13 de julho de 2016

Como o idiota fascista é produzido historicamente em 5 maneiras, por Douglas Rodrigues Barros*



Quando Adorno escreveu Educação após Auschwitz, ele tinha como objetivo prevenir a catástrofe fascista. O crítico chamava a atenção para a importância da análise sociológica como aquela que informaria “sobre o jogo de forças localizado por trás da superfície das formas políticas”. Com efeito, um sintoma de proto-fascismo se evidencia quando a sociologia é posta em dúvida, ou é alvo de piadas em alguns centros de risadas forçadas e irreflexivas.

Publicado originalmente no Negro Belchior

Não é à toa que o que se oculta no interior do programa Escola sem Partido é, na verdade, aquele incomodo sexagenário gerado pelo retorno da filosofia e da sociologia à “grade” curricular. Os defensores de tais programas revelam assim seus inconfessáveis desejos de ver a velha Educação Moral e Cívica que, subserviente a interesses escusos, – esta sim – doutrinava e excluía de si toda a dúvida. O que estes temem de fato é a potencialidade crítica da dúvida que essas matérias promovem no interior da sala de aula, gerando inclusive o inconformismo dos estudantes ante a total desagregação da educação pública no país. Mas isso será tema de um próximo artigo.

Por enquanto falemos da gravidade da situação política que se espalha não só pelo Brasil, mas pelo mundo como um todo. O fascismo sem dúvida é uma idiotice. No entanto, é uma idiotice que não se pode, em hipótese nenhuma, ser subestimada. Quando um aloprado deputado, que cospe reacionarismo, se joga, tal como um rockstar, da carroceria de um caminhão e se estabaca no chão sobre o aplauso e histeria de centenas de seguidores, apesar da grotesca cena e da babaquice em questão, é um sintoma para ser levado a sério.

Uma das questões mais importantes que o fascismo nos legou é que, apesar das formas grotescas de sua expressão, ele deve ser objeto de denuncia constante. Afinal, na Alemanha pré-nazista ninguém levava a sério um baixinho de bigode raspado, com estandartes ridículos que esbravejava impropérios contra a civilização, querendo romanticamente uma sociedade na qual o super-homem nietzschiano – obviamente integrado e desvirtuado pela ideologia nazista – teria espaço.

Nesse sentido, o que apresento aqui é uma síntese cabível neste espaço sobre como o fascismo é produzido na oficina da história pela crise e falta de perspectiva. Aqueles que se interessarem pelo tema e quiserem se aprofundar podem pesquisar não apenas Adorno e os escritos da, vulgarmente chamada, Escola de Frankfurt, como também, um dos livros mais sagazes e profundos sobre o fascismo: Labirintos do Fascismo de João Bernardo.

Vamos às cinco características:

1 – O fascismo é uma revolta dentro da ordem
Ele aparece como uma potencialidade de transformação, mas esbarra nos limites de uma mudança feita para nada mudar. Isso porque seus adeptos geralmente esbarram em questões que pairam na superficialidade dos problemas. Numa moralização unilateral que evidencia somente os aspectos mais pragmáticos e, por isso, propagandísticos nas crises políticas e econômicas. Por exemplo:o principal motor da xenofobia em 1930 e na presente fascitização europeia e paulista é enxergar o problema do desemprego no imigrante e não na crise estrutural pelo qual passa a economia. Do mesmo modo, a propaganda contra a corrupção se torna unilateral. Ela não denuncia que a própria engrenagem político-econômica fomenta a corrupção como algo necessário para sua própria manutenção.

2 – O fascismo é fenômeno de crise e falta de perspectiva de mudanças profundas

O fascismo nasce de alguns desastres históricos. Não apenas de uma profunda crise econômica, mas de uma crise político-social que lá atrás arrastou a Europa para a Grande Guerra. E o horizonte hoje com o começo da dissolução da zona do euro e ressentimentos de toda ordem não se apresenta tão diferente. Do mesmo modo, a crise estrutural no Brasil fomenta atividades e ressentimentos de classe e posições altamente conservadoras e reacionárias. Separatismo e paixões provincianas, além do nacionalismo tacanho, marcam também algumas de suas características fundadas na falta de perspectivas reais de melhorias.

3 – As instituições democráticas são irrelevantes para o fascista

Já em 1921 Benito Mussolini discursava marcando algumas características que permeariam a noção do ser fascista: “Estaremos com o Estado e a favor do Estado sempre que ele se mostrar um guarda intransigente” dizia o idealizador fascista, “mobilizar-nos-emos contra o Estado se ele vier a cair nas mãos de quem ameaça a vida do país e atenta contra ela”. Com certeza, uns cem números de leitores dessa revista devem ter gostado e simpatizados com a fala do líder, Mussolini, que muito tem em comum com aquele outro que deu de cara no chão.De um lado, o respeito pelas instituições democráticas só é feito tendo em vista a participação dos próprios fascistas na partilha do poder. Por outro lado, o fascismo pretende substituir o poder estatal quando a democracia não compartilhar de suas crenças.

