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Professor Nicolau Neto durante roda de diálogo com estudantes da EEFTI 18 de Dezembro, em Altaneira. (FOTO | Cláudio Gonçalves). |
Nove
em cada dez brasileiros concordam que a discriminação racial deve ser discutida
pelos professores, segundo pesquisa Datafolha. No entanto, em muitas escolas,
em especial da rede privada, esse debate é feito quase sem a presença de alunos
e professores negros, em um país onde pretos e pardos são a maioria da
população.
Kauany
e Pedro são irmãos e estudam numa escola particular em Santa Fé do Sul,
interior de São Paulo. Kauany, 14, é negra e sua turma de 9º ano tem três
outros alunos negros. Pedro, 11, é branco e na sua turma de 6º ano tem 31
colegas brancos. Ambos têm apenas um professor negro.
Sidmar,
45, pai da Kauany e do Pedro, fez questão de colocar os filhos na rede privada
para que eles pudessem ter, segundo ele, a melhor educação.
July
Barbosa, 41, moradora da região metropolitana de Belo Horizonte, é mãe de três
garotos negros e, como Sidmar, recorreu à rede privada, embora reconheça a escassez
de diversidade na escola.
Os
colégios onde essas crianças estudam não são exceções. Das 20 instituições de
ensino mais bem colocadas no Enem de 2019, 19 eram escolas da rede particular.
Segundo
o Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa), da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, apenas três escolas registraram 20% ou
mais de alunos negros, e duas delas não registraram nenhum aluno preto ou
pardo.
Para
o Gemaa, embora as escolas não sejam obrigadas a coletar esses dados, a falta
de informações consistentes refletiria o descaso com a temática racial. A Folha
entrou em contato com a Abepar (Associação Brasileira de Escolas Particulares),
mas não obteve retorno da instituição.
Com
13 anos, o filho de July está no 8º ano e diz que nunca sofreu racismo porque
ele é “muito na dele”, mas admite que os outros colegas negros, às vezes, são
chamados de macaco. Ele acha que isso é errado. “A gente não é animal.”
Kauany
também diz nunca ter sofrido racismo na escola, mas já ouviu colegas dizerem
coisas como “cala a boca, seu preto” para um aluno negro — o que a deixa muito
chateada. A menina, que nasceu em Belém, diz também que, às vezes, é chamada de
pernambucana devido ao seu sotaque.
Para
Eneida Martins Gonçalves, psicóloga especializada em saúde da população negra,
a falta de representatividade e o modo como negros são retratados, sempre
associados à escravidão e à marginalidade, reforçam a sensação de não pertencimento.
Wilson
Crescencio Antônio, 58, professor de artes e comunicação numa escola particular
de Pirassununga, interior de São Paulo, diz que a presença dele e de outros
professores negros funciona como antídoto para a sensação de solidão dos poucos
alunos negros que passam pelo colégio.
O
filho de July tem dois professores negros. Os outros alunos não gostam muito de
um deles, o de matemática, mas ele é um dos favoritos do garoto por ser o único
que o usa como exemplo nos exercícios.
Em
2020, após o episódio envolvendo o assassinato do americano George Floyd,
comunidades de pais de alunos organizaram movimentos em busca de maior
diversidade racial em escolas particulares. Um deles foi fundado por Evie
Barreto Santiago, 49.
Ela
é negra e, ao perceber que o colégio onde seu filho estuda, em São Paulo, não
se posicionava de modo satisfatório contra o racismo, reuniu-se com outros pais
para questionar a postura da escola.
SE TIVESSE MAIS PESSOAS NEGRAS, PENSO QUE PODERIA MELHORAR O PRECONCEITO. NÃO PARAR DE EXISTIR, MAS DIMINUIR UM POUCO
Kauany,
14
Estudante
negra do 9ª ano de uma escola particular no interior de São Paulo
Desde
então, ela diz que a instituição destinou bolsas integrais para alunos negros,
aumentou a diversidade do corpo docente e começou a repensar o currículo
escolar para garantir a aplicabilidade da lei de ensino sobre história e
cultura afro-brasileira em todas as matérias.
“Nunca
parei pra pensar nisso, mas agora acho que poderia ter mais pessoas negras na
escola. Até mesmo diretores” diz a menina Kauany. “Se tivesse mais pessoas
negras, penso que poderia melhorar o preconceito. Não parar de existir, mas
diminuir um pouco.”
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Com informações da Folha de S.Paulo e reproduzido no Geledés.