Mestre Nena e o Estado criminoso

 

(FOTO/ Reprodução).

Por Alexandre Lucas, Colunista

O caso do mestre Nena e de sua família agredida fisicamente e verbalmente pela Polícia ( Raio), em Juazeiro do Norte, região do Cariri-CE, no dia 21 de janeiro, suscitou um debate urgente,  que é a ação do Estado como agente do crime.  O relato de violência amplamente divulgado pela família não é um caso isolado, mas uma prática corriqueira nas periferias brasileiras, que sofre de forma mais embrutecida com o racismo estrutural e a truculência policial. 

Quando agentes públicos agem fora da legalidade estão cometendo crimes, premissa básica de um criminoso.  Buscas e apreensão sem mandado, invasões domiciliares, violência psicológica, agressões físicas, torturas, ameaças e até assassinatos fazem parte do cotidiano das áreas espacialmente marginalizadas das cidades do país.

A concentração de riquezas nas mãos de poucos gerou um crescimento desordenado das cidades e estratificação social dos espaços, gerando áreas marginalizadas e situações de vulnerabilidade social destinadas às camadas populares. Esse contexto nos remete historicamente aos espaços ocupados pela população pobre e negra, após o período da escravatura. Livres dos senhores de escravos, a população negra teve que se submeter à repressão do Estado.

A Lei da Vadiagem é um exemplo da ação do Estado contra a sua própria omissão. As manifestações de religiões de matriz africana e a própria capoeira foram criminalizadas pelo estado Brasileiro.  Existem um padrão de suspeito para as forças de repressão, ser pobre e negro é uma credencial.

O ódio e a prepotência contra as populações periféricas foram ensinados. As “canções TFM” (Treinamento Físico Militar), são um dos exemplos, apresentam músicas de apologia à violência em que a periferia é o alvo. A narrativa dominante reproduz um discurso de criminalidade nascente nesses espaços e esconde as raízes geradoras da desigualdade e vulnerabilidade social.

No caso do Mestre Nena, o tiro saiu pela culatra, os seus algozes, não esperavam que aquele senhor de 71 anos, fosse um Mestre da Cultura e o caso repercutisse. Brincantes, outros mestres, gestores públicos, parlamentares, representantes de Pontos de Cultura, pesquisadores e lideranças dos movimentos sociais saíram em defesa da família de seu Nena, mas que isso se manifestaram contra a violência do Estado e a criminalidade de agentes públicos. O Mestre Nena representa neste momento o símbolo contra a truculência policial nas periferias brasileiras.    

O crime contra a família do Mestre Nena aponta para o governo do Ceará a oportunidade de abrir um amplo debate com a sociedade civil e as forças de segurança visando reduzir a delinquência praticada pelos servidores do Estado contra a população. 

O bairro João Cabral onde aconteceu o crime contra a família do Mestre Nena merece ser recontado para além das páginas policiais, essa é a narrativa que sempre se sobressai. Outras histórias são escondidas e apagadas e possivelmente são essas que devemos evidenciar na luta constante pelo direito à cidade.

O João Cabral é um complexo das manifestações da tradição popular, é ponto de conjugação da identidade e resistência cultural do Cariri. É lugar de gente que ficou acordada, enquanto o estado dormiu.  

O João Cabral do Mestre Nena é também dos grupos:  - Reisado dos Irmãos - Discípulos de Mestre Pedro, Renascer a Tradição, Reisado Estrela Guia, Reisado São Miguel, Guerreiro Beija-flor, Guerreiro Nossa Senhora Aparecida, Guerreiro Santa Madalena, Banda Cabaçal Meninos da Paz, Banda Cabaçal Meninos Maluvidos; Banda Cabaçal São Bento, Maneiro Pau do Mestre Raimundo; Quadrilha Matutino Júnior; Quadrilha Rochedo dos Matutinos; Cia.Teteretete. Carroça de mamulengos, Mágico Mister Van, Cantares de Almas e os Bacamarteiros da paz, grupo do Mestre Nena. São 18 grupos, é muito mestre e mestra, brincante e brincadeira.

Se nos falta o pão, não nos tire o riso.

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