4 – O fascismo avança quando os progressistas retrocedem

A partir dos duros golpes sofridos e no retrocesso da tentativa de superar a desigualdade histórica; a ideia de uma revolução dentro da ordem, para salvaguardar a sociedade do comunista comedor de criancinhas, se consolida e ganha aos poucos as mentes e os corações.A assim chamada “revolta dentro da ordem” como uma das características centrais do fascismo assume muitos dos aspectos tradicionais da luta dos trabalhadores, mas para colocá-lo na perspectiva da ordem da economia imperante. Assim, quando uma massa amorfa de verde-amarelo sai as ruas e utiliza palavras de ordem e formas de luta tradicionalmente de esquerda (como por exemplo a ocupação da Paulista) ela não está sendo original, esse caminho já é conhecido.

5 – O ser fascista detém a capacidade de maquinar, remodelar e recriar fatos históricos e corriqueiros

Nenhuma outra corrente política recorreu tanto a estetização da política como forma de impor seu pensamento, em termos mais simples, nenhuma outra corrente recorreu tanto a possibilidade de ludibriar, mentir e persuadir aqueles que querem. Como nos mostra João Bernardo (2015): a versatilidade das palavras, a possibilidade de moldá-las a seu favor e unir isso a uma propaganda massiva foi um dos grandes atributos do fascismo, assim como; escrachar figuras públicas, criar factoides e manipular dados.

Qualquer semelhança com nossa época atual não será mera coincidência.Os números oficiais indicam que todos os dias morrem duas pessoas por erros policiais. A cada dez minutos uma pessoa é assassinada no Brasil, o Anuário de segurança pública revela ainda que, por dia, seis pessoas foram assassinadas por policiais no Estado de São Paulo em 2013. Acaba de sair uma matéria no New York Times indicando que o Brasil é o país mais perigoso do mundo para os homossexuais. De tal maneira, qualquer estudo mínimo sobre as estatísticas da guerra particular no Brasil revela os horrores instaurados e provenientes de uma ditadura não encerrada.

Não faz muito tempo, entretanto, que tal violência, pelo menos no nível do discurso, era combatida, mesmo pelos meios hegemônicos de comunicação de massa.Atualmente, porém, parece que algo se alterou no quadro de interesses da elite sempre conservadora do país. Agora a carnificina diária apreciada e difundida pelos programas policialescos instaura um sentimento de terror que se orienta na criação de um inimigo comum. Aonde isso vai dar, eis a questão, se é fascismo ou não, é um problema a se pensar. Talvez seja algo ainda pior, posto que não identificado, mas, já amplamente naturalizado.

*Escritor e mestre em filosofia, atualmente é doutorando em ética e filosofia política pela Universidade Federal de São Paulo.




12 de julho de 2016

Condutores/as de trilhas de Altaneira promoverá I colônia de férias


Nos dias 22 e 23 do corrente mês o grupo de Condutores/as de Trilhas e Esportes de Aventura de Altaneira, estará disponibilizando diversas atividades de lazer com base no turismo comunitário, proporcionando o conhecimento e prática dos esportes aos participantes da localidade e visitantes.
Texto de Francilene Oliveira*

O evento terá inicio na tarde da sexta-feira (22) com uma caminhada na Trilha do Sitio Poças, uma roda de conversa com os condutores/as, culminando com um acampamento dentro da trilha. No sábado, após o café da manhã, o grupo se desloca até a Pedra dos Dantas Sitio Taboca, onde haverá local prática de Rapel. À tarde as atividades se encerram com a prática do Arvorismo na trilha do Sitio Poças. Ainda será disponibilizado o slackline para a prática no primeiro dia de atividades. A alimentação será advinda da Agricultura camponesa e Orgânica sob-responsabilidade de Jõao Bel e Família.

As inscrições já estão abertas e estão sendo realizadas na Fundação Arca com um dos condutores, João Paulo Silva. Os interessados podem ainda entrar em contato pela página Acontrial Altaneira na rede social Facebook.

O grupo Acontrial é formado por jovens e adultos que na preocupação com o bem está socioambiental se dispõe ir além de uma atividade de condução de trilha e uma atividade de esportes de aventura. Se articulando com base no  turismo comunitário, buscando contribuir com os meios educacionais, dentro e fora deles, com uma integração entre ambos.

