Luciano Huck, a Globo e a memória seletiva dos 'novos'políticos'


Passados alguns dias da repercussão da entrevista – interpretadas como fala de candidato, em “campanha eleitoral” antecipada – de Luciano Huck, no palco do programa do Faustão no domingo 7, o apresentador negou que irá se candidatar à Presidência da República em 2018. Não foi uma negativa categórica por meio de nota oficial à imprensa – apenas um comentário pelas redes sociais, mas sem efetivamente descartar sua candidatura. Disse ainda que continuará atuando em movimentos cívicos para “oxigenar a política brasileira com novas cabeças, novas ideias e, principalmente, novas práticas”.

Já a TV Globo levou três dias para informar em nota oficial, que cumpre a legislação eleitoral e que não apoia qualquer candidato nas eleições de 2018. A afirmação só veio após parlamentares do PT entrarem com representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a emissora por abuso dos meios de comunicação e de poder econômico.

Quando questionada pela imprensa a emissora justificou que a participação de Luciano Huck e Angélica no Domingão do Faustão havia sido gravada antes de o apresentador afirmar que não concorreria à Presidência. Mas isso sem explicar por qual razão a entrevista só foi ao ar agora, “fora do tempo”, e nem por que o telespectador não foi avisado de que se tratava de uma gravação.

A argumentação não convenceu. Negações como essa são como a fumaça que confirma o fogo.

Se ainda restava alguma dúvida de que a aparição de Huck no programa tinha discurso de candidato, uma notinha de sexta-feira (12), da jornalista Daniela Lima, da coluna Painel, da Folha de S.Paulo, deixou evidente a candidatura.

De acordo com a jornalista, "informação de que a entrevista de Luciano Huck ao “Domingão do Faustão” foi gravada em 11 de novembro esbarra em um dado. Durante a conversa, Fausto Silva diz que Huck 'deixou bem claro em comunicado enviado a todos os jornais que não seria candidato' a presidente."

O artigo em que o apresentador afirmou que não concorreria em 2018 foi publicado nos jornais no dia 27 de novembro. Portanto, o marketing político da Globo, no primeiro domingo do ano, foi quase dois meses depois de o apresentador anunciar que não seria candidato.

Além disso, a entrevista também ocorreu depois da divulgação de uma pesquisa Ipsos, no dia 23 de novembro, na qual Huck aparecia com e melhor avaliação de imagem junto ao eleitor.


Luciano Huck nunca abandonou o sonho de ser presidente da República.

Mesmo cobrando ética, Luciano Huck construiu casa em área
de preservação ambiental. (Foto: Raquel Cunha/ TV Globo).
No programa, o apresentador posou de bom moço, bom marido, o “novo”, o “não político”. Em relação à ideologia, Huck afirmou não ser de direita – e nem de esquerda.

Não é de hoje que o todo queridinho da Globo mostra pretensões políticas. Em 2007, durante o governo do presidente Lula, o apresentador que hoje se diz representar “o novo”, o “não político”, nem esquerda e nem direita, se engajou ferozmente na campanha para retirar R$ 40 bilhões (valores da época) por ano do orçamento do SUS, detonando a CPMF.

Fazendo a vez do pato amarelo, Huck se apresentou como mestre de cerimônia “voluntário” para um show gratuito promovido pela Fiesp – de Paulo Skaf – em São Paulo, contra a CPMF. Recheado de atrações famosas, a imprensa anunciava que os organizadores esperavam atrair um público de dois milhões de pessoas, mas só sete mil apareceram. Ao ser avisado sobre o público pífio, Luciano Huck cancelou sua participação na última hora, pouco antes de subir ao palco, alegando “problemas de agenda”.

Mesmo assim, a bancada demotucana (DEM e PSDB) no Senado, com ajuda do Psol, conseguiu detonar a CPMF e o empresário Luciano Huck ficou um pouco mais rico, ao manter em sua conta o dinheiro que pagava de CPMF e era usado para financiar a saúde pública.

Voltando ao programa do Faustão, ao discorrer sobre o atual cenário político, Huck falou sobre ética com declarações como “pequenas corrupções levam às grandes corrupções”.

Aparentemente, o apresentador não deve ter lembrado – ou terá tentado se aproveitar da tradicional "memória curta" do brasileiro – que em 2003, teve sua pousada em Fernando de Noronha (PE) interditada pelo Ibama, por ter sido construída em área de preservação ambiental.

Pela lei da época, só moradores que possuíam autorização de ocupação de solo poderiam construir em Fernando de Noronha, declarada pela ONU Patrimônio Natural da Humanidade.

Mas isso não foi problema: Huck, deu um “jeitinho” e a Pousada Maravilha foi construída pelo apresentador juntamente com os empresários João Paulo Diniz, Pedro Paulo Diniz e Ed Sá, no terreno onde morou o ex-chefe do Parque Nacional Marinho, José Gaudêncio Filho, o dono formal do empreendimento. Em 2011, Huck e os sócios, venderam a pousada ao cientista político filiado ao PSDB, Antonio Lavareda.

