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A juventude negra e suas novas formas de fazer política


Nos últimos anos, os debates a respeito da estética negra no Brasil cresceram muito a partir do fenômeno que uns chamam de “afrontamento”, outros de “afrotombamento”, mas que refletem um momento em que pessoas negras passam a assumir com fôlego sua identidade racial. O processo de alisamento capilar dos cabelos afros que sempre foi invisibilizado nos espaços de diálogos da política, foi consequência de uma imposição social eurocêntrica que atingiu com intensidade a vida de milhares de negras e negros.

Publicado originalmente no Blogueiras Negras

Os cabelos naturais, sejam crespos ou cacheados, passaram a ser afirmados como símbolos de resistência e representação no meio social, após constantes lutas dos movimentos negros no Brasil e do mundo. Com a ascensão da cidadania do povo negro através das políticas de transferência de renda dos governos democráticos de Lula e Dilma, muitos se sentiram mais seguros para assumirem sua identidade e valorizar a cultura afro-brasileira. Esse processo de transição impulsiona o auto reconhecimento e, portanto, influencia diretamente na autoestima dessa população.

Somos maioria populacional e minoria nos espaços de representatividade. Este fator atingiu nossa subjetividade a tal ponto, que por muito tempo tivemos medo, vergonha e muita insegurança para nos colocarmos na sociedade; precisávamos nos embranquecer, mesmo que inconscientemente, seja alisando o cabelo, seja maquiando traços negroides, seja se dizendo pardo, mulato mas não negro. Esta crise de identidade é fruto do padrão perverso imposto pela elite que discrimina e menospreza a ancestralidade negra nos direcionando à subalternidade.

Conforme bell hooks afirma em “Alisando os nossos cabelos”. Apesar das diversas mudanças na política racial, as mulheres negras continuam inseguras com os seus cabelos, o alisamento ainda é considerado um assunto sério e que precisa ser debatido de forma profunda. É perceptível a insistência em se aproveitar da insegurança que nós mulheres negras sentimos com respeito a nosso valor na sociedade de supremacia branca.

Mas o que a geração tombamento tem a ver com a politica? Qual a pauta que organiza essa juventude com a estética empoderada?

A juventude no combate ao racismo, ao machismo e à LGBTfobia tem buscado deixar de ser doutrinada pelas opressões de classe, raça, sexualidade e gênero. A “Geração Tombamento” vem conseguindo ser importantes transgressões politicas: pra nós, estar na rua com nossos cabelos crespos coloridos, usar pinturas que resgatam elementos da cultura africana, ouvir música negra já é por si só uma atitude transgressoras que tem impacto sobre este tempo histórico.

O fenômeno do textão nas redes sociais, as diversas narrativas de pessoas negras em busca de desconstrução publicando suas vivências importantes, são fatores que vem fortalecendo a luta contra o epistemicídio historicamente colocado para a memória do do povo preto. A cultura da oralidade ganha dimensões impressionantes com o surgimento e popularização das tecnologias da comunicação, com a massificação da internet, e precisamos nos debruçar sobre essa potência por contações que sejam de fato construída por nós.

O debate da estética negra não é novo para o Movimento Negro. Desde os anos 70, Os Panteras Negras protestaram contra as indústrias que naquela época já emitia meios de imposição a um padrão estético eurocêntrico. A ex-Pantera Negra Kathleen Cleaver, em “TOMBAMENTO OLD SCHOOL”, fala que as pessoas negras estão conscientes agora de que sua aparência é bonita e as pessoas brancas estão cientes também, porque até os brancos querem usar o cabelo natural, tentando inclusive se apropriar de nossos símbolos de luta e resistência, esvaziando-os e transformando em moda comercial.