*Francilene Oliveira é membra da Acontrial e estudante do curso de História da Universidade Regional do Cariri (URCA).

Imagem retirada da página da Acontrial no facebook




Leandro Karnal: Por que deixarmos de ser autônomos para servir a modelos impostos?



Com base no livro “Discurso sobre a servidão voluntária”, o professor Leandro Karnal traçou um paralelo entre os ensinamentos de Étienne la Boétie e o período atual.

Hitler não teve acesso à quantidade de informações que hoje qualquer central de telefonia tem hoje. Somos o que Étienne temeu: uma sociedade feliz com tiranos no controle.

Publicado no Portal Raízes

A violência não garante o controle. Segundo a vontade do estado, é preciso que as pessoas concordem e gostem de ser controladas.

O exemplo da servidão voluntária contemporânea é informar ao mundo o que consumimos pelas redes sociais. “Ninguém me obrigou a dar essa informação, mas eu dou”. Francis Bacon dizia que conhecimento é poder.

Ser livre nos torna responsáveis por nossas escolhas. Por isso, casamentos arranjados raramente dão errado: nada espera-se deles.

A liberdade é responsabilidade: quanto mais ofereço chance de as pessoas escolherem, mais angustiadas elas ficam. As escolhas nos tornam sujeitos, mas também objetos. O impulso de ser um sujeito por uma escolha nos tornam também objetos do consumo.

A servidão, por sua vez, pode ser uma zona mais confortável que a liberdade. Boétie falou sobre o incômodo da liberdade séculos antes de Sartre. Os tiranos precisam de assessores. Precisam de um grupo que os apoie. Quanto mais sou oprimido, mais eu tiranizo também. Assim os tiranos se multiplicam. Cada um pisa naqueles que é possível. O mais subserviente dos gerentes é aquele que pisa no faxineiro.

Sejam resolutos em não servir e vocês serão livres. A função do estado é ser tirano. Precisamos pensar na nossa liberdade diante deste estado e parar de seguir gurus de moda, de comportamento, de gastronomia.


11 de julho de 2016

O multiculturalismo venceu a Eurocopa, por Jean Wyllys


É simbólico que o momento decisivo da última Eurocopa tenha sido o gol de um imigrante, Éder, nascido na ex-colônia portuguesa de Guiné-Bissau. Exatamente agora, quando forças como Boris Johnson, no Reino Unido, e Marine Le Pen, na França, destilam seu ódio aos estrangeiros, o mundo recebe um forte sinal do quanto essas populações imigrantes foram fundamentais para construção de quase tudo que é mais importante para o Ocidente.

Acostumamo-nos ao longo dos últimos meses aos discursos demagógicos que apontavam a chegada de imigrantes como o fator responsável pela crise econômica nos países desenvolvidos. Muito embora os estrangeiros ainda representem pequena parcela do total na população desses países, são eles que boa parte dos políticos mais queridos pela nova direita radical responsabilizam pelas perdas do mercado.

Publicado originalmente em sua página no facebook

Na verdade, a crise enfrentada na Europa é de responsabilidade daqueles que mais ganharam dinheiro nos tempos de bonança. Foram os mais ricos que nos tempos de crescimento europeu acumularam recursos retirando a possibilidade de melhora do restante da população e prejudicando a capacidade dos estados de manter seus programas de bem estar social. Se faltam empregos agora, não é porque imigrantes estão ocupando os postos de trabalho. É porque novos postos não estão sendo abertos e antigos estão sendo deslocados com o objetivo de aumentar margens de lucro.

Portanto, é preciso repelir acusações racistas de que um perfil específico de pessoas na população é a origem de todos os males sociais. Assim como há brasileiros de todos os tipos de pensamento e comportamento, há imigrantes com essa mesma diversidade. Estrangeiros não são simples hospedeiros de uma nova cultura para substituir a outras. São indivíduos que trazem de outras origens saberes que se chocam com os nossos para produzir novas e melhores sínteses.

Eis a dinâmica multiculturalista que o mundo globalizado e conectado em rede nos impõe. Pessoas com diferentes ideias estranham mutuamente seus comportamentos para produzir acúmulos mais sofisticados quanto ao seu comportamento. No exercício da tolerância organizamos melhor nossas diferenças para um objetivo comum. Essa é a receita do sucesso econômico de cidades como São Paulo, Londres ou Nova Iorque.

No atual estágio de conexão alcançado pelos transportes e a comunicação, especialmente a internet, já está claro que negar a participação de estrangeiros na dinâmica social significa dar as mãos ao atraso. O dinamismo dessa nova aldeia global que emerge no século XXI é dado pela organização das nossas diferenças para construção de um bem comum. Quando Éder se fez decisivo nesta Eurocopa, independente da importância que o futebol tem para cada um de nós, o recado foi claro. De algum modo somos todos imigrantes, herdeiros de tradições que não eram nossas, mas que são essenciais na significação de quem somos e de para onde caminhamos.