Luciano Huck também falou no programa sobre combate à corrupção. Ao mesmo tempo cobrou mais ética. “Os brasileiros estão envergonhados da classe política”, disse. Isso tendo o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (MDB), criado o Decreto 41.921, que ficou conhecido como “Lei Luciano Huck”, para alterar a legislação sobre Áreas de Proteção Ambiental, e manter "protegida" uma mansão do apresentador numa reserva ambiental de Angra dos Reis (RJ), construída sobre rochas e um espelho d'água.

Faustão bem que poderia fazer novo convite a Luciano Huck e abrir o "Arquivo Confidencial" dele. (Com informações do Blog da Helena)


Historiador e Socióloga cria aplicativo que ensina idioma africano a crianças


Aplicativo Alfabantu. (Foto: Reprodução).

A história e a cultura afro-brasileira devem constar no currículo oficial da rede de ensino no Brasil, como prevê a Lei 9.394/1996. No entanto, a disponibilidade de material sobre o assunto e a aplicação da lei ainda são deficitárias em muitas escolas. Foi pensando nisso que o historiador Edson Pereira e a socióloga Odara Dèlé decidiram criar um aplicativo de celular, o Alfabantu, destinado ao ensino da língua falada pelo povo kimbundu, de Angola.

A ideia nasceu quando Pereira ainda cursava História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Lá ele teve seu primeiro contato com o kimbundu, através de um curso ministrado pelo professor Nii.

Hoje, Odara é professora de Sociologia do ensino médio na rede estadual e Pereira, professor de História do ensino fundamental na rede municipal. Com a vivência escolar, foram percebendo que os professores tinham dificuldade em trabalhar a história da África com as crianças. “Não existe muita vontade dos professores e os que têm vontade não sabem como fazer, falta material didático”, conta Odara.

Com um interesse antigo no resgate histórico da cultura africana, o casal encontrou no idioma uma potencial forma de aproximar a África das crianças brasileiras que, muitas vezes, passam a infância sem conhecer a história dos seus povos originários.

Odara e Pereira, socióloga e historiador, criadores do aplicativo Alfabantu. (Foto: Arquivo Pessoal).

 
Inspirados pelo Asa – aplicativo criado por um nigeriano que percebeu que faltava às novas gerações um conhecimento mais profundo sobre seus antepassados, começaram a planejar o Alfabantu. O aplicativo Asa ensina a língua iorubá e traz conteúdos sobre a história e cultura da Nigéria e da África. Já o criado pelo casal se dedica, por enquanto, exclusivamente, ao ensinamento do idioma angolano.

Lançado em 21 de novembro, o aplicativo é voltado ao público infantil e está disponível apenas para celulares com sistema Android. Durante a pesquisa preliminar, Odara e Pereira encontraram dados significativos a respeito do uso do celular pelos brasileiros: crianças entre 5 e 14 anos costumam passar 80% do seu tempo livre com os aparelhos em mãos.

A gente está muito ligado ao celular, mas o importante é pensar quais conteúdos são vistos. Podemos potencializar esse uso de forma positiva. As crianças podem permanecer no celular, mas acessando conteúdo de qualidade”, avalia Odara.

A ideia do Alfabantu é proporcionar um aprendizado lúdico e interativo, algo que atraia o público infantil. O aplicativo é dividido em duas partes. Na primeira, há o contato inicial com a língua: são apresentadas frases do cotidiano, partes do corpo humano, números, animais e diversas outras palavras. Na segunda parte, a criança testa seu conhecimento através de um quiz. “A criança aprende e, ao mesmo tempo, se diverte”, segundo Odara.

Até a primeira semana de dezembro, mais de 600 downloads do Alfabantu já tinham sido registrados. Além de brasileiros, moradores de Angola, Moçambique, Reino Unido, Polônia e Portugal também baixaram o aplicativo.

O casal conta que pretende desenvolver versões mais completas do aplicativo. Além da adição de conteúdos, como cultura africana, querem ampliar o público-alvo, criando versões do Alfabantu para adultos. Contam, ainda, que pretendem criar materiais didáticos do aplicativo que possibilite sua expansão. O objetivo é trazer a África para perto de cada vez mais brasileiros. (Com informações do Jornal da USP).

O aplicativo está disponível para download neste link.

A mídia amiga e o criminoso silêncio


Desde a eleição de Dilma Rousseff, em 2014, até o golpe, em 2016, a mídia tradicional brasileira percorreu os mesmos caminhos da oposição ao governo petista: para não dizer em outras palavras que ela, a mídia, era a própria oposição disfarçada como veículo de conteúdo jornalístico. O discurso midiático, tantas vezes citado pelos parlamentares da então oposição, representava muito mais do que munição; o que na biologia se chama de simbiose; de conchavo, para a política; para muitos uma deflagrada campanha de conspiração que atingiu o seu alvo com a defenestração de Dilma.

Este interim (2014-2016) é apenas um recorte da declarada oposição da mídia tradicional aos governos petistas. Os editoriais dos grandes jornais estão espalhados pela internet e mostram como os chefes de redações, porta-vozes dos proprietários destes grupos, viam os governos de Lula e Dilma. Num período em que a oposição foi dissolvida pela grande popularidade destes governos, a mídia, incansável, continuava fazendo o seu papel que era alicerçar o golpe. Constituía-se, assim, uma oposição simbólica que encamparia o senso comum com a ideia de que o petismo havia instalado a corrupção no país.