Tombamento é uma termo que caracteriza as novas formas de organização dessa juventude negra que hoje constrói linguagens de resistência e tem se tornado referência em todo o país. Esta onda de empoderamento tem impacto na politica e na produção cultural, com a criação de movimentos auto-organizados tais como as marchas do empoderamento/orgulho crespo e as festas como a Batekoo, Tombo e Afrobapho, que resgatam e atualizam a concepção de baile negro muito comum no brasil nos anos 80 e 90.

Lorena Lacerda integrante da comissão da Marcha do Empoderamento crespo em seu artigo “Parem de criticar a geração tombamento”, traz uma abordagem que nos interessa: “Os nossos cabelos eram/são vistos como “ruins”, “duros”, “bombril”, “pixaim”, “rompe fronha” e diversos outros nomes depreciativos que nos faziam/fazem ter baixa estima de ser quem somos: negros. Hoje, e aos poucos, estamos recuperando a nossa própria autoestima, e o primeiro passo se dá através da nossa estética”.

É interessante pensarmos quão potente é a ressignificação do termo “Tombar”, durante muito tempo usado para banalizar as milhares de mortes de pessoas negras no Brasil: trata-se de jovens dizendo que “já que é pra tombar, tombamos”, mas não nas valas de esgoto das marginais urbanas e nem no conflito entre a polícia e o crime organizado, tombamos ao entrar na universidade, ao assumirmos nosso cabelo, ao ocuparmos os espaços da política, ao sobrevivermos, ao afrontarmos o racismo com coragem e irreverência, fazendo de nossos próprios corpos instrumento de luta reconstruindo identidade e afirmando a ancestralidade historicamente negada na sociedade.

Engana-se quem resume o debate da estética como algo superficial, não podemos deixar de ressaltar que muitas pessoas negras passam a compreender o racismo quando deixam de alisar o cabelo e os textões demonstram essa necessidade de compreender as opressões estruturadas na sociedade para desconstruí-las. Além disso, a estética é uma faceta importante do que se entende por moral e ética numa sociedade, não à toa a dominação econômica das classes e raças dominantes sempre vieram carregadas de signos. A estética não é abstração, é concreto, e no caso de pessoas negras, é algo que tem impacto forte sobre nossa vida, saúde e desenvolvimento social, pois a estética é a relação do imaginário social com o ajuizamento de valores de beleza, de bondade, etc.

A geração tombamento tem sido muito criticada e desvalorizada por ser uma nova forma de organização e mobilização pras lutas, mas tanto o movimento negro mais tradicional que inclusive é referência para essa geração, quanto a esquerda branca precisam entender que essa linguagem vem organizando pessoas e tem sido responsável por expor e formular cada vez mais a respeito dessas opressões conseguindo agregar ao combate ao racismo sobretudo por ter uma linguagem jovem, da periferia e que falam das suas vivências demonstrando a proximidade na pauta.

Não é por acaso que hoje nas redes sociais maioria dos jovens debatem racismo, machismo e lgbtfobia, isso surge a partir da compreensão de que existe uma juventude negra que morre todos os dias na periferia, que sofre racismo por sua estética afirmada e compreende o processo histórico opressor não permitindo mais nenhuma forma de silenciamento.

Somos uma juventude que busca representatividade com a mesma urgência com que lutamos por sobrevivência. Deslegitimar o debate da geração tombamento é uma mera reprodução do racismo, além de miopia política. Somos uma geração que subvertemos muitas das imposições do capitalismo em nossa vida, a exemplo do consumo, para criar novas formas de resistência: comprar um batom roxo ou uma tinta azul para pintar o cabelo não tem o mesmo sentido que comprar uma química para alisá-lo ou gastar muito dinheiro no salão de beleza para conseguir ficar em paz na faculdade ou no ambiente de trabalho.


Estamos gerando uma nova lógica, estamos reinventando nosso lugar de estar no mundo e para isso, queremos mais respeito, sobretudo dos setores progressistas do Brasil. Para nós, não morrer é tão importante quanto nos empoderar, e isso passa sim pela nossa estética, pela nossa auto-estima, pelo nosso amor próprio.