A juventude negra e suas novas formas de fazer política


Nos últimos anos, os debates a respeito da estética negra no Brasil cresceram muito a partir do fenômeno que uns chamam de “afrontamento”, outros de “afrotombamento”, mas que refletem um momento em que pessoas negras passam a assumir com fôlego sua identidade racial. O processo de alisamento capilar dos cabelos afros que sempre foi invisibilizado nos espaços de diálogos da política, foi consequência de uma imposição social eurocêntrica que atingiu com intensidade a vida de milhares de negras e negros.

Publicado originalmente no Blogueiras Negras

Os cabelos naturais, sejam crespos ou cacheados, passaram a ser afirmados como símbolos de resistência e representação no meio social, após constantes lutas dos movimentos negros no Brasil e do mundo. Com a ascensão da cidadania do povo negro através das políticas de transferência de renda dos governos democráticos de Lula e Dilma, muitos se sentiram mais seguros para assumirem sua identidade e valorizar a cultura afro-brasileira. Esse processo de transição impulsiona o auto reconhecimento e, portanto, influencia diretamente na autoestima dessa população.

Somos maioria populacional e minoria nos espaços de representatividade. Este fator atingiu nossa subjetividade a tal ponto, que por muito tempo tivemos medo, vergonha e muita insegurança para nos colocarmos na sociedade; precisávamos nos embranquecer, mesmo que inconscientemente, seja alisando o cabelo, seja maquiando traços negroides, seja se dizendo pardo, mulato mas não negro. Esta crise de identidade é fruto do padrão perverso imposto pela elite que discrimina e menospreza a ancestralidade negra nos direcionando à subalternidade.

Conforme bell hooks afirma em “Alisando os nossos cabelos”. Apesar das diversas mudanças na política racial, as mulheres negras continuam inseguras com os seus cabelos, o alisamento ainda é considerado um assunto sério e que precisa ser debatido de forma profunda. É perceptível a insistência em se aproveitar da insegurança que nós mulheres negras sentimos com respeito a nosso valor na sociedade de supremacia branca.

Mas o que a geração tombamento tem a ver com a politica? Qual a pauta que organiza essa juventude com a estética empoderada?

A juventude no combate ao racismo, ao machismo e à LGBTfobia tem buscado deixar de ser doutrinada pelas opressões de classe, raça, sexualidade e gênero. A “Geração Tombamento” vem conseguindo ser importantes transgressões politicas: pra nós, estar na rua com nossos cabelos crespos coloridos, usar pinturas que resgatam elementos da cultura africana, ouvir música negra já é por si só uma atitude transgressoras que tem impacto sobre este tempo histórico.

O fenômeno do textão nas redes sociais, as diversas narrativas de pessoas negras em busca de desconstrução publicando suas vivências importantes, são fatores que vem fortalecendo a luta contra o epistemicídio historicamente colocado para a memória do do povo preto. A cultura da oralidade ganha dimensões impressionantes com o surgimento e popularização das tecnologias da comunicação, com a massificação da internet, e precisamos nos debruçar sobre essa potência por contações que sejam de fato construída por nós.

O debate da estética negra não é novo para o Movimento Negro. Desde os anos 70, Os Panteras Negras protestaram contra as indústrias que naquela época já emitia meios de imposição a um padrão estético eurocêntrico. A ex-Pantera Negra Kathleen Cleaver, em “TOMBAMENTO OLD SCHOOL”, fala que as pessoas negras estão conscientes agora de que sua aparência é bonita e as pessoas brancas estão cientes também, porque até os brancos querem usar o cabelo natural, tentando inclusive se apropriar de nossos símbolos de luta e resistência, esvaziando-os e transformando em moda comercial.

Tombamento é uma termo que caracteriza as novas formas de organização dessa juventude negra que hoje constrói linguagens de resistência e tem se tornado referência em todo o país. Esta onda de empoderamento tem impacto na politica e na produção cultural, com a criação de movimentos auto-organizados tais como as marchas do empoderamento/orgulho crespo e as festas como a Batekoo, Tombo e Afrobapho, que resgatam e atualizam a concepção de baile negro muito comum no brasil nos anos 80 e 90.

Lorena Lacerda integrante da comissão da Marcha do Empoderamento crespo em seu artigo “Parem de criticar a geração tombamento”, traz uma abordagem que nos interessa: “Os nossos cabelos eram/são vistos como “ruins”, “duros”, “bombril”, “pixaim”, “rompe fronha” e diversos outros nomes depreciativos que nos faziam/fazem ter baixa estima de ser quem somos: negros. Hoje, e aos poucos, estamos recuperando a nossa própria autoestima, e o primeiro passo se dá através da nossa estética”.