Com o início da operação Lava Jato e o estabelecimento de Sérgio Moro como algoz dos corruptores (desde que fossem petistas), a mídia construiu um aqueduto de Curitiba para as grandes redações, de onde vazava informações cotidianas sobre processos, alguns deles em “segredo” de Justiça. Espetaculosas eram as prisões, os mandados de condução coercitiva, o assédio midiático sobre pessoas que depois, se provou, eram inocentes.

A TV Globo recebeu os áudios de uma conversa entre a então presidenta da República com um ex-presidente. E divulgou em seu mais assistido telejornal. Grupos rivais foram à Avenida Paulista, naquele mesmo dia, e por pouco não se criou uma conflagração social no centro de São Paulo. Depois, a própria TV Globo convocou manifestantes às ruas contra o governo e em apoio ao impeachment de Dilma. Não era, entretanto, a primeira vez que aquele grupo de mídia orquestrava um protesto político.

Com a ascensão de Michel Temer ao poder – e com ele as vozes de um reacionarismo doentio –, a mídia vaticinou a recuperação da economia; os grupos de mídia receberam e continuam recebendo verbas publicitárias astronômicas para propagandear que as reformas trarão benefícios ao povo. Enquanto Michel Temer destrói as redes de proteção social instaladas pelos governos anteriores (envolvido em múltiplos escândalos de corrupção que passam longe de qualquer pedalada fiscal), a imprensa solidária tentou esconder as malas de propina.

A mídia nunca questiona o fato de que não há um só político do PSDB preso na Lava Jato. Ou não questiona a proximidade (fotos) do juiz Sérgio Moro com políticos do PSDB; em matéria de blindagem, este falso jornalismo não perde para nada. A mesma gana que tem para blindar os seus favoritos, expõe com ferocidade para atacar os inimigos. Os inimigos declarados da grande mídia são perseguidos por um poder simbólico que mata reputações. Com um timming perfeito entre a hora de atacar quem deve ser atacado e silenciar sobre algo que o brasileiro não deve saber.

O silêncio da mídia tradicional sobre determinados assuntos é sintomático, mas antes de tudo criminoso. É sintomático porque mostra como a mídia neste país sempre teve lado e não é o lado do povo. É o lado das elites dominantes, do poder hegemônico do mercado, das negociatas por dinheiro, dos acordos para manter privilégios. O grande erro dos governos petistas talvez tenha sido a não regulamentação da lei de mídia. Estes monopólios que se impõem sobre os poderes da República não deveriam existir, senão dissolvidos.

O brasileiro é a representação da mídia que consome. Não o incomoda o fato de poucas famílias dominarem o mercado da mídia no Brasil. Não se importa em ver notícias num telejornal cuja imparcialidade não existe. Saber se a mala de propina foi para o presidente não é tão importante quanto saber quem são os jogadores convocados para a Copa. Se o brasileiro é, muitas vezes, fútil, reacionário e desinteressado pela ideia de coletividade, a culpa é da mídia que o forjou assim. E esta sociedade não será diferente enquanto o criminoso silêncio for institucionalizado por quem deveria falar. (Por Mailson Ramos, no Geledés).

Mailson Ramos é relações públicas e editor do site Nossa Política.

(Foto: Reprodução/ Geledés).

Executiva Nacional do PSOL divulga nota defendendo direito de Lula participar das eleições de 2018


O site Rede Brasil Atual reproduziu neste sábado, 13, nota da Executiva Nacional do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em defesa da democracia e do direito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disputar as eleições.  

Os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) vão julgar, no próximo dia 24, em Porto Alegre, o recurso de Lula à sentença do juiz federal de primeira instância Sergio Moro, que o condenou sem provas, por supostas irregularidades envolvendo o tríplex do Guarujá.

O partido, que terá candidato próprio na disputa da eleição para a Presidência da República, acredita que Lula tem todo o direito de participar das eleições de 2018, apresentando suas propostas para o Brasil. “Por isso, denunciaremos a tentativa de restrição desse direito em todos os espaços”, diz o manifesto do Psol.

Confira a íntegra do documento:

O golpe institucional de abril de 2016 abriu um período de novos e profundos ataques à democracia, à soberania e aos direitos sociais. Parte desses ataques se expressa nas tentativas de restringir ainda mais os direitos civis, como demonstram a tentativa de limitação do direito ao habeas corpus ou da aceitação de provas ilegais, proposto pelo Ministério Público, ou as inúmeras condenações baseadas exclusivamente em delações de executivos envolvidos em atos de corrupção promovidos em parceria com agentes públicos, muitas delas sem quaisquer provas.

Parte considerável do Poder Judiciário, dessa forma, expressa também o avanço da agenda que restringe direitos e sufoca a democracia, legitimando o golpe e seu conteúdo reacionário. Enquanto milhares de jovens negros e pobres estão presos sem quaisquer prova, Aécio Neves e Michel Temer, flagrados em áudios que evidenciam diferentes crimes, beneficiam-se da impunidade que protege os ricos.

