![]() |
Alexandre Lucas. (FOTO/ Reprodução). |
Por Alexandre Lucas, Colunista
Existe
uma poesia no meio do caminho, mas nem tudo que está no caminho conseguimos
enxergar. A poesia pode ser um abridor de novos horizontes, mas é preciso
descobrir, evidenciar e deixar a epiderme social livre dos dedos moralizantes e
preconceituosos para não aniquilar a imaginação, a criatividade, o processo
lapidoso da palavra e o protagonismo literário.
A
decodificação da escrita é parte da decodificação do contexto histórico-social.
Caminhar para enxergar a poesia no meio do caminho se faz a partir da
apropriação dos códigos e dos contextos. Ler e escrever não é suficiente para
enxergar a poesia.
Ler
para além das palavras e escrever para além do previsível e do repertório
reduzido é o grande desafio que se apresenta. Junta-se a isso a construção da
autonomia e da autoestima como parte deste elo. É preciso esperançar em cada indivíduo e coletivamente a capacidade de
acreditar na potência produtiva e transformadora dos seres humanos.
A
autonomia e autoestima dos estudantes das escolas públicas são sistematicamente
abaladas. A violência psicológica é um modus operandi que se processa nos
espaços familiares e escolares constituindo descrença, insegurança e sentimento
de incapacidade. Expressões do tipo “burro”, “preguiçoso”, “desinteressado”,
“não quer nada” e suas variantes fazem parte do cotidiano de crianças,
adolescentes e jovens do nosso país. Esse aspecto deve ser alterado se
quisermos construir na classe trabalhadora um contingente ativo e amplo de
leitoras e leitores, escritoras e escritores.
É
preciso encontrar a poesia na apropriação da linguagem, no escavacar da
história e na prática social dos indivíduos.
A poesia é resultado da produção dialética da humanidade, a partir do
tempo e do espaço, das relações e contradições humanas. A poesia está longe de ser dom, como alguns
tentam impor, é antes que tudo resultado da vida.
Ampliar
o repertório de palavras para os filhos e as filhas da classe trabalhadora, é
contribuir para o processo de ampliação da capacidade imaginativa, inventiva e
argumentativa. Quanto maior for o quantitativo de palavras que se adquire,
maior será a possibilidade de extensão de repertório e da visão social de
mundo. Cada palavra carrega um universo
de ideias, ela nunca vem isolada e vai ganhando significados maiores a partir
do momento que o repertório vai se estendendo.
A
escola tem um papel decisivo na democratização da linguagem. Incentivar à
leitura é disponibilizar o conjunto da produção e das conexões historicamente
criadas pela humanidade na qual a palavra também se insere.
A
poesia pode está em todo canto, entretanto, a escola pode ser um dos espaços
para que ela possa ser enxergada de forma robusta, sistematizada,
contextualizada e que componha uma trivialidade para muitos, se contrapondo, ao
seu uso restrito e estratificado.
A
palavra das camadas populares precisa ser legitimada. Desesconder a palavra
imatura, destrinchar a escrita cheia de vida que ultrapassa a junção das
letras, incrementar os códigos negadas historicamente, ter o popular, o senso
comum, sempre como ponto de partida para apropriação do conhecimento
sistematizado e erudito. Consagrar o popular unicamente, é negar o direito da
classe trabalhadora de se apropriar dos conhecimentos necessários para o
exercício do poder.
É preciso romper com uma lógica que esconde a poesia e a capacidade de leitura e escrita da classe trabalhadora. Ler, produzir, publicar, ainda continua sendo um direito restrito e todos os dias crianças, adolescentes e jovens deste país são instruídos a desacreditar que são capazes de escrever e construir a história.