É interessante pensarmos quão potente é a ressignificação do termo “Tombar”, durante muito tempo usado para banalizar as milhares de mortes de pessoas negras no Brasil: trata-se de jovens dizendo que “já que é pra tombar, tombamos”, mas não nas valas de esgoto das marginais urbanas e nem no conflito entre a polícia e o crime organizado, tombamos ao entrar na universidade, ao assumirmos nosso cabelo, ao ocuparmos os espaços da política, ao sobrevivermos, ao afrontarmos o racismo com coragem e irreverência, fazendo de nossos próprios corpos instrumento de luta reconstruindo identidade e afirmando a ancestralidade historicamente negada na sociedade.

Engana-se quem resume o debate da estética como algo superficial, não podemos deixar de ressaltar que muitas pessoas negras passam a compreender o racismo quando deixam de alisar o cabelo e os textões demonstram essa necessidade de compreender as opressões estruturadas na sociedade para desconstruí-las. Além disso, a estética é uma faceta importante do que se entende por moral e ética numa sociedade, não à toa a dominação econômica das classes e raças dominantes sempre vieram carregadas de signos. A estética não é abstração, é concreto, e no caso de pessoas negras, é algo que tem impacto forte sobre nossa vida, saúde e desenvolvimento social, pois a estética é a relação do imaginário social com o ajuizamento de valores de beleza, de bondade, etc.

A geração tombamento tem sido muito criticada e desvalorizada por ser uma nova forma de organização e mobilização pras lutas, mas tanto o movimento negro mais tradicional que inclusive é referência para essa geração, quanto a esquerda branca precisam entender que essa linguagem vem organizando pessoas e tem sido responsável por expor e formular cada vez mais a respeito dessas opressões conseguindo agregar ao combate ao racismo sobretudo por ter uma linguagem jovem, da periferia e que falam das suas vivências demonstrando a proximidade na pauta.

Não é por acaso que hoje nas redes sociais maioria dos jovens debatem racismo, machismo e lgbtfobia, isso surge a partir da compreensão de que existe uma juventude negra que morre todos os dias na periferia, que sofre racismo por sua estética afirmada e compreende o processo histórico opressor não permitindo mais nenhuma forma de silenciamento.

Somos uma juventude que busca representatividade com a mesma urgência com que lutamos por sobrevivência. Deslegitimar o debate da geração tombamento é uma mera reprodução do racismo, além de miopia política. Somos uma geração que subvertemos muitas das imposições do capitalismo em nossa vida, a exemplo do consumo, para criar novas formas de resistência: comprar um batom roxo ou uma tinta azul para pintar o cabelo não tem o mesmo sentido que comprar uma química para alisá-lo ou gastar muito dinheiro no salão de beleza para conseguir ficar em paz na faculdade ou no ambiente de trabalho.


Estamos gerando uma nova lógica, estamos reinventando nosso lugar de estar no mundo e para isso, queremos mais respeito, sobretudo dos setores progressistas do Brasil. Para nós, não morrer é tão importante quanto nos empoderar, e isso passa sim pela nossa estética, pela nossa auto-estima, pelo nosso amor próprio.

Jovens discutem extermínio da juventude negra. Foto: divulgação.

O ato de votar


Com a aproximação das eleições, marcada para outubro deste ano, não sei se você tem dedicado um tempinho para pensar sobre o funcionamento do mundo político partidário e no seu jogo de expressões aos quais ganham notoriedade - o “governo democrático” e “governo do povo”.

Esse mundo onde nós, muitas vezes, nos afastamos das discussões e não estamos habituados a usar as palavras no seu sentido real e imediato. O que é, diga-se de passagem, uma lástima, pois ao fazermos isso esquecemos da nossa função e do poder que está em nossas mãos – literalmente falando.

Nesse cenário, o que mais chama atenção é o ato de depositar em alguém confiança e respeito através do voto. Só se pode falar em voto em um regime democrático e aqui a escolha é pessoal e intransferível, ao menos deveria ser. O ato de votar representa, em outras palavras, o ato de fazer o governo como já nos alertava a escritora cearense Rachel de Queiroz nos anos 40 do século passado. Pensar assim faz com que nos valorizemos, reconhecendo que somos nós que colocamos alguém para exercer função de vereador (a), prefeito (a), deputado (a), senador (a) e presidente (a) e que só cabe a gente decidir pela sua permanência ou não. Agir assim faz com que enxerguemos que o nosso poder não termina com o resultado das eleições, ao contrário ele aumenta.