O inesperado julgamento do recurso do ex-presidente Lula no Tribunal Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, para o mês de janeiro é, no entender do PSOL, parte das tentativas de consolidar o golpe institucional de 2016. A condenação de Lula, em sentença proferida sem quaisquer provas na primeira instância pelo juiz Sérgio Moro, já seria um absurdo jurídico. Mas antecipar o julgamento do recurso para o mês de janeiro, logo após o fim do recesso do Judiciário, representa uma evidente tentativa de influenciar o quadro eleitoral deste ano e impedir o direito de Lula de se candidatar.

O PSOL terá candidatura própria à Presidência da República. Uma candidatura radical, popular e que aponte a necessidade de uma alternativa independente dos trabalhadores e trabalhadoras, sem-teto, sem-terra, da juventude e dos estudantes, das mulheres, negros e negras, da população LGBT e todos os oprimidos, sem se furtar ao debate sobre as diferenças de projeto que existem no campo das esquerdas. Mas acreditamos que Lula tem todo o direito de participar das eleições de 2018, apresentando suas propostas para o Brasil. Por isso, denunciaremos a tentativa de restrição desse direito em todos os espaços.

É preciso derrotar o golpe em todas as suas manifestações e a ofensiva reacionária de parte do Judiciário é uma delas. Nestas circunstâncias, defenderemos os direitos democráticos e o Estado de Direito, com suas imperfeições e limites, jamais aceitando o linchamento político, midiático ou judicial de quem quer que seja. A sociedade não pode aceitar a criminalização sem provas, nem contra Lula, nem contra qualquer cidadão ou cidadã.

Executiva Nacional do PSOL

13 de janeiro de 2018

Para o PSOL, a sentença sem prova de Moro é absurdo jurídico. E antecipar o julgamento do recurso para janeiro é evidente tentativa de influenciar o quadro eleitoral e impedir o direito de Lula se candidatar. (Foto: Roberto Stuckert).

Os 15 anos da Lei que instituiu o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira (Lei 10.639)


O ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana no Brasil celebra bodas desde a data de sua publicação no Diário Oficial da União, em 10 de janeiro de 2003. Lá se vão 15 anos, e a Lei 10.639 simboliza um marco histórico da luta antirracista no Brasil e transformação da política educacional e social brasileira.

A Lei que estabelece diretrizes e bases para a educação nacional, ressalta a importância do ensino da cultura negra direcionado às escolas, espaço onde o negro sempre foi apontado nas aulas de História como escravo. Nunca é demais esclarecer que o negro africano trazido à força para o Brasil e seus descendentes não eram escravos como uma condição natural, submissa, preconceituosa e depreciativa, mas sim escravizados.

Sigamos sempre em frente lutando por uma questão de fundamental importância para o fortalecimento das identidades étnicas afro-brasileiras, para além do efeito histórico afirmativo junto à população brasileira e valorização da contribuição econômica, cultural e social dos negros no processo de formação nacional, essa lei deve ser vista como parte estrutural do complexo de políticas que visam o direito à educação de qualidade para mais de 56% da população brasileira.

Uma conquista do Movimento Negro, hoje a Lei 10.639 ainda não é efetivamente cumprida em função de um conjunto de intolerâncias e discriminações enraizadas na sociedade brasileira. O não cumprimento dessa lei corrobora a história da África não contada no Brasil, que faz com que não tenhamos referências negras nas ciências; nas artes; na política e em tantas outras áreas do conhecimento registradas nos livros didáticos utilizados nas escolas de ensino fundamental e médio. A dificuldade também se encontra no campo de formação da maioria dos educadores, que não reconhecem a importância da história e da cultura africana para a compreensão da verdadeira história do Brasil.

A ausência de referências da história não contada sobre os negros mostra um país que entende que o negro só nasceu a partir da época da escravatura, mas sempre estivemos aqui para buscar as boas práticas que sirvam para que a lei seja efetiva e permanentemente executada.

Nosso trabalho é diminuir essa lacuna por meio de politicas públicas, de ações afirmativas, para que ela nasça com a pele escura e no menor tempo possível se torne negra. É um desafio, mas nós temos que fazer com que sejam cumpridas.

Mas ainda há muito o que fazer e transformar! Contamos com alguns importantes avanços no que se refere ao sistema de reserva de vagas oferecidas nos concursos públicos (Lei 12.990/2014) e o ingresso nas universidades públicas federais do país (Lei 12.711/2012).

Diante do expressivo e recorrente aumento dos casos de fraudes, em parceria com a sociedade civil e demais órgãos ministeriais que trabalham a transversalidade da pauta de promoção da igualdade racial, temos empenhado nossos esforços no monitoramento dessas ações afirmativas e na construção de um instrumento legal que determine que as universidades implementem suas próprias comissões de verificação.

As cotas são necessárias e deram certo. Agora o que precisamos é que as universidades e órgãos públicos possam juntos atuar para garantir o acesso do negro nos espaços acadêmicos e corporativos.

O sistema de cotas foi implantado no Brasil objetivamente para que pudéssemos colocar um negro e um não negro em um mesmo ambiente escolar e mostrar o óbvio, que o intelecto e a capacidade independem da sua cor de pele. O nosso desafio é mostrar para a sociedade que o racismo existe e que, primeiro tem que ser reconhecido para que possamos então, com a execução das políticas públicas existentes, ser o remédio para que as desigualdades realmente sejam superadas.

