Sociologia pela UnB, a potência da mídia,
cultura e movimento negro, especialmente em espaços de poderm, foi
fundamental na influência da autodeclaração.
“A
força do movimento negro, a mídia, novelas com mais representações
negras, espaços de poder com mais negros, ações afirmativas,
crescimento do números de parlamentares negras e as plataformas com
conteúdo sobre negros é importante. Poderia continuar uma lista
grande, mas a existência de uma figura como Vinicius Jr, não é por
acaso, é fruto do trabalho de muitos ativistas”, detalha o
ex-diretor do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de
Direitos da Presidência da República.
Como
a pessoa constrói essa identidade racial também é outro aspecto
que deve ser considerado. “A tendência geral do censo do IBGE é
que as pessoas têm um processo longo de construção da sua
autodeclaração. São pessoas que vivem em espaços que não
prevalecem os mecanismo identitários não negros. Estão em
comunidades onde é mais comum a presença negra e em função deste
circuito de vulnerabilidade criado pelo racismo no Brasil, são
pessoas deste circuito que vão criando mecanismos de solidariedade,
que vão tendo relações familiares dentro deste núcleo e com o
passar do tempo vão construindo uma identidade”, comenta o
professor e vice-diretor da Unesp, Juarez Xavier.
AUTODECLARAÇÃO
E HETEROIDENTIFICAÇÃO
A
ditatura removeu dados sobre questões raciais do censo e quando este
tema retorna a coleta de dados do IBGE, a atuação do movimento
negro é fundamental para o surgimento da autodeclaração.
“A
autodeclaração se constituiu, sendo parte de um grande processo de
debate, de discussão que consumiu parte do final dos anos 70, 80 e a
partir dos anos 90, porque a ditadura civil militar tirou os dados
relativos à questão racial do censo”, explica o professor
Juarez. Ele detalha que quando raça e cor voltam a ser discutidos,
mais de 100 denominações surgiram para identificar a cor das
pessoas não brancas.
“Foi
necessário então se criar um mecanismo, muito bom, pautado na
autodeclaração e optou-se em trabalhar com os conceitos
étnico-raciais.Por exemplo: preto, pardo, branco e amarelo são
questões étnicas, e indígenas questões raciais. Isso foi definido
depois de várias testagens feitas pela equipe do IBGE”,
detalha o acadêmico que destaca a insistência do Movimento Negro
para implementação deste método.
Sobre
a heteroidentificação, há uma mudança no que se entendia
anteriormente como pardo, que basicamente era toda pessoa que não se
identificava nem branca e nem preta, como amarelos, cafuzos e
mamelucos. “Começou-se a partir de 2012 a evitar este tipo de
conceito, passou-se a considerar, para efeitos de políticas públicas
de heteroidentificação, que pardo são as pessoas que têm
ascendência negra”. A fenotipia das pessoas negras (cabelo,
traços e tom de pele) é um dos critérios usados ao se cruzar dados
para decidir se uma pessoa é considerada de ascendência negra e
portanto, candidata a usufruir de ações afirmativas.
O
professor ainda explica que as declarações do censo do IBGE tem um
grande fator espontaneidade porque quem responde, não usufrui de
nenhum benefício imediato, porém, não é possível saber, se quem
se declarou pardo, realmente é uma pessoa de ascendência africana,
sem se fazer uma “mineração desses dados”. Já na
heteroidentificação, por haver um caráter de interesse, há uma
tendência maior da autodeclaração ser duvidosa, e aí os fatores
da heteroidentificação são o que determina quem realmente merece
entrar, por exemplo, em uma universidade pelo sistema de cotas.
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Com
informações do Mundo Negro.