Precisamos fazer valer a tão pregada expressão daqueles que estão temporariamente exercendo cargo político, a saber, “governo do povo”. Necessitamos tomar as rédeas da situação. Afinal de contas é a gente que coloca eles lá. Lá na Câmara municipal, lá na prefeitura, lá na assembleia legislativa, lá no palácio da abolição, lá na câmara federal, lá no congresso nacional e lá no palácio do planalto. É necessário que acompanhemos seus passos, suas gestões e, não só acompanhemos, mas devemos cobrar para que exerça com dignidade, com respeito, ética e zelo pelo povo uma administração. Que governe de fato com o povo. Acolhendo sugestões e ideias.

É importante que saibamos que o voto não é para satisfazer um amigo, tão pouco para se aventurar em falsas ilusões de combater inimigos. Não. Definitivamente não é para essa finalidade. Voto, meus caros, não é para louvar um “chefe”. Não é sinônimo - nem de longe de obediência. Não se vota para satisfazer desejos de famílias. Não se vota por simpatia, por carismas.

Vota-se em alguém que tem planos, que tem ideias e projetos sociais que vão de encontro com os menos favorecidos. Por isso é tão importante você acompanhar as ações de quem já exerce ou exerceu algum cargo político. Por isso é muito importante investigar a vida de quem quer entrar nesse ambiente.

Pelo voto nós vamos escolher aqueles e aquelas que vão nos cobrar e determinar quanto devemos dar de impostos, na grande maioria das vezes usados de forma errada. Votamos em quem vai fazer funcionar nosso dinheiro. São eles que vão nomear e demitir funcionários. Votamos em quem vai montar secretariado que pode ser racista, machista e homofóbicos. Fiquemos atentos. Aliás, você já reparou quantos negros e negras tem na câmara municipal? Quantos negros são secretários? Há alguma negra sendo secretária? Tem algum negro ou negra, gay ou lésbica atuando na função de diretor de escola?

Quando eles estão no poder podem nos arrastar para a miséria ou realizar uma boa administração. Vai depender da nossa escolha e da nossa vigilância.

Imagem puramente ilustrativa.

10 de julho de 2016

Personalidades Negras que Mudaram o Mundo: Aqualtune



Princesa- guerreira, um dos maiores símbolos de resistência  e luta pela liberdade negra, mãe de um dos maiores líderes pela luta da liberdade negra, e avó  de talvez o maior dos líderes da luta contra a escravidão. Ou se você quiser resumir, simplesmente Aqualtune.

Publicado originalmente no Blogueiras Negras

Não consegui saber de fatos sobre a infância da princesa. Seu rastro histórico começa no ano de 1665, quando, segundo a história, liderou cerca de 10 mil guerreiros congoleses, no que ficou conhecido como “ a Batalha de  Mbwila”, quando a sua tribo foi atacada por outra de nome “Wachagas”- há quem diga que o conflito foi provocado pelos portugueses, interessados em cativos para o comércio de escravos. O fato, é que a tribo de Aqualtune perdeu o combate, e a cabeça o pai dela, o rei de Mani-Kongo, foi cortada e exibida em uma igreja, enquanto a sua filha, foi presa com seus companheiros e vendida como escrava.

Então, teria sido enviada em um navio negreiro para o forte de Elmina, em Gana, onde teria sido “batizada” por um bispo católico e, como prova de seu batismo, foi marcada uma flor com ferro quente em cima do seu seio esquerdo. Daí, completou a travessia no navio negreiro para o Brasil, onde desembarcou em  Recife. Alguns dizem que ela já teria embarcado grávida, e teria sido estuprada diversas vezes por outro escravo, pois, forte e saudável, foi escolhida para ser vendida como escrava reprodutora. Conta que em desespero, ao embarcar em  Recife, teria tentado correr para o mar- provavelmente uma tentativa desesperada de voltar para a sua terra natal.

Porém, nossa guerreira se encontrava em um estado de letargia profundo. Provavelmente, depressão- e quem não compreenderia?  Já em Recife, foi  vendida para uma fazenda especializada em gado e o dono da fazenda, ao saber da sua origem, e que Aqualtune ainda era venerada por alguns escravos devido a sua origem, a entregou para os seus piores homens em sua fazenda.

E a letargia em nossa heroína continuava. Até que,  na altura do sexto mês de gravidez, ela sentiu  seu bebê se mexer e “ seu sangue se mexeu junto”.

Então, ela ouviu falar  em um chamado “ Reino dos Palmares”. Desde o primeiro momento da escravidão no Brasil, que vários negros criaram centros de resistência fugindo para o interior. Mais ou menos em 1606, um grupo de escravos conseguiu se estabelecer nas montanhas de Pernambuco, e ali conseguiram  estabelecer um “mocambo” , na região conhecida como Palmares.