Jamais venceremos as desigualdades e o racismo latente no Brasil se não tivermos o recorte racial, mas não adianta falar de enfrentamento ao racismo se o Legislativo, Executivo e o Judiciário não se comprometerem com a política de promoção da igualdade racial. Precisamos conscientizar os gestores de que a política de promoção da igualdade racial não é uma despesa, pelo contrário, a criação de órgãos e conselhos de igualdade racial fomentará a movimentação positiva de recursos.

Importante trabalhar de forma justa e igualitária, exigindo que a valorização da diversidade, das relações sociais e identidades, seja muito mais do que um discurso. (Por Juvenal Araújo, no Geledés).

*Juvenal Araújo – É Secretário Nacional de Politicas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). 

Cultura afro-brasileira debatida em sala de aula. (Foto: Reprodução do Kit 'A Cor da Cultura').

A imagem de Bolsonaro não sobrevive a 15 minutos de fama


Acostumado a habitar o breu onde vivem os parlamentares do baixo clero, Jair Bolsonaro é o típico político que sempre aproveitou o fato de ser um insignificante desconhecido para praticar suas mutretas longe dos holofotes da mídia. Foi assim que transformou parentes em CCs, iniciou os filhos na política enquanto carreira e enriqueceu muito no exercício dos mandatos.

Agora o jogo está virando. Se antes apenas seu discurso de ódio contra mulheres, negros e a população LGBT eram conhecidas do público, agora começam a vir à tona elementos ainda mais obscuros de sua trajetória. Em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para presidência da República – retrato da falência política do país, com o crescimento da direita após o fracasso de uma esquerda que se adaptou ao sistema –, Bolsonaro está no centro das atenções. Sua vida pregressa não resiste ao mínimo escrutínio dos jornalistas. A imagem de Bolsonaro não sobrevive a 15 minutos de fama.

Desde que se lançou pré-candidato, atraindo com a forte presença nas pesquisas o interesse da mídia, Bolsonaro teve que responder a uma sucessão de escândalos praticados quando era um ilustre Zé Ninguém na Câmara. O jornal O Globo revelou que o deputado e seus filhos parlamentares empregaram em seus gabinetes uma ex-mulher, uma ex-cunhada e um ex-sogro de Bolsonaro. Em seguida, a Folha de São Paulo apontou que a atual esposa de Bolsonaro foi funcionária de seu gabinete, chegando a receber um salário equivalente hoje a R$ 14,1 mil. Ela só foi exonerada em novembro de 2008, dois meses após o STF regulamentar em súmula o crime de nepotismo na administração pública.

As falcatruas do deputado vêm de longe, antes mesmo de seu ingresso na política. Quando estava no Exército, admitiu ter cometido atos de indisciplina e deslealdade com seus superiores. Foi, inclusive, acusado de elaborar um obscuro plano para explodir bombas em unidades militares. O então capitão foi considerado culpado por um conselho formado por três coronéis, mas acabou sendo absolvido por oito votos a quatro no Superior Tribunal Militar.

Foram os militares que primeiro identificaram em Bolsonaro uma ganância incompatível com a vida nos quarteis. Em 1983, uma ficha de informações produzida pela Diretoria de Cadastro e Avaliação do Ministério da Defesa atestou que o capitão “deu mostras de imaturidade ao ser atraído por empreendimento de garimpo de ouro” e que “deu demonstrações de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente”.

Se a aventura no garimpo e a passagem pelo Exército não renderam a Bolsonaro a riqueza que tanto almejava, a carreira na política, sim. Recente reportagem da Folha de São Paulo demonstra que ele e seus filhos parlamentares são donos de 13 imóveis e acumulam um patrimônio de R$ 15 milhões. Um feito invejável para quem ingressou na política em 1988 com apenas um Fiat Panorama, uma moto e dois terrenos pequenos que valeriam pouco mais de R$ 10 mil hoje em dia.

Bolsonaro fez fortuna na política. Seus sete mandatos de deputado, com salário líquido de R$ 24 mil, além de um soldo de capitão da reserva no valor de R$ 5,6 mil, são sua única fonte de renda declarada. Há forte suspeita de que suas transações imobiliárias sejam pretexto para lavagem de dinheiro e sonegação de impostos – uma prática que o deputado se orgulha de admitir e incentivar.

Uma das mansões de Bolsonaro, em zona nobre do Rio de Janeiro, foi avaliada pela prefeitura em R$ 1,06 milhão. Misteriosamente, o imóvel foi vendido ao deputado por R$ 400 mil – sendo que a proprietária o havia comprado anteriormente por R$ 580 mil.

Não existe caridade no mercado imobiliário. Mas na Câmara dos Deputados, aparentemente sim. Mesmo com imóvel próprio em Brasília desde o fim dos anos 1990, Bolsonaro recebe, auxílio moradia do Congresso, no generoso valor de R$ 4,2 mil. Essa regalia da qual não necessita já rendeu a Bolsonaro e seu filho Eduardo a fortuna de R$ 730 mil desde 1995.

Estas não são acusações, são fatos. Elementos concretos trazidos pela imprensa após breves investigações sobre a vida do segundo colocado nas pesquisas presidenciais. A resposta do deputado a todos estes questionamentos é a mesma e tem a profundidade de um pires. Para Bolsonaro, trata-se de uma conspiração da mídia para assassinar sua reputação.