Jovens discutem extermínio da juventude negra. Foto: divulgação.

Fotógrafo cria projeto que retrata juventude negra sem rótulos



Dos 30 mil jovens entre 15 e 29 anos que foram assassinados em 2012, 77% eram negros, segundo estimativa da Anistia Internacional. Essa dura realidade foi o que inspirou o fotógrafo Luiz Ferreira, 20 anos, a criar um ensaio sobre a juventude negra. “O projeto surgiu da necessidade de tentar desconstruir um estereótipo que os negros têm, que foi estabelecido há muito tempo. Esse padrão negativo tem sido consolidado na história. O negro é visto como marginal”, revela.
Publicado originalmente no Ceert

Juventude negra: sobre afetos, histórias, vivências tem como objetivo mostrar quem são os jovens negros. “Não somos só um número na estatística. Estamos nas universidades, trabalhamos, somos ativistas, somos politizados. Acho que isso tem que ser mostrado para a sociedade”, explica o fotógrafo. Assim que teve a ideia, Luiz Ferreira abriu uma seleção em sua página no Facebook em busca de modelos para o projeto. Foram escolhidos 15 jovens negros, desses, 13 participaram do ensaio. Algumas imagens foram capturadas em espaços que também expressam o objetivo do projeto, como a Feira de Ceilândia e o Mercado Sul, em Taguatinga.

A série de imagens começou a ser publicada nas redes sociais e ganhou repercussão na plataforma. A cada semana, Luiz Ferreira divulga o ensaio de dois ou três personagens do projeto. “Compartilho um álbum com as fotos junto de um texto em que falo de alguma experiência do jovem, conto um pouco sobre a sua história, como o processo de afirmação da negritude”, comenta. O que é uma referência ao projeto famoso das redes sociais Humans of New York, que conta a história de pessoas clicadas nas ruas da Big Apple. “Engraçado. Muitas pessoas têm perguntado sobre isso. Não é igual, mas claro que existe uma referência”, diz o fotógrafo.

Projeto

Antes das publicações começarem, Luiz Ferreira lançou um teaser com imagens de alguns modelos e explicando o projeto. O vídeo, que tem 1 minuto e 37 segundos de duração, foi filmado por Pedro Lemos.

Até esta semana já foram publicados conteúdos de cinco ensaios, ainda faltam oito. O primeiro foi uma série de fotos do jovem Patrick Shakur, de 18 anos, morador do Recanto das Emas, que tem como influência de afirmação e empoderamento negro, o rapper Tupac Shakur. Também já foram publicadas imagens de Fernanda Gomes, 18 anos, que sonha em ser voluntária na África; Michelle Araújo, que trabalha como cabeleireira de cabelos cacheados; Liniker Teixeira, que teve sua vida mudada após entrar em uma universidade; e Andréia Gonçalves, 21 anos, que teve um processo de formação estética ao assumir o seu cabelo natural.

Foto: Luiz Ferreira/Divulgação.
Foto: Luiz Ferreira/Divulgação.
Foto: Luiz Ferreira/Divulgação

Em Seminário, professor Dr. Kabengele fala sobre “Juventude Negra: Preconceito e Morte”


Imagem capturada do vídeo. 

O memorial da América Latina sediou o seminário “Juventude Negra: Preconceito e Morte”. O tema foi desenvolvido pelo Profº. Dr. Kabengele Munanga, da Universidade de São Paulo.

Em sua fala aparece o negro como sendo duplamente vítima de violência em países que convivem com preconceitos raciais e que praticam atos de discriminação racial. Segundo ele, pelos menos 70% dos jovens negros já sofreram algum tipo de violência. Há destaque ainda para a conceituação de raça. Aqui ela aparece como sendo um fator de exclusão e dominação. “Por isso”, disse Kabengele, “o jovem negro é excluído e dominado por uma ideologia chamada racismo”. 

A palestra foi em 2011, mas é sempre bom rever. 