Então, surgiu em Aqualtune  a vontade de fugir e se juntar ao povo de Palmares. Se juntou a um grupo de escravos para se insurgir e destruir a casa grande. Conseguiu e, no meio de sua fuga, mais escravos foram se somando ao grupo ao longo do caminho. Conta-se que chegaram com ela cerca de 200 escravos ao Reino de Palmares. Então, alguns contam que  sua origem real teria sido reconhecida, mas o fato é que ela se tornou o líder do Reino dos Palmares. E dentro do chamado reino dos Palmares, ela teria fundado o chamado “ Quilombo dos Palmares”. Ali, Aqualtune deu a luz a dois filhos, ambos guerreiros que também entraram para a história: Ganga Zumba e Ganga Zona, conhecidos pela sua coragem e liderança. Também teve uma filha, de nome Sabina, que teve mais tarde, um menino chamado Zumbi, que mais tarde ficaria conhecido como “Zumbi dos Palmares”, e seria  reconhecido como um dos maiores líderes negros da história.

O final da vida de Aqualtune é controverso. Alguns dizem que uma das várias expedições enviadas pelo governo português e donos de fazenda, teriam queimado a vila onde ela vivia junto com outros idosos da comunidade. Outros alegam que ela teria conseguido fugir. Outros ainda afirmam que ela simplesmente morreu de doenças da velhice. O fato, é que há uma lenda que os deuses da África teriam tornado nossa guerreira imortal, um espírito ancestral que conduziu seus guerreiros até a queda definitiva do quilombo dos palmares em 1694. Dizem que até hoje ela é lembrada em Pernambuco, e a princesa, cantada na música Zumbi, de Jorge Bem Jor, seria uma referência à Aqualtune.



Aqualtune - um dos maiores símbolos de resistência e luta pela liberdade negra. 

8 de julho de 2016

Milton Santos: Como é ser negro no Brasil*



O professor Florestan Fernandes e o professor Otavio Ianni, escreveram ambos que os Brasileiros, de um modo geral, não têm vergonha de ser racista, mas têm vergonha de se dizer que são racistas.
Publicado originalmente no Café Com Sociologia

Eu tive a sorte de ser negro em pelo menos quatro continentes e em cada um desses é diferente ser negro e; é diferente ser negro no Brasil. Evidente que a história de cada um de nós tem uma papel haver com a maneira como cada um de nós agimos como indivíduo, mas a maneira como a sociedade se organiza que dá as condições objetivas para que a situação possa ser tratada analiticamente permitindo o consequente, um posterior tratamento político. Porque a política para ser eficaz depende de uma atividade acadêmica... acadêmica eficaz! A política funciona assim! A questão negra não escapa a essa condição. Ela é complicada porque os negros sempre foram tratados de forma muito ambígua . Essa ambiguidade com que essa questão foi sempre tratada é o fato de que o brasileiro tem enorme dificuldade de exprimir o que ele realmente pensa da questão.

O professor Florestan Fernandes e o professor Otavio Ianni, escreveram ambos que os Brasileiros, de um modo geral, não têm vergonha de ser racista, mas têm vergonha de se dizer que são racistas. E acho que isso é algo permanente das relações inter-étnicas no Brasil e que traz uma dificuldade de aproximação da questão e da análise, inclusive dos próprios negros, que podem se deixar possuir por uma forma de reação puramente emocional diante da questão, dentro do problema, quando é necessário buscar, analisar, a condição do negro dentro da formação social brasileira. Porque a política não se faz no mundo, não é no mundo que dita as regras da política que se faz em cada país. E não é o outro continente. Não é o olhar para a África que vai ajudar na produção de uma política brasileira para o negro, nem um olhar para os Estados Unidos que vai também permitir essa produção de uma política. É o estudo do negro dentro da sociedade brasileira. É evidente que esse estudo passa pela categoria que se chama “formação socioeconômica”, a qual eu modifiquei propondo a categoria de “formação socioespacial”, porque eu creio que o território tem um papel muito grande na compreensão do que é uma nação.