O pior é que muita gente acredita. A torcida de Bolsonaro nas redes sociais insiste em ignorar as reportagens. Qualifica veículos como Folha de São Paulo e O Globo de “mídia esquerdista” e utiliza como resposta as denúncias contra o ex-presidente Lula – curiosamente, muitas delas bastante noticiadas pela mesma “mídia esquerdista” que também se debruça sobre a vida de Bolsonaro.

Outra consequência da crescente visibilidade de Bolsonaro é uma tentativa patética de suavização de seu discurso. Como se fosse possível esconder embaixo do tapete o deputado que, aos 44 anos, disse ser favorável à tortura e defendeu uma guerra civil que mate pelo menos 30 mil brasileiros, incluindo o então presidente Fernando Henrique Cardoso.

O Bolsonaro-candidato também apresenta uma hipócrita faceta liberal. Uma contradição gritante com sua histórica defesa da ditadura militar, cuja política econômica encontrou no Estado forte seu principal esteio. () Aliás, a confusão política parece fazer parte da trajetória de Bolsonaro, um parlamentar de extrema-direita que já foi um apoiador confesso de Hugo Chávez.

O mais recente capítulo desta farsa ganhou ares tragicômicos, com a filiação de Bolsonaro ao Partido Social Liberal (PSL). Comandado pelo cartola Luciano Bivar – um excêntrico ex-candidato à presidência que em 2006 fez 0,06% dos votos –, o PSL foi entregue a Bolsonaro de uma forma que nem o PEN/Patriota, outro balcão de negócios disfarçado de partido político, aceitou. Como consequência, os liberais puro-sangue abrigados no Livres, que foram ingênuos o bastante a ponto de acreditar que conseguiriam renovar uma legenda de aluguel, saíram do PSL envergonhados pela porta dos fundos. Conhecido entre os liberais gaúchos, Fábio Ostermann perdeu seu partido para Bolsonaro.

Nem mesmo o apelo autoritário e armamentista – última bravata que resta a Bolsonaro – resiste a um olhar sobre seu passado. No dia 4 de julho de 1995, o deputado foi assaltado por dois homens no Rio de Janeiro. Levaram sua moto e, pasmem, sua arma! (Por Samir Oliveira, no Sul21).

*Samir Oliveira é jornalista e militante da Setorial LGBT do PSOL/RS.

Em segundo lugar nas pesquisa de intenção de voto para presidente da república, Bolsonaro está no centro das atenções. (Foto: Guilherme Santos/Sul21).



Jair Bolsonaro emprega servidora fantasma


O presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ) usa verba da Câmara dos Deputados para empregar uma vizinha dele em um distrito a 50 km do centro de Angra Dos Reis (RJ).

A servidora trabalha em um comércio de açaí na mesma rua onde fica a casa de veraneio do deputado, na pequena Vila Histórica de Mambucaba.

Segundo moradores da região, Wal, como é conhecida, também presta serviços particulares na casa de Bolsonaro, mas tem como principal atividade um comércio, chamado "Wal Açaí".

Walderice Santos da Conceição, 49, figura desde 2003 como uma dos 14 funcionários do gabinete parlamentar de Bolsonaro, em Brasília, recebendo atualmente salário bruto de R$ 1.351,46.

Segundo moradores da região, o marido dela, Edenilson, presta serviços de caseiro para Bolsonaro.

O deputado federal mora na Barra Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, e tem desde o final dos anos 90 uma casa de veraneio em Mambucaba.

A Folha falou com moradores da vila, que tem cerca de 1.200 habitantes, segundo a Prefeitura de Angra.

Foram colhidos quatro relatos gravados de moradores confirmando que o marido de Walderice é o caseiro do imóvel de veraneio de Bolsonaro.

As portas do estabelecimento "Wal Açaí", na mesma rua, foram fechadas às pressas nesta quinta-feira (11) assim que se espalhou a informação sobre a presença de repórteres na região.

MUDANÇA DE CARGOS

Os registros oficiais da Câmara dos Deputados mostram que a secretária parlamentar de Bolsonaro passou nesses 15 anos por uma intensa mudança de cargos no gabinete, foram mais de 30.

Em 2011 e 2012 ela alcançou alguns dos melhores cargos –são 25 gradações–, chegando ao topo, SP-25, no segundo semestre de 2012. A função, com salário que pode chegar a R$ 14,3 mil, é normalmente reservada a chefes de gabinete.

A reportagem da Folha esteve em Mambucaba na manhã desta quinta-feira para procurar a funcionária de Bolsonaro.

No caminho para a casa de Walderice, a reportagem a viu saindo da casa do deputado. Ela foi chamada, mas pediu "um minutinho" e entrou de volta no local.

Minutos depois, um outro vizinho de Bolsonaro abriu a porta convidando a Folha para entrar. "Venham conhecer o homem". O presidenciável apareceu em seguida, com um outro auxiliar, que estava com o celular gravando a situação.

Quem estava com as chaves era justamente o marido de Wal.

"Tem jabuticaba aí, Edenilson?", perguntou o presidenciável.

De acordo com depoimentos colhidos pela Folha, o marido da funcionária de Bolsonaro pintou a casa de veraneio recentemente.

