Desde
a eleição de Dilma Rousseff, em 2014, até o golpe, em 2016, a mídia tradicional
brasileira percorreu os mesmos caminhos da oposição ao governo petista: para
não dizer em outras palavras que ela, a mídia, era a própria oposição
disfarçada como veículo de conteúdo jornalístico. O discurso midiático, tantas
vezes citado pelos parlamentares da então oposição, representava muito mais do
que munição; o que na biologia se chama de simbiose; de conchavo, para a
política; para muitos uma deflagrada campanha de conspiração que atingiu o seu
alvo com a defenestração de Dilma.
Este
interim (2014-2016) é apenas um recorte da declarada oposição da mídia
tradicional aos governos petistas. Os editoriais dos grandes jornais estão
espalhados pela internet e mostram como os chefes de redações, porta-vozes dos
proprietários destes grupos, viam os governos de Lula e Dilma. Num período em
que a oposição foi dissolvida pela grande popularidade destes governos, a
mídia, incansável, continuava fazendo o seu papel que era alicerçar o golpe.
Constituía-se, assim, uma oposição simbólica que encamparia o senso comum com a
ideia de que o petismo havia instalado a corrupção no país.
Com
o início da operação Lava Jato e o estabelecimento de Sérgio Moro como algoz
dos corruptores (desde que fossem petistas), a mídia construiu um aqueduto de
Curitiba para as grandes redações, de onde vazava informações cotidianas sobre
processos, alguns deles em “segredo” de Justiça. Espetaculosas eram as prisões,
os mandados de condução coercitiva, o assédio midiático sobre pessoas que
depois, se provou, eram inocentes.
A
TV Globo recebeu os áudios de uma conversa entre a então presidenta da
República com um ex-presidente. E divulgou em seu mais assistido telejornal.
Grupos rivais foram à Avenida Paulista, naquele mesmo dia, e por pouco não se
criou uma conflagração social no centro de São Paulo. Depois, a própria TV
Globo convocou manifestantes às ruas contra o governo e em apoio ao impeachment
de Dilma. Não era, entretanto, a primeira vez que aquele grupo de mídia
orquestrava um protesto político.
Com
a ascensão de Michel Temer ao poder – e com ele as vozes de um reacionarismo
doentio –, a mídia vaticinou a recuperação da economia; os grupos de mídia
receberam e continuam recebendo verbas publicitárias astronômicas para
propagandear que as reformas trarão benefícios ao povo. Enquanto Michel Temer
destrói as redes de proteção social instaladas pelos governos anteriores
(envolvido em múltiplos escândalos de corrupção que passam longe de qualquer
pedalada fiscal), a imprensa solidária tentou esconder as malas de propina.
A
mídia nunca questiona o fato de que não há um só político do PSDB preso na Lava
Jato. Ou não questiona a proximidade (fotos) do juiz Sérgio Moro com políticos
do PSDB; em matéria de blindagem, este falso jornalismo não perde para nada. A
mesma gana que tem para blindar os seus favoritos, expõe com ferocidade para
atacar os inimigos. Os inimigos declarados da grande mídia são perseguidos por
um poder simbólico que mata reputações. Com um timming perfeito entre a hora de
atacar quem deve ser atacado e silenciar sobre algo que o brasileiro não deve
saber.
O
silêncio da mídia tradicional sobre determinados assuntos é sintomático, mas
antes de tudo criminoso. É sintomático porque mostra como a mídia neste país
sempre teve lado e não é o lado do povo. É o lado das elites dominantes, do
poder hegemônico do mercado, das negociatas por dinheiro, dos acordos para
manter privilégios. O grande erro dos governos petistas talvez tenha sido a não
regulamentação da lei de mídia. Estes monopólios que se impõem sobre os poderes
da República não deveriam existir, senão dissolvidos.
O
brasileiro é a representação da mídia que consome. Não o incomoda o fato de
poucas famílias dominarem o mercado da mídia no Brasil. Não se importa em ver
notícias num telejornal cuja imparcialidade não existe. Saber se a mala de
propina foi para o presidente não é tão importante quanto saber quem são os
jogadores convocados para a Copa. Se o brasileiro é, muitas vezes, fútil,
reacionário e desinteressado pela ideia de coletividade, a culpa é da mídia que
o forjou assim. E esta sociedade não será diferente enquanto o criminoso silêncio
for institucionalizado por quem deveria falar. (Por Mailson Ramos, no Geledés).
Mailson
Ramos é relações públicas e editor do site Nossa Política.
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(Foto: Reprodução/ Geledés). |