A formação socioeconômica ela tem relações com todo o mundo. É evidente que o porte africano no Brasil ele vai ter um papel na compreensão com o que se passa no Brasil, como o aporte europeu e hoje o aporte estadunidense. Mas isso resulta numa produção que se chama “o Brasil”. É nele que eu quero estar como brasileiro integral! É nele que devemos estar, todos, independente da nossas origens étnicas, como brasileiros integrais, sem servos olhados vesgamente em função de nossa, repito, origem étnica. Por conseguinte esse tipo de aproximação que eu privilegio naquilo que eu faço, e faço pouco porque não sou um especialista da questão negra. Eu sou apenas um negro a mais no Brasil que tem uma experiência de ser negro, mas que não sou especialista da questão negra. O meu trabalho, como todo mundo sabe, é outro, eu me especializei em outra coisa, é a minha história, mas não sou indiferente a essa questão, longe disto. Creio que as contribuições teóricas que por ventura tenha elaborado para o entendimento da sociedade possa ser de alguma valia no tratamento da questão do negro no Brasil; que não será resolvido se os negros forem sozinhos na luta. A luta dos negros só pode ter eficácia se envolver todos os brasileiros, inclusive os negros, mas não só os negros. Não cabe aos negros, aliás, fazer essa luta. Essa luta tem que ser feita sobretudo por todos. Creio que essa etapa seguinte, a de reclamar de todos que participem; e não só em um dia ou uma semana. Eu não tenho simpatia por treze de maio e nem semana do mês de novembro, porque tenho uma enorme dificuldade em aceitar que o país celebre uma semana, celebre um dia e os resto dos 357 dias se descuide da questão. Eu creio que é importante que haja esses dias no sentido de mobilização. Só que a mobilização não é obrigatoriamente aquilo que produz a consciência. Com frequência a mobilização cria um elã emocional e o que permite uma luta continuada é a produção da consciência que não pode ser, digamos, obtida em um dia, treze de maio, uma semana, semana da consciência negra, por que não é questão de consciência negra, é questão de consciência nacional; o negro sabe perfeitamente a sua situação. É por isso que eu me recuso a vir em reuniões como essa, ou quando me convidam na imprensa ou na televisão, a ficar choramingando, “ah nós somos assim, somos acolá, nós estamos em baixo”. Todo mundo sabe disso, então vamos usar o tempo para outro tipo de preocupação.

Inclusive como estava dizendo a um colega da Bahia, da gloriosa universidade da Bahia, onde eu foi aluno de meu filho, que para mim é uma grande satisfação intelectual e moral, que a questão passa por aí, da questão do negro brasileiro, porque assim que me intitulo, eu sou um negro brasileiro, não quero ser outra coisa se não um negro brasileiro, mas quero ser um brasileiro integral. A luta que tem que ser feita passa por criar uma consciência nacional e não, digamos, nos limitarmos a uma produção de uma consciência negra, porque os negros já estão cansados de saber qual é sua condição na sociedade. Para isso é necessário preparar outro discurso.

Eu estou muito mal satisfeitos com maior parte dos discursos dos movimentos negros porque são repetitivos esses discursos, são pobres e não são mobilizadores realmente, exceto para choramingas. De que adianta continuar dizendo que os negros ganham menos no mercado de trabalho? Muito pouco! Todo mundo já sabe disso. Com pequenas variações é a mesma coisa sempre. De que adianta sair dizendo que há um preconceito aberto ou larvar? Todo mundo sabem disse, inclusive aqueles que comentem sabem que estão fazendo preconceito; muitos não sabem. Ai entra o papel de outro discurso, que é o discurso da conscientização a partir de novas palavras de ordem. Por exemplo, peço desculpa por falar de mim mesmo, mas quando nessa entrevista que tive o prazer de dá ao Roberto D’Abila que me perguntou a respeito do ressentimento dos negros em relação a sociedade branca. Eu disse, não, ao contrário, são os brancos que têm o ressentimento com relação os negros que conseguem acender socialmente, que já era um ensaio de produzir um outro discurso. Eu não vou aceitar discutir que os negro tem ressentimento por uma maneira muito simples: porque o nosso ressentimento, se existe, ele não é eficaz, ele não tem poder. O ressentimento que tem eficácia é do que tem poder. Então quando eu falo que é o branco que tem ressentimento, e tem, em relação ao negro que triunfa, não digo o branco em geral, mas um bonito grupo de pessoas brancas . É para exatamente reverter o discurso. É um exemplo de, como creio, que haveria que trabalhar nessa coisa do discurso que acho muito importante, inclusive para a recriação daquilo que repetem com muita frequência, a questão da autoestima. A autoestima ela pode ser parcialmente enfrentada a partir de outro discurso também. É isso, por isso, que não perdoo ao governo federal, e aos governos estaduais, que não põem seu recursos jornalísticos a disposição da produção do discurso da autoestima, o que não custaria muito, mas que tem que ver com as condições de nosso tempo, que tem que ser analisada e se propor outra coisa.


*Palestra proferida pelo professor Milton Santos e transcrita por Cristiano das Neves Bodart a partir de um audio que guardava desde a época que cursava a graduação. Infelizmente não sabemos onde foi proferida essa palestra.