OUTRO LADO

O deputado nega que tenha utilizado dinheiro da Câmara para pagamentos de serviços da casa e que Walderice seja uma funcionária fantasma.

Perguntado sobre qual seria o trabalho desempenhado por ela, Bolsonaro respondeu: "Ela reporta a mim ou ao meu chefe de gabinete qualquer problema na região".

"Não tem uma vida constante nisso. É o tempo todo na rua? Não. Ela lê jornais, acompanha o que acontece".

A reportagem pediu ao presidenciável algum exemplo de serviços parlamentares prestados pela funcionária.

"Peraí, ela fala com o chefe de gabinete", se limitou a dizer.

"Como é que eu vou saber? Se eu mantiver um contato diário com meus 15 funcionários, eu não trabalho".

Bolsonaro foi questionado sobre as diversas movimentações salariais que fez para Walderice ao longo dos quase 15 anos de trabalho prestado.

"O que de vez em quando acontece: um funcionário é demitido. Aquela verba que "sobra" então a gente destina para um [outro] funcionário, por pouquíssimo tempo. Tem uma verba fixa para pagar funcionários. Ganha tão pouco, por que não posso dar uma ajuda por dois, três meses?. Em vez de pagar R$ 1.300, paga R$ 1.500 ou R$ 2.000".

Sobre o marido, Bolsonaro negou que ele seja caseiro da casa, mas afirmou que Edenilson o ajuda na casa, inclusive dando comida para os cachorros.

"Não vai querer mover uma ação trabalhista porque ele vem duas ou três vezes por semana aqui."

Em um vídeo publicado no Facebook nesta quinta, Bolsonaro diz que sua casa em Angra "é onde, segundo a Folha de S.Paulo, eu tenho uma mansão". A reportagem da Folha escreveu que o deputado declarou um terreno na região em 1998. Incluiu o imóvel na relação do total de 13 da família Bolsonaro, sem chamá-lo de "mansão".

Bolsonaro afirma ainda que os repórteres do jornal estiveram no local para conferir a "mansão". A reportagem visitou a região com o objetivo de confirmar se a funcionária do seu gabinete realmente vive e trabalha na mesma rua da residência do deputado. (Com informações da Folha de S. Paulo).


Mulheres fecham às pressas loja de açai da secretária parlamentar de Bolsonaro, na vila de Mambucaba.
(Foto: Folhapress).


Nas eleições, o Brasil estará entre um futuro e a mesmice


(Paulo Pinto/ Fotos Públicas).

A leitura dos intérpretes do Brasil, particularmente de Raymundo Faoro, nos permite concluir que a história brasileira anda em círculo e, a rigor, permanece sempre no mesmo lugar. Não há uma espiral capaz de projetar o País para o futuro. De décadas em décadas ocorrem pequenas rupturas na linha desse círculo, mas logo são recompostas, seja pela via do recurso às armas, seja de arranjos conciliadores ou de golpes parlamentares-judiciais, como foi o último caso.

O caráter circular da história brasileira é impositivo, determinado pela vontade das elites, cujos grupos hegemônicos podem variar, mas mantêm sempre o mesmo objetivo: aprisionar o Estado e usá-lo como instrumento de acumulação de capital, numa relação de extorsão contra a sociedade e contra os trabalhadores, lançando mão de vários mecanismos para alcançar as metas.

Os resultados desses processos têm se traduzido na ausência de um Estado universalizante, na precariedade dos direitos sociais, civis, quando não dos políticos. Numa ordem jurídica e policial enviesada contra os pobres, os índios, os afrodescendentes, as mulheres e outros grupos minoritários. Na perpetuação da desigualdade e da pobreza. No fomento proposital na produção de carências em áreas como saúde, educação e cultura. Na inviabilização do desenvolvimento industrial e tecnológico e na degradação ambiental.


A história tem mostrado que os grupos de interesse que lideram esse verdadeiro assalto ao Estado se alternam e se compõem, ora as elites agrárias, o estamento, setores industriais, comerciais, militares, setores financeiros, e assim por diante. De modo geral, esses setores se compõem com interesses internacionais de forma subalterna para bloquear a projeção global do País.

O tucano Alckmin provavelmente absolverá os votos anti-Lula. Dúvida: Ciro Gomes e o ex-presidente serão capazes de formar uma aliança? (Foto: José Antônio Teixeira e Wanezza Soares).
Os instrumentos fiscais regressivos, os subsídios, políticas públicas igualmente regressivas, a sonegação e a corrupção são os meios prediletos que esses grupos utilizam para se apoderar dos recursos retirados da sociedade, intermediados pelo Estado e entesourados e capitalizados por essas facções predatórias das elites.

A livre competição de mercado por meio de métodos racionais e um capitalismo ascendente orientado pela inovação passam longe das terras brasileiras. O discurso liberal sempre foi uma farsa para acobertar o assalto aos recursos públicos. Os destinos do Brasil enquanto nação, o seu lugar no mundo e o bem-estar do povo não são preocupações fundamentais desses grupos particularistas.

Apenas em três momentos foi possível produzir tênues rupturas na linha circular da nossa história: com Getúlio Vargas, que teve de lançar mão de instrumentos de força para se impor. Com João Goulart, que chegou à Presidência pelas circunstâncias do acaso.