Confira o vídeo


                            

O Problema é social e racial: Negros são 70% das vítimas de assassinatos no Brasil



Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada na última quinta-feira, 17/10, reafirmou números que merecem ao menos, um momento de atenção:

A cada três assassinatos no País, dois vitimam negros;

A possibilidade de o negro ser vítima de homicídio no Brasil é maior inclusive em grupos com escolaridade e características socioeconômicas semelhantes.

A chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos.
Assassinatos atingem negros numa proporção 135% maior do que os não-negros;

Enquanto a taxa de homicídios de negros é de 36,5 por 100 mil habitantes, no caso de brancos, a relação é de 15,5 por 100 mil habitantes;

Há uma perda na expectativa de vida devido à violência letal 114% maior para pessoas negras;

Enquanto o homem negro perde 20 meses e meio de expectativa de vida ao nascer, a perda do branco é de oito meses e meio;

Pelo menos 36.735 brasileiros de entre 12 e 18 anos serão assassinados até 2016, maior nível desde que o índice começou a ser medido em 2005, quando a taxa era de 2,75 adolescentes assassinados por cada mil;

Em relação à desigualdade e à opressão racial no Brasil, nos habituamos ter acesso a índices que se repetem, se acentuam e cristalizam a barbárie vivida pela população negra em nosso país.

Para além da vivência empírica, as provas científicas de que o elemento racial estrutura as desigualdades e condenam negros a serem maioria entre os mais pobres, entre os analfabetos, entre os que não tem acesso à saúde, e principalmente entre as vítimas da violência, não tem sido suficiente para sensibilizar governos, políticos e mesmo a população.

Coincidentemente, na semana passada em Brasília, por conta das mobilizações pela aprovação do Projeto que dá fim aos “Autos de Resistência” nós, representantes de movimentos e artistas negros passamos um dia inteiro apresentando os números da barbárie racista para deputados, senadores e ministros, a fim de sensibilizá-los. Dias depois, novas provas surgiram e as manchetes gritaram:

“Dois terços das pessoas assassinadas no Brasil são negras”, ou: “A chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos”, ou ainda: “De cada 3 vítimas e assassinatos, 2 são negros”.

Ora, se considerarmos que, segundo o próprio estudo,  36.735 brasileiros de entre 12 e 18 anos serão assassinados até 2016, poderíamos formular outra manchete: “De cada 100 vítimas e assassinatos, 70 são negros”.

Poderíamos fazer contas simples que chegariam aos seguintes dados: 25.714 jovens negros serão assassinados em 3 anos, o que equivale a mais de 8.570 por ano ou a 715 por mês! Analogia perfeita: Três aviões lotados de jovens negros, caindo todos os meses nos próximos três anos, sem nenhum sobrevivente.

Mas não! Seria sensacionalismo. Seria exagero. Seria “coisa da nossa cabeça”, afinal, o problema no Brasil é social e não racial.

E repito aqui perguntas batidas, mas necessárias:

E se as vítimas fossem filhos de empresários, médicos, advogados, engenheiros ou dentistas? E se os territórios de terror fossem na Lagoa ou em Ipanema, no Rio; no Alto de Pinheiros ou em Moema em São Paulo ou na Barra, em Salvador? E se o sangue jorrasse de corpos brancos, a reação social e política a esses números seria a mesma?

Onde está a comoção nacional? E a campanha no Facebook, com milhares de pessoas trocando suas fotos por de pretos ou os sobrenomes para “pretos” ou ainda as hashtag que demonstrem a revolta com essa realidade? Porque a morte negra não comove? Porque o corpo negro pouco ou nada vale?

E para além da frieza dos números, lembro que para cada uma destas vítimas, há uma família, uma mãe que chora e a imagem do velório e da nossa gente em cortejo.

Quantos mais e por quantos anos – e já são pra lá de 500, até que cesse a violência racista no Brasil?


Via Negro Belchior