E com Lula, que, pela sua liderança e seu carisma, gerou imensa esperança entre os pobres e espoliados do nosso povo. Apesar de se compor com grupos das elites, a continuidade desses processos no sentido de usar o Estado como meio de universalização de direitos, de justiça e de igualdade foi interrompida pelos golpes militares ou judicial-parlamentares.

A condição necessária para o Brasil ter um futuro minimamente razoável consiste na superação da pobreza e da desigualdade, na garantia de direitos, na revolução educacional (condição de um salto tecnológico) e no acesso à saúde e educação para o povo. Somente a superação desse nó será capaz de gerar emprego, renda e inclusão de forma mais sustentável e, consequentemente, o desenvolvimento econômico e social.

A grande batalha política e ética de 2018 consiste em saber se faremos uma aposta nessa possibilidade de futuro ou se vamos permanecer na mesmice do círculo histórico que nos aprisiona. A questão dramática que se apresenta é que ainda estão em curso desdobramentos do golpe judicial-parlamentar, cujo principal ponto consiste em barrar a candidatura do único com chances eleitorais de chegar lá e provocar uma fenda nesse círculo perverso: Lula.

Com Lula na liderança de todas as pesquisas, com Jair Bolsonaro em segundo lugar, com o governo incapaz de gerar um polo atrativo de poder, com um candidato de centro-direita como Geraldo Alckmin apresentando dificuldades e com o fracasso do aventureirismo do novo via João Doria e Luciano Huck tem-se aqui um retrato de como deverá marchar o cenário até o início da campanha. Podem surgir em variações aqui e ali, se apresentarem novos candidatos, mas mudanças substantivas deverão ocorrer  somente após o início da campanha. A Lava Jato deve continuar a produzir alguns efeitos sobre esse ambiente.

Se o cenário se definir em torno das candidaturas que estão mais ou menos postas, sem a entrada de uma grande novidade, de um outsider que tenha a capacidade de desequilibrar, mesmo com todas as dificuldades apresentadas pela candidatura Alckmin, o fato é que o efeito contágio que a figura de Temer e de seu governo suscitam deve levar o centro-direita a se articular com o candidato tucano em uma chapa PSDB-PMDB. Seria a chapa do golpe. Assim, aos  poucos, Alckmin tenderá a ser o desaguadouro das articulações e dos votos anti-Lula. Sem estrutura e com um perfil agressivo que beira a violência, Bolsonaro irá aos poucos se desinflar.

Não se pode aceitar com naturalidade um Judiciário parcial, liderado pelo STF, que rasgou a Constituição em diversos momentos ao longo dos últimos anos. (Foto: Nelson Jr/STF).
Se nada de extraordinário surgir, a tendência é a de que haverá um segundo turno entre Lula e Alckmin, repondo a polarização das duas últimas décadas. Além da movimentação dos candidatos, haverá uma disputa preliminar para a montagem das duas frentes. Lula deveria buscar agregar todo o campo democrático e progressista e tentar cindir o PMDB, capturando parte dele.

Uma questão que surge é se Lula e Ciro Gomes poderão se compor. Do ponto de vista dos interesses sociais e do futuro do País, a composição é desejável e necessária. As idiossincrasias pessoais de um e de outro deveriam se submeter aos ditames do interesse da sociedade. Líderes autênticos, em regra, devem submeter os seus humores pessoais às determinações dos interesses da sociedade e do País.

O campo que apoia Lula precisa enfrentar outras batalhas.

A mais importante consiste em garantir sua candidatura, mesmo que pela força das mobilizações de rua. A interdição de sua candidatura deve ser algo inaceitável e essas forças devem estar dispostas a produzir um impasse se sua candidatura não for acolhida. É preciso deixar claro que uma eleição sem Lula será ilegítima e que isso abrirá as portas para a desobediência civil e para a exasperação dos conflitos sociais e políticos.

Não se pode aceitar naturalmente as decisões e o jugo de um Judiciário parcial e persecutório, que contribuiu para destruir a constitucionalidade do País. Um Judiciário que tem na sua cumieira o STF, que rasgou a Constituição ao entregar ao Senado e à Câmara dos Deputados o poder de decisão judicial para salvar Aécio Neves e outros corruptos.

O outro desafio da candidatura Lula consiste em construir um programa que supere os limites do que foram os 13 anos de governos petistas. Além de enfrentar de forma mais contundente os desafios da desigualdade, da pobreza, do trabalho, da renda, dos direitos, com destaque para educação e saúde, esse programa deveria ter uma forte ênfase reformista.

Em dois sentidos: 1. Remoção dos mecanismos iníquos que geram a desigualdade e a injustiça. 2. Reconstruir as instituições e a economia, buscando criar um Estado ágil, eficaz e confiável e uma economia sustentável, compatibilizada com os desafios tecnológicos, sociais e ambientais do século XXI.

Somente assim o Brasil poderá almejar um lugar melhor no mundo. As candidaturas dos partidos de esquerda terão um papel importante para pressionar Lula e o PT a saírem dos limites a que se enredaram nos 13 anos de governos petistas. Farão isso se apresentarem programas sérios, viáveis e se fizerem um debate convincente com a sociedade. (Por Aldo Fornazieri, na CartaCapital).

*Aldo é professor da Escola de Sociologia e Política